Debate Presidenciais. Tino brilhou no campeonato do ‘sound bite’

Debate Presidenciais. Tino brilhou no campeonato do ‘sound bite’


Sem Maria de Belém, cumprindo luto pela morte de Almeida Santos, o debate televisivo de duas horas com os outros nove candidatos presidenciais foi em parte dominado pela questão do pagamento de subsídios vitalícios aos deputados e pelas acusações mútuas entre vários intervenientes, trazendo para a televisão em horário nobre os casos pessoais da campanha.…


Foi Cândido Ferreira o responsável por lançar o show de Tino. O médico socialista tinha acusado Paulo Morais de não entregar a declaração de rendimentos (“é mais uma mentira”, retorquiu o candidato anti-corrupção, que exigiu um pedido de desculpas), lançara a Marcelo Rebelo de Sousa que ele escapou ao serviço militar (tendo este negado o ‘empenho’ em não ir à tropa e justificando que estava apenas adiado, para poder terminar a pós-graduação universitária). E Cândido também carregara nas dúvidas sobre a carreira universitária de Sampaio da Nóvoa, exibindo até um alegado documento (“a calúnia é a arma dos desesperados”, foi a resposta do ex-reitor que depois admitiu não possuir uma licenciatura de base em teatro). O debate tinha ficado quente e é aqui que entra o candidato Vitorino Silva.

Afirmando-se acima da polémica em torno acusações pessoais, declarou: “Não venho aqui para intrigalhadas”, “estou aqui a fazer bonequinhos no papel”, enquanto os outros se atacam. Tino tinha chegado a Lisboa no dia anterior, vindo de Bruxelas, onde fora para perceber ao vivo o fenómeno político europeu e se dera conta do tamanho da nossa emigração. Encontrara os cafés de Bruxelas cheios de portugueses, o que justificava os cafés vazios em Portugal e a abstenção eleitoral elevada. “Eles tiveram de basar”, resumiu, provocando risos na assistência. Os eleitores expatriados bem queriam votar, continuou Tino, mas o sistema não funcionava, porque ninguém sequer atendia o telefone na embaixada.

O jornalista Carlos Daniel ensaiou uma pergunta política: “Quem responsabiliza por isso?”, o candidato de Rans respondeu ao lado. “Põem um telefone, ponham uma pessoa a atender o telefone”. Mais risos e aplausos, Tino embalou, queixando-se de ser discriminado nesta campanha eleitoral em que havia duas divisões, como no futebol. A dos que “jogam num relvado” e a dos que “jogam em campo pelado”. Em terreno futebolístico, logo invocou o exemplo do jogador que este ano foi considerado o melhor do mundo. “O Messi é muito bom jogador porque não dá chutos para longe. Passem-me a bola, é isso que eu peço aqui”.

Com a bola bem segura Tino tentou um passe arriscado a Marisa Matias, sentada ao lado. Depois de fazer um elogio rasgado à eurodeputada disse: “eu a partir de hoje trato a Marisa por tu”. O campeonato dos pequenos ficava assim mais renhido, pois Cândido Ferreira, ex-dirigente do PS, tinha voltado a gabar-se de ser o único a tratar o primeiro-ministro António Costa por tu. Risos e aplausos para Tino, que, confiante, terminou a sua intervenção-sequência com uma tirada eleitoral. “Comigo Presidente da República o povo vai deixar de ser roubado e enganado”.

O ‘derby’ Marcelo-Nóvoa

No campeonato da primeira divisão, Marcelo esteve discreto e foi o menos possível a jogo. Defendeu os remates de Sampaio da Nóvoa que o ex-líder do PSD tinha estado contra a criação do Rendimento Mínimo Garantido (afinal, garante Marcelo, essa foi uma das vezes em que esteve “contra a decisão do partido”, e foi um líder “democraticamente batido”). E prometeu ser o “coadjuvante do sucesso do governo” de António Costa, “que tem legitimidade constitucional”.

Sampaio da Nóvoa até entrou ao ataque, contra Marcelo, usando a tática de maior sucesso contra o ex-comentador televisivo – confrontá-lo com a sua inconsistência e dualidade política. Mas teve de se defender das acusações sobre a tal licenciatura em teatro (de que evitara falar ao longo da semana) – “não há ninguém em Portugal que tenha sido tão escrutinado no seu percurso académico”, protestou Nóvoa, que ainda sacudiu a colagem que tentaram fazer-lhe ao PS.

Prémio de falta de comparência

Maria de Belém faltou ao debate mas acabou por estar na berlinda, indiretamente. Ela esteve entre os deputados que pediram a fiscalização da constitucionalidade do corte às subvenções vitalícias dos políticos. E poderá ser uma das beneficiadas (em comunicado, a candidata disse à tarde que vai avaliar as consequência pessoais da decisão do Tribunal Constitucional).

Mas o dano para a sua imagem deste caso ficou bem patente num post no Facebook de Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda: a assinatura de Maria de Belém tinha faltado no recurso dos deputados da esquerda para o TC contra os cortes nas pensões e salários, mas não ao recurso das subvenções dos políticos. No debate da RTP, os outros candidatos presidenciais foram categóricos no ataque às subvenções.

Henrique Neto demarcou-se da “vergonha das subvenções vitalícias” fazendo suas as palavras de Marisa Matias. Vergonha (ou “borgonha”, na pronúncia de Vitorino Silva) foi também a palavra usada pelo homem de Rans. Já Marcelo Rebelo de Sousa disse que é “dificilmente inteligível” para os portugueses que os políticos tenham protegido o princípio da confiança nas suas pensões enquanto isso não acontece com os cidadãos comuns.

Outras questões da atualidade neste debate foram a da redução do horário de trabalho da Função Pública para as 35 horas e a greve da função pública. Edgar Silva, o candidato apoiado pelo PCP, invocou a condição de candidato presidencial e eventual futuro Presidente para não se pronunciar, mas lá reconheceu que a reposição do horário de trabalho dos trabalhadores do Estado é uma “reivindicação justíssima” e que a greve marcada para dia 29 pela CGTP é “um direito legítimo”.

Edgar Silva foi poupado a perguntas sobre a Coreia do Norte, já Marisa Matias levou com o habitual pedido de comentário ao governo grego do Syriza que afinal aplica medidas de austeridade. A candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda, que dispensa as comparações com a  Grécia mas evita cair na armadilha de concordar que ‘Portugal não é a Grécia’, respondeu com a tirada poética da noite. “Eu recuso a fatalidade. Temos direito a viver a nossa alegria”.