Ettore Scola. Uno direttore particolare

Ettore Scola. Uno direttore particolare


Morreu um dos maiores escudeiros do cinema italiano. Ninguém vai esquecer filmes como “Um Dia Inesquecível” e “Feios, Porcos e Maus”. Tinha 84 anos 


O telefone que sai da parede. A câmara em aproximação lenta, a girar – como se de uma caça pacífica e denunciada se tratasse – em torno de um Marcello Mastroianni bem parecido, viril, patrão. Ninguém se esquece do “parlare, parlare, parlare” irritadiço com que Gabriele (jornalista interpretado por Mastroianni) berra para o telefone que teima em não sair. Estávamos em 1977 numa das obras-primas que Ettore Scola nos deu de bom grado: “Um Dia Inesquecível” – que além disto ainda envolve Sophia Loren como protagonista. Memórias que nos ocorrem no timing perfeito. Ettore Scola morreu terça-feira, aos 84 anos, no Hospital Policlínico de Roma, tendo a notícia chegado aos meios de comunicação internacionais já de madrugada. O italiano que fez 41 filmes durante quase 40 anos de carreira, tinha sido internado no hospital, na unidade de cirurgia cardíaca, isto apesar de se encontrar em coma desde domingo. A cultura italiana, o mundo, perde um visionário.

Ettore Scola nasceu em Trevico, uma cidade no sul de Itália na região de Campania, no dia 10 de maio de 1931. Em 1953 conseguiu o seu lugar na indústria, mas aqui ainda como argumentista – profissão que também desempenhou ou não conseguiria ter 88 créditos quer para cinema quer para televisão, segundo nos diz o IMDb. Uma década depois estreou-se como realizador em “Fala-me de Mulheres”, no mesmo ano, 1964, ainda teve tempo para o segundo “Por um Milhão de Dólares”. Do primeiro fica coisa tão estranha como Vittorio Gassman ter interpretrado dez personagens distintas no mesmo filme com o único objetico de seduzir mulheres.

Já aqui Scola demonstrava que não aqui estava para jogar como todos os outros. Foi uma voz política ativa na Itália pós-guerra, algo que fazia quase exclusivamente através das imagens que filmava. Algo que viria a mudar quando assumiu a pasta de ministro da cultura em 1989, ele que foi comunista a vida inteira. Assim não fosse e Matteo Renzi, primeiro-ministro italiano, não teria tido uma das mais prontas reações: “Ettore Scola, maestro da incrível capacidade de ler a Itália e de entender as suas mudanças, deixa um enorme vazio na cultura italiana”, disse através do Twitter.

Não se ache que Ettore Scola é apenas “Um Dia Inesquicível”, filme talvez mais importante da sua carreira que lhe valeu um Golden Globe Award em 1977 e uma indicação ao Oscar. Antes disso já tinha feito “Tão Amigos Que Nós Éramos”, em 1974, outro filme em jeito de bandeira que prova o quão distinto era o cinema italiano depois da Segunda Guerra Mundial. Aliás, a comédia dramática chegou mesmo a vencer o prémio máximo do nono Festival Internacional de Moscovo. Os anos 70 foram de grande proveito para Scola, tendo, em 1976, vencido o prémio de Melhor Realizador em Cannes com “Feios, Porcos e Maus”.

O seu último filme é de 2013, “Que Estranho Chamar-se Federico”, embora em todas as últimas entrevistas o italiano se tenha demonstrado profundamente desiludido com o cinema atual e a sua fórmula. Numa entrevista dada em agosto de 2011 ao “Il Tempo”, onde afirmava a sua reforma, pode ler-se: “Estive quase para filmar com o Depardiu. Estava tudo pronto mas no final das contas senti que já não era capaz. Não quero tornar-me numa daquelas velhas que usam saltos altos e batom só para se sentirem jovens. A minha experiência no mundo do cinema já não é como era: fácil e feliz. Há requisitos de produção e de distribuição com os quais não me consigo identificar. Atualmente, é o mercado que te escolhe”.