Ouro. Um negócio que brilha mas não dá dinheiro

Ouro. Um negócio que brilha mas não dá dinheiro


Matéria-prima está a valorizar, mas tem risco. Negócios em Portugal estão em dificuldade


As últimas semanas têm sido de pânico nos mercados internacionais, com os investidores preocupados com a situação na China, os riscos nos países emergentes, as tensões geopolíticas e tudo o que os analistas se lembram que possa fazer o mundo entrar em crise.

O petróleo caiu, as ações também, mas um ativo escapou à turbulência: o ouro teve em janeiro um dos meses mais positivos dos últimos tempos, com uma valorização superior a 5%. Mas quem pensar aproveitar esta onda e aplicar as poupanças neste metal precioso deve ter cautelas. Os investimentos em ouro são arriscados e os negócios em torno desta matéria-prima são incertos. Só nos últimos anos fecharam em Portugal mais de mil ourivesarias.

Refúgio Em momentos de pânico, os investidores refugiam-se em algo seguro – algo que conserve o valor mesmo que haja um cataclismo e o mundo volte a viver da agricultura de subsistência. “O ouro está a comportar-se como se espera que se comporte”, resumiu ao “Wall Street Journal” a economista Simona Gambarini, especializada no mercado de matérias-primas.

A valorização do ouro, que está com uma cotação de 36 euros por grama, explica-se com a falta de outras opções nos mercados, já que as alternativas são ainda mais arriscadas. Na semana passada, depois de a Reserva Federal dos Estados Unidos ter dado indicações de que iria manter as taxas de juro estáveis, os investidores ficaram preocupados com os retornos que poderiam obter naquele mercado. Com alguma incerteza no mercado chinês e o petróleo a cair, o que sobrou foi esta matéria-prima.

Mas a valorização do ouro de janeiro não significa que a euforia dos investimentos financeiros deva ser replicada pelos consumidores de retalho, desde logo porque é um ativo difícil de avaliar. Embora em termos históricos possa parecer estar-se num momento atrativo para investir – apesar da subida recente, pode parecer barato para os investidores que pensam que a cotação vai subir mais -, há quem alerte para o cenário oposto.

O analista da Bloomberg Matthew A. Winkler recomendou que os mais otimistas com o ouro “olhem melhor” para o histórico desta matéria-prima. Já houve períodos em que o ouro caiu abruptamente quando já estava a preços supostamente de saldo. “Entre Janeiro de 1980 e Junho de 1982, por exemplo, o metal precioso perdeu 66% do seu valor”, recordou.

A DECO PROTESTE tem também alertado para que aplicar dinheiro em ouro “é arriscado, ao contrário do que se possa pensar”. A associação de consumidores sublinha que “não há nenhuma garantia de que o valor do metal dourado se valorize” e “há o risco de a cotação ser afetada por mudanças de sentimento dos investidores”.

Dificuldades Os negócios relacionados com o ouro no país mostram que a atividade já teve melhores dias. Durante anos, com a cotação do ouro em alta, as lojas de troca e venda desta matéria-prima proliferaram. Parecia um império impossível de cair, mas é esse o cenário a que se assiste. Desde o início de 2014, todos os meses fecham cerca de 50 estabelecimentos desta natureza.

Este negócio contava com a abertura, em média, de uma agência por dia. Mas tudo mudou radicalmente desde que se verificou uma descida abrupta do preço deste metal precioso. No final do ano passado, a Imprensa Nacional-Casa da Moeda registava 5741 retalhistas do setor da ourivesaria. Em 2012, o boom do negócio fazia com que houvesse 6714 casas de troca de ouro. Desapareceram mil negócios nos últimos anos.

Quem mais recorria a este tipo de solução era a classe média, quando deixou de conseguir fazer face às despesas. Muitos chegaram a vender tudo o que tinham. Com o aumento de impostos, cortes nas pensões e nos salários, muitos vendiam e encontravam um refúgio para atenuar as dificuldades que enfrentavam.

Para os empresários, a atividade piorou. Longe vão os tempos em que o ouro em segunda mão derretido e vendido para a Europa fazia entrar milhões no país: de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), entre 2011 e 2014, as exportações portuguesas de ouro atingiram 1,8 mil milhões de euros.

Agora já não é assim. O brilho é o mesmo, mas já não dá dinheiro. Não só os preços estão mais baixos, o que desincentiva a compra e venda, como muitas famílias já não têm ouro para vender. O futuro não se afigura risonho.