Pela primeira vez, Kiko ia ficar sozinho em casa. Os donos iam estar fora durante 15 dias, deixando uma pessoa encarregada de ir lá a casa todos os dias, apenas para lhe dar de comer e soltá-lo durante umas horas. Bastou a primeira semana de ausência para que o animal, normalmente com um espírito hiperativo, deixasse praticamente de comer e nem nas horas que lhe abriam a porta para um passeio ele saía da casota. Os especialistas dão a este comportamento um nome: síndrome da ansiedade de separação, que acontece quando um animal, neste caso um cão, vê quebrado o contacto constante que está habituado a ter com o dono.
Os sintomas – uivar, urinar em locais inapropriados, ter comportamentos destrutivos e falta de apetite – podem, muitas vezes, registar um crescendo que transforma a síndrome numa depressão. Nesses casos, o cão pode também isolar–se, estar mais sensível ao toque e mais irritadiço.
O alerta chegou no ano passado com a divulgação de um estudo que ligava a vida agitada do dono ao sofrimento do animal. Um grupo de veterinários suíços reuniu dados suficientes para dizer que muitos cães no país começaram a sofrer de burnout canino e fadiga crónica, devido ao impacto que a vida agitada do dono tem sobre eles.
A confirmação chegou esta semana com um outro estudo, desta vez feito no Reino Unido, que se aventura na divulgação de números. Assim, e segundo a investigação, mais de um em cada quatro cães estão deprimidos devido à solidão a que ficam entregues no dia a dia. Usando como amostra 31 500 donos de animais de estimação ligados ao PDSA, um serviço veterinário gratuito, chegou-se à conclusão de que 465 desses animais nunca são levados à rua para um passeio. Se alargarmos a amostra a um nível mais global, é possível concluir que mais de 2,3 milhões de cães são deixados sozinhos por cinco horas ou mais, quando a recomendação dos profissionais dá as quatro horas como limite máximo.
Os veterinários envolvidos na pesquisa relembram a importância do contacto com outros cães e com o exterior, até porque falamos de animais naturalmente sociáveis. “Estas conclusões são preocupantes, principalmente quando vemos que as pessoas acham aceitável deixar um cão sozinho durante tanto tempo”, explica a veterinária Vicki Larkham-Jones. Além disso, a profissional, que esteve à frente da pesquisa, garante que mais de 50% dos veterinários britânicos admitem que têm notado um aumento, nos últimos dois anos, de casos de eutanásia relacionados com problemas comportamentais.
Perceber emoções
Se estes estudos eram já suficientes para que o olhar sobre o animal que temos em casa seja mais humanizado, há uma outra investigação paralela que aumenta ainda mais a ligação entre animal e dono. Recentemente, um estudo feito pela bióloga Natalia de Souza Albuquerque, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, comprovou o que antes era apenas uma suspeita: os animais conseguem, além de diferenciar, reconhecer expressões emocionais de raiva e alegria tanto em seres humanos como noutros cães.
Se, inicialmente, a capacidade de reconhecer emoções era supostamente monopolizada pelos seres humanos, prova-se agora que também os animais têm esse poder. Se os primatas conseguem fazê–lo, mas apenas entre si, os cães são capazes de reconhecer emoções entre si e noutras espécies.
De acordo com a investigadora, os resultados das experiências mostram que os cães conseguiram reconhecer de forma quase perfeita as expressões de raiva e alegria. No entanto, esta capacidade é ainda mais eficaz quando têm de reconhecer as expressões de outros cães. Natália Albuquerque conclui assim que esta é uma habilidade que deve ter sido trabalhada ao longo dos anos, permitindo a estes animais uma melhor interação com os seres humanos, identificando as pessoas que são mais ou menos amigáveis.