Erros e obstáculos


O resultado das presidenciais deverá criar maior instabilidade na “coligação” de esquerda.


É sempre surpreendente que pessoas não especialmente notáveis em termos técnicos, mas supostamente bons políticos, cometam erros políticos crassos.

O último exemplo disso é António Costa. Supostamente, teria sido genial a sua capacidade de transformar uma derrota nas últimas legislativas numa vitória, conseguindo aceder ao posto de primeiro-ministro. No entanto, parece-me que chegou numa altura em que, ao contrário do que ele imagina, ainda existem muitas dificuldades pela frente e a base de sustentação do seu governo é extremamente frágil. E, tudo indica, ficou ainda mais frágil devido à forma desastrosa como geriu o dossiê das presidenciais.

Antes de mais, convém esclarecer que era totalmente inverosímil que alcançasse a maioria absoluta nas legislativas, já que o PS só conseguiu isso uma única vez, quando o PSD a ofereceu de bandeja, ao levar Santana Lopes a eleições após um governo “épico”. Por isso, deveria ter-se preocupado com a preparação de uma coligação à esquerda e com as suas consequências. 

Em vez disso, permitiu (é o termo: não a promoveu nem a contestou) a candidatura do “paraquedista” Sampaio da Nóvoa, que nada recomendava, nem o quase anonimato nem a “ideologia” demasiado afastada do centro político, para ser vencedora. Se era para inventar um candidato qualquer, mais valia ter ido buscar um que unisse o conjunto da esquerda, para que se apresentassem unidos nestas eleições. 

A fratura interna do PS acabou por ser minimizada pela destruição da candidatura de Maria de Belém, levada a cabo pelo Tribunal Constitucional, numa inadmissível interferência num processo eleitoral. Quem é que vai investigar esta ação intolerável? Vamos assistir a tudo isto em total impunidade, sem sequer uma advertência pública?

Entretanto, o resultado das presidenciais não podia ser pior para a sobrevivência do executivo. Marisa Matias conseguiu um resultado excelente, só ligeiramente superado pela votação do BE para o Parlamento Europeu em 2009. Quanto a Edgar Silva, conseguiu o oposto, o pior resultado de sempre do PCP. É completamente óbvio que existe uma competição entre estes dois partidos que, para além de ideológica e de dissidências históricas, é também uma divisão geracional, entre comunistas envelhecidos e bloquistas com grande adesão nas camadas mais novas.

Esta derrota brutal do candidato comunista, com menos de metade dos votos de Marisa, tem todas as condições para potenciar o maior número de conflitos junto da “coligação” de esquerda. 

Quanto ao novo Presidente da República, parece-me genuína a sua preocupação com o compromisso e, nesse sentido, deverá auxiliar o governo, o que deverá incluir negociar o apoio pontual do PSD, como, aliás, até já sucedeu, não sabemos se com o apoio de Cavaco Silva.

Uma coisa me parece certa: a preocupação principal de Marcelo será a sua reeleição, pelo que dar rapidamente o poder à direita será certamente a última das suas inquietações. 

A conjuntura internacional em degradação, a pressão europeia e, sobretudo, as asneiras do próprio governo deverão encarregar-se de lhe garantir uma vida breve.

O último dos erros do executivo foi o esboço de Orçamento do Estado, que tem recebido críticas de todos os quadrantes, devendo o ministro Mário Centeno enviar hoje esclarecimentos a Bruxelas. Veremos o que nos reservam as cenas dos próximos capítulos, com o governo entalado entre as pressões europeias e das agências de rating, dum lado, e dos parceiros de esquerda, do outro. 

Escreve à sexta-feira


Erros e obstáculos


O resultado das presidenciais deverá criar maior instabilidade na “coligação” de esquerda.


É sempre surpreendente que pessoas não especialmente notáveis em termos técnicos, mas supostamente bons políticos, cometam erros políticos crassos.

O último exemplo disso é António Costa. Supostamente, teria sido genial a sua capacidade de transformar uma derrota nas últimas legislativas numa vitória, conseguindo aceder ao posto de primeiro-ministro. No entanto, parece-me que chegou numa altura em que, ao contrário do que ele imagina, ainda existem muitas dificuldades pela frente e a base de sustentação do seu governo é extremamente frágil. E, tudo indica, ficou ainda mais frágil devido à forma desastrosa como geriu o dossiê das presidenciais.

Antes de mais, convém esclarecer que era totalmente inverosímil que alcançasse a maioria absoluta nas legislativas, já que o PS só conseguiu isso uma única vez, quando o PSD a ofereceu de bandeja, ao levar Santana Lopes a eleições após um governo “épico”. Por isso, deveria ter-se preocupado com a preparação de uma coligação à esquerda e com as suas consequências. 

Em vez disso, permitiu (é o termo: não a promoveu nem a contestou) a candidatura do “paraquedista” Sampaio da Nóvoa, que nada recomendava, nem o quase anonimato nem a “ideologia” demasiado afastada do centro político, para ser vencedora. Se era para inventar um candidato qualquer, mais valia ter ido buscar um que unisse o conjunto da esquerda, para que se apresentassem unidos nestas eleições. 

A fratura interna do PS acabou por ser minimizada pela destruição da candidatura de Maria de Belém, levada a cabo pelo Tribunal Constitucional, numa inadmissível interferência num processo eleitoral. Quem é que vai investigar esta ação intolerável? Vamos assistir a tudo isto em total impunidade, sem sequer uma advertência pública?

Entretanto, o resultado das presidenciais não podia ser pior para a sobrevivência do executivo. Marisa Matias conseguiu um resultado excelente, só ligeiramente superado pela votação do BE para o Parlamento Europeu em 2009. Quanto a Edgar Silva, conseguiu o oposto, o pior resultado de sempre do PCP. É completamente óbvio que existe uma competição entre estes dois partidos que, para além de ideológica e de dissidências históricas, é também uma divisão geracional, entre comunistas envelhecidos e bloquistas com grande adesão nas camadas mais novas.

Esta derrota brutal do candidato comunista, com menos de metade dos votos de Marisa, tem todas as condições para potenciar o maior número de conflitos junto da “coligação” de esquerda. 

Quanto ao novo Presidente da República, parece-me genuína a sua preocupação com o compromisso e, nesse sentido, deverá auxiliar o governo, o que deverá incluir negociar o apoio pontual do PSD, como, aliás, até já sucedeu, não sabemos se com o apoio de Cavaco Silva.

Uma coisa me parece certa: a preocupação principal de Marcelo será a sua reeleição, pelo que dar rapidamente o poder à direita será certamente a última das suas inquietações. 

A conjuntura internacional em degradação, a pressão europeia e, sobretudo, as asneiras do próprio governo deverão encarregar-se de lhe garantir uma vida breve.

O último dos erros do executivo foi o esboço de Orçamento do Estado, que tem recebido críticas de todos os quadrantes, devendo o ministro Mário Centeno enviar hoje esclarecimentos a Bruxelas. Veremos o que nos reservam as cenas dos próximos capítulos, com o governo entalado entre as pressões europeias e das agências de rating, dum lado, e dos parceiros de esquerda, do outro. 

Escreve à sexta-feira