Há sete anos que não se registavam tantas vítimas de acidentes de aviação em Portugal. No ano passado, um “ano negro” para o setor, foram 19, oito das quais resultaram em mortes. O Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA) explica que estes números se devem aos acidentes com equipamentos ultraligeiros e, sobretudo, aos pilotos “aventureiros” que, por vezes, quebram as regras.
Fevereiro, maio e setembro: foram esses os meses mais negros de um ano marcado por 29 acidentes, três dos quais fizeram duas vítimas mortais cada. Janeiro e julho foram os dois meses com uma morte.
Na verdade, só o mês de março escapou a esta contabilidade. De resto, em todos os meses do ano houve registo de mortes ou, pelo menos, de feridos decorrentes de acidentes com aparelhos ultraligeiros, equipamentos de asa fixa e com um peso máximo de descolagem abaixo dos 450 quilos.
Foi essa, em concreto, a “categoria negra” de 2015. “Todas as mortes aconteceram na categoria de aviões ultraligeiros, que se insere no campo do lazer e é, comparativamente, menos regulada” que as restantes. Por essa razão, “as pessoas facilitam mais”, explica ao i o diretor do GPIAA, Álvaro Correia Neves.
O gabinete tem apostado numa “mensagem de responsabilidade dirigida a quem opera estes aparelhos”. E, refere o responsável pela autoridade de investigação de acidentes aeronáuticos em Portugal, “95% dos pilotos são excelentes e cumprem as regras, mas depois há a franja dos outros 5%, que atuam nas margens”.
São esses os pilotos que Correia Neves apelida de “aventureiros”. E é a pensar sobretudo nesses exemplos que o diretor do GPIAA se refere ao termo “airmanship” – uma ideia que se pode traduzir na “atitude que um piloto adota perante a máquina que tem nas mãos”.
Mais regulamentação? O facto de esta ser uma atividade “menos regulada” não leva Correia Neves a defender mais regras para o setor. “Se regularmos em demasiado, podemos estrangular uma atividade que se quer livre e barata, deixamos de ter aviação ultraleve barata e passamos a ter uma aviação ultraligeira cara” com as consequências que essa mudança tem no setor.
A solução para menos mortes passará, segundo o próprio, por maior sensibilização. Os seminários e as reuniões com as associações do setor são importantes, mas os relatórios produzidos sobre cada acidente, conduzidos pelas entidades públicas, dão um contributo fundamental para a redução da sinistralidade e das mortes. “É importante cumprir as regras no âmbito do voo, mas a verdade é que só se cumpre aquilo que se conhece e, por vezes, os pilotos conhecem mal as aeronaves que têm nas mãos”, reconhece. “É preciso fazer pedagogia e perceber o que levou a cada uma das mortes, para se aprender com os erros dos outros”, resume o diretor do GPIAA.
No imediato, a solução passa por “trabalhar o fator humano” junto dos cerca de 600 pilotos inscritos para pilotar ultraligeiros em Portugal, sugere Álvaro Correia Neves, até porque “os ultraleves já são, em muitos casos, melhores que as aeronaves ligeiras”, refere. Esse trabalho passará pelo GPIAA e pela Associação Portuguesa de Aviação Ultraleve (APAU), mas apenas em parte, porque “estas instituições não têm capacidade para fazer todo o trabalho”. Terão de ser as restantes associações do setor e os próprios aeródromos a fazer a outra parte, aponta Correia Neves.
Meia década de acidentes O ano passado fica marcado pelo grande número de vítimas, mas houve outros anos com cifras negras nos registos do GPIAA – que anualmente produz um relatório-resumo da sinistralidade aeronáutica.
Em termos de mortes – e considerando o período entre 2010 e o ano passado -, 2012 foi particularmente grave. Dez pessoas perderam a vida em acidentes com aeronaves. Ao todo, nesta primeira metade da década, 34 pilotos e passageiros perderam a vida, quase tantos quantos os que ficaram feridos na sequência de acidentes (37).
No mesmo período, 2010 foi o ano com maior registo de acidentes (40). Apenas em 2014 houve uma aproximação mais notória a esse registo, com 38 acidentes. Ainda assim, estes dados poderão estar subavaliados, uma vez que alguns acidentes envolvendo aeronaves de recreio nunca chegam a ser reportados por acontecerem em terreno que é propriedade dos pilotos.
Entre mortos e feridos contam-se 71 vítimas de acidentes com os vários tipos de aeronaves desde 2010. Pelo lado mais positivo, em 2011 não se registaram quaisquer mortes e de 2012 ficou o registo de apenas dois feridos.