Marcelo Rebelo de Sousa meteu na cabeça que pode ser o país inteiro. No rescaldo de uma crise política tão polarizada, julga que unirá Portugal além partidos, ideologias, crenças ou costumes.
Diz que promulgaria contra o pagamento da taxa moderadora do aborto, mas foi signatário da iniciativa que mudou a lei da IVG meses antes. Se não fosse tão trágico, dava para rir. Caiu num idealismo que já não discerne entre o certo e o errado, entre aquilo em que acreditou e aquilo que nos diz.
Os idealistas costumam sofrer de optimismo moral, mas sempre almejam à paz mundial, à igualdade entre todos os Homens ou a qualquer outra chalaça.
Marcelo, pelo contrário, só sonha com um destino: Belém. E o seu optimismo não tem moral nenhuma. Desde que Craveiro Lopes o expulsou do camarote presidencial na Gandarinha que a obsessão o persegue, tirando-lhe o sono. O pai ficou com o General e ele assistiu à prova hípica sozinho. Tinha seis anos de idade.
Cada vez que se fala no facto de Marcelo ter sido professor de António Costa, pergunto-me se a cadeira dada não terá sido sobre populismo; é que as suas campanhas têm semelhanças atrozes no que toca à hipocrisia. Cada vez que a temática vem à baila, gosto de me recordar que outro Marcello – o original – também deu aulas a uma distinta figura da esquerda; Álvaro Cunhal.
Como dizia o poeta, o mundo anda composto de mudança, mas em Portugal e na política, só mudam mesmo as moscas.
Foi a meio do Verão que tive a certeza que Rebelo de Sousa se ia candidatar. Com 66 anos, ninguém vai de gravata e fato azul para um concerto dos HMB sem querer ser Presidente da República.
As Festas do Mar, organizadas pela Câmara Municipal de Cascais, ofereceram um belo evento, numa bela noite. Quando os televisores gigantes captaram a imagem do Professor Marcelo a dançar com a minha querida amiga, Ana Sofia, não havia margem para dúvidas; nem precisava do anúncio oficial. Era desta que tentava a Presidência.
Meses mais tarde, sem gastar dinheiro em cartazes, o Professor garantia mais de metade do eleitorado nas sondagens da primeira e da segunda volta. Para entender porquê, voltemos um bocadinho atrás.
Na década de 70, escrevia-nos: “este período é marcado pela jogada do grande capital português (e estrangeiro) de apostar numa democracia burguesa do tipo ocidental”. Consegue tamanhas homenagens a Marx – o Groucho ou o Karl, fica a critério do leitor – e ao mesmo tempo privar com figuras como Ricardo Salgado. Veja bem a agilidade do nosso camaleão político favorito! Faz lembrar o teórico comunista que ia jogar na bolsa depois de almoço.
Com isto, as pessoas já não associam Marcelo ao PSD; associam o PSD a Marcelo. A sua imagem de independência deve-se a dois factores: em primeiro lugar, o maior sucesso como comentador do que como deputado; em segundo lugar, mostrar-se sempre distante do partido ao vê-lo no Governo. Quando Cavaco Silva fez do PSD um partido de direita-não-praticante, Marcelo acusou-o de demasiado à esquerda. Quando Passos Coelho modernizou da social-democracia para o liberalismo, Marcelo acusou-o de demasiado à direita.
Diretamente, parece colocar os interesses nacionais como prioridade, servindo de contra-peso. Indiretamente, confere-lhe a autonomia que tanto jeito dá para eleições presidenciais. É uma táctica brilhante que, com 15 anos de televisão semanal para todo o país, lhe proporciona a vitória quase certa. Como se diz no futebol, um resultado limpinho, limpinho, sujinho, sujinho.
Vai-me desculpar, ‘Senhor Presidente’, mas aquela dança era minha…