Foi de sorriso na cara que a candidata presidencial do Bloco de Esquerda (BE) Marisa Matias subiu ao púlpito do Salão Jardim no Coliseu do Porto para celebrar o resultado histórico: um terceiro lugar (cerca de 10%) à frente de Maria de Belém e de Edgar Silva (PCP). Para a ajudar à festa- com uma plateia recheada de caras do BE como a líder Catarina Martins, José Soeiro ou João Semedo-, e “à enorme onda de esperança”, como disse a candidata no seu discurso final, o BE garantiu ainda o melhor resultado de sempre numas presidenciais: em 2006, com o ex-porta-voz Francisco Louçã o partido atingiu os 5,32%. O tal sorriso, que nunca largou Marisa durante toda a campanha, disfarçou, porém, o desânimo em não alcançar um dos objetivos principais: o de forçar Marcelo Rebelo de Sousa a uma segunda volta. “Não vou desistir nem esquecerei as pessoas com quem estive durante a campanha, nem o que elas me disseram. juntos vamos conseguir”, disse. Fica então a garantia de que Marisa, sem mais voltas, cá estará para mais umas quantas curvas na política portuguesa.
Mas para os que ficaram de queixo caído com o resultado, o ex-líder do BE Francisco Louçã já tinha dado o aviso a 48 horas do fim da campanha num comício em Braga, fazendo um apelo aos eleitores do PS. Quer dizer, aos “que não aceitam que a política esteja reduzida a uma guerra do seu partido” e também aos que “não aceitam que esta campanha seja destinada a premiar o calculismo, ou uma espécie de marcelismo cor-de-rosa”, disse.
E o apelo até se entende, Maria de Belém começou uma disputa interna com Sampaio de Nóvoa no PS, e enterrou-se com a polémica das subvenções vitalícias dos deputados, descendo drasticamente nas últimas sondagens. Marisa Maias aproveitou o momento para cavalgar votos, sentindo-se “envergonhada” pelo anúncio, colando-se à defesa da Constituição e à intransigência da violação dos “direitos dos portugueses”. Uma estratégia que se assemelha à do próprio partido nas últimas legislativas- que também deixaram o BE com 10%, com o seu melhor resultado de sempre. E que completou o tridente Catarina Martins- Mariana Mortágua-Marisa Martins. “Um multivitaminado detox político”, como escreveu o jornal brasileiro “Folha de São Paulo, é talvez a melhor definição de um Bloco de cara lavada que esteve no fio da navalha até há bem pouco tempo.
Um sabor a meia vitória
Se Marisa Matias, pelas 19h30, prometia “falar do coração” aos jornalistas, a abstenção dava dores de cabeça ao director de campanha Fabien Figueiredo. “No geral é uma abstenção elevada e muito acima do desejado, há uma parte dos portugueses que não pode votar”, disse Fabien criticando as dificuldades para muitos portugueses residentes no estrangeiro, que se deparam em problemas que “já não deveriam existir”. A culpa da taxa de abstenção a rondar os 52% (acabou nos 51,2%, menor que em 2011, 53,48%) é, para o BE, em grande parte da elevada taxa de emigração que não conseguiu votar.
Mas a noite parecia ter outro sabor, um pouco amargo, um pouco doce. “Sabe-me a democracia, o resultado desta candidatura é uma expressão desse caminho de uma enorme onda de esperança no país”, disse Marisa Matias apesar de não ter garantido o tal desejo de uma segunda volta. Se Marcelo entristeceu quem se deslocou até ao Coliseu no Porto, José Gusmão, da Mesa Nacional do BE, que ainda deixou alguma esperança à plateia, quis desmistificar, de vez, que Marisa Matias seria uma candidata de segunda: “é enganador e até perigoso definir-se no princípio dos processos eleitorais quais serão os candidatos de primeira e de segunda”, afirmou.
E essa tal competição, que atravessou todos os 10 candidatos- Tino de Rans também se intrometeu na discussão, tanto em votos, como no humor- encontrou ironia no discurso final de Marisa Matias, que piscou o olho ao resultado catastrófico de Maria de Belém, quando um jornalista decidiu perguntar o que tinha corrido mal para que estas eleições tenham acabado ontem. “Ficou claro que esta candidatura foi buscar votos a vários setores da sociedade e seguramente foi buscar votos à abstenção e à desistência. Não foi nesta candidatura que houve um problema para não haver segunda volta”. O sorriso, agora matreiro, lá saiu, e o público respondeu de forma igual.
A líder do BE Catarina Martins, já no final da noite, anunciou que o resultado “não é um acaso”, e que “as sementes desta campanha darão frutos”. E se o Bloco fez a sua parte de forçar Marcelo a uma segunda volta, “há quem na esquerda não o tenha feito”. E como se explica isso? “A determinação do Bloco mudou o mapa político em Portugal”, disse.
A direita voltou a vencer umas eleições e a esquerda voltou a sair derrotada. Mas nos pingos desta onda, o BE tomou as vitaminas e saiu reforçado.