Os oceanos estão a ser literalmente saqueados pelo homem. Este fenómeno acontece há décadas, sem controlo aparente, e tinha já sido denunciado em vários relatórios das Nações Unidas. No entanto, um grupo de investigadores vem agora a público dizer que o cenário pintado por fontes oficiais tem contornos ainda mais graves do que o esperado, com as estimativas de captura a serem 50% superiores ao que é relatado pela FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. Assim, e para começar já com uma imagem gráfica do que se passa no mar, são 109 os milhões de toneladas de peixe capturados anualmente, 30% mais do que é declarado.
A denúncia foi feita esta semana pela organização Sea Around Us, que surge disposta a mostrar que os números reportados anteriormente no relatório da FAO estão ultrapassados. Segundo o documento oficial da ONU, as capturas marinhas atingiram o seu pico em 1996 com 86 milhões de toneladas e, desde então, esse número tem vindo a diminuir. No entanto, a colaboração de mais de 50 instituições em todo o mundo permitiu chegar a uma conclusão bem diferente: as capturas atingiram o seu pico de 130 milhões de toneladas dez anos depois, em 1996. A partir de 2010, os dados sugerem que as capturas globais ascendem a quase 109 milhões de toneladas, enquanto segundo os dados oficiais esse número não ultrapassa os 77 milhões de toneladas.
Os investigadores da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, e membros do projeto Sea Around Us tinham já notado que, aquando da divulgação dos dados da FAO, algumas regiões careciam de dados e, por essa razão, os valores eram traduzidos em zero, o que nem sempre correspondia às capturas reais do local. Além disso, a pesca recreativa, a pesca ilegal e as capturas acessórias (os peixes que são capturados e devolvidos novamente ao mar) ficavam de fora das contas. “Como resultado, temos valores de captura subestimados”, explicam os líderes da investigação, Daniel Pauly e Dirk Zeller.
Novos dados Perante um cenário a precisar de ser atualizado, os dois investigadores esforçaram-se por reunir novos números e identificar áreas que estavam fora da análise, num processo apelidado de “reconstrução da captura” e que reúne dados entre 1950 e 2010.
A primeira conclusão é arrasadora: as capturas globais nesses 60 anos são 50% mais elevadas do que a FAO anunciava. O novo relatório expõe os cálculos que permitem concluir que os pescadores capturaram em 2010, o último ano estudado, 32 milhões de toneladas de peixe sem que tivessem sido declarados oficialmente. Para ilustrar esta medida, os investigadores fazem um paralelismo: este valor é superior ao peso de todos os cidadãos norte-americanos.
O biólogo francês Daniel Pauly, um dos dois autores do estudo publicado na revista “Nature Communications”, mostra-se preocupado com as conclusões a que chegaram. “Se continuarmos a praticar sobrepesca, teremos cada vez menos peixe no futuro. Atualmente, o défice de peixe na União Europeia é compensado pelas capturas noutros locais, como África, mas uma vez que se esgote também aí, onde é que vamos pescar?”, questiona.
Nada é o que parece O novo relatório revela ainda, como segunda grande descoberta, que as capturas têm vindo a diminuir desde 1990, tal como a FAO tinha confirmado, mas de uma forma muito mais acentuada. Se, inicialmente, os autores do estudo faziam a ligação entre este declínio e o aumento de restrições em alguns países através da criação de quotas para a pesca, rapidamente perceberam que a realidade era outra. Quando retiraram esses países dos seus cálculos, descobriram que a captura continuava a decrescer. “Ou seja, o declínio não se deve ao facto de os países pescarem menos”, explicou Pauly, “mas sim devido a países que, ao pescarem sem limite, foram passando de uma espécie para outra e de um local para outro, à medida que os recursos se iam esgotando.”
Como sugestão para a elaboração dos próximos relatórios oficiais das Nações Unidas, os investigadores apelam a que, além dos dados oficiais, passem também a ser contemplados os números relativos à pesca de pequena escala. Além disso, sugerem que a criação de quotas pesqueiras, já implementadas em alguns países, entre eles Portugal, se tornem mais globais. Pauly dá especial destaque a esta medida, lembrando que, no futuro, se junta um outro elemento que vai influenciar o número de peixes existentes nos oceanos: as alterações climáticas. “O aquecimento global vai colocar uma pressão extra sobre as espécies e vai ser difícil separar os seus efeitos daqueles provocados pela sobrepesca”, acrescentou.