Wolfgang Tillmans. Da subcultura da noite à contemplação das estrelas

Wolfgang Tillmans. Da subcultura da noite à contemplação das estrelas


Wolfgang Tillmans descobriu em 1986 que podia exprimir-se através de uma fotocopiadora a laser. Desde então faz fotografia, mas não se considera um fotógrafo. É inaugurada hoje em Serralves “No Limiar da Visibilidade”, uma exposição para ver sem medo


Numa fotografia de grandes dimensões do mar – mais propriamente da rebentação – Wolfgang Tillmans chama a atenção para um pormenor captado por acidente: um conjunto de salpicos de espuma suspensos no ar como planetas em miniatura. Desde criança que o artista alemão se interessa por astronomia e os fenómenos celestes, como os eclipses, são um tema recorrente na sua obra.

A exposição que hoje inaugura em Serralves, “No Limiar da Visibilidade”, não pretende contudo fazer um apanhado de uma carreira de mais de 20 anos. “A nossa pergunta era o que vamos mostrar nesta primeira exposição em Portugal”, explica Suzanne Cotter, a diretora do museu. “A obra dele é tão extensa que se torna impossível fazer uma retrospetiva. Por isso preferimos focar-nos num aspeto muito específico: a paisagem vertical.”

A paisagem vertical é um tema que Tillmans vem desenvolvendo desde meados da década de 90 e consiste em imagens feitas no momento em que o dia e a noite se tocam, mostrando o céu, o horizonte e o mar em camadas de cor sobrepostas. Muitas delas foram feitas a partir de aviões e “mudam a perceção do que é sólido, do que é ar e do que é líquido”, continua Cotter.

Já o artista – Tillmans não se considera fotógrafo, preferindo inscrever-se “numa tradição de 30 mil anos de produção de imagens” – sublinha que o que se pode ver em Serralves “é o resultado de 20 anos a pensar sobre estes temas”. O alemão encontra-se há dez dias no museu com o seu assistente a apropriar-se do espaço e a montar as suas peças. “Só ontem à noite fiz certas observações e tomei decisões que deram força à exposição”, nota.

Tillmans não apenas dá instruções sobre a disposição das imagens como gosta de transformar a própria arquitetura. Em Serralves, por exemplo, mandou acrescentar paredes, mas diz-nos que até “a forma como as imagens ocupam as paredes interfere com a distribuição das superfícies brancas”.

Entre as imagens da primeira sala, há uma que se destaca das demais pela sua linguagem completamente distinta. Curiosamente é a que dá título à exposição (“On the Verge of Visibility”, 1992). “Muito do trabalho dele emana de uma narrativa pessoal”, explica a diretora do museu. “O que vemos aqui é a mesa em casa dele – percebe-se que em Inglaterra, por causa do jornal – com o que podem ser restos de um pequeno-almoço, a tisana, um maço de tabaco e uma maçã que ele trouxe de Tóquio porque ficou fascinado com a proteção que a envolve. A nível da composição, é algo que se pode ver na tradição da natureza-morta do século XVII. A história da pintura está muito presente na sua obra”.

A descoberta da fotocopiadora Tillmans explica que o título desta obra lhe foi sugerido pela tonalidade de encarnado da compota no fundo de um boião, que tem em si “algo de infinito”, como se o olhar pudesse mergulhar e perder-se no seu interior. De resto, esta exposição, esclarece o artista, “é sobre olhar, observar corajosamente, e não ter medo que o resultado possa parecer trivial, vulgar ou até kitsch, pois toda a gente tira fotografias às ondas ou ao pôr do sol”.

Nascido em Remcheid em 1968, Wolfgang Tillmans foi um “astrónomo amador obsessivo” na adolescência. Mais tarde, experimentou várias formas de expressão – “pintura, desenho, música”. “Até que descobri a fotocopiadora digital a laser”, que considera uma máquina fotográfica de pleno direito (por isso nas suas exposições podem ver-se fotocópias vulgares ao lado de impressões de alta qualidade).

Em 1990 foi estudar para o Poole College of Art and Design, em Bournemouth. “A primeira vez que fui a Inglaterra descobri a música pop dos New Romantics e isso teve em mim um enorme impacto. Vindo de uma pequena cidade alemã, Londres representava um espaço de liberdade onde podia projetar as minhas aspirações. A música de lá tocava-me, as revistas tocavam-me, a moda tocava-me”. As suas imagens da subcultura noturna e do seu círculo de amigos gays tornaram-no conhecido como um dos mais promissores jovens criadores contemporâneos, o que viria a ser confirmado pela atribuição do prémio Turner em 2000.

Na universidade, Tillmans aprendeu a revelar as suas próprias fotografias, o que descreve como “uma experiência que me abriu os olhos”. Manteve-se fiel à película até 2011, ano em que se rendeu à fotografia digital. “Depois de ter lido sobre os sensores full frame, pensei: ‘Se não explorar isto agora, estarei a ser um nostálgico’”. Ainda assim, vê-se como alguém que faz fotografia analógica, uma vez que se recusa a retocar as suas imagens. “Tudo o que está aqui é fiel às leis da ótica”.