Tony Carreira. A homenagem de França que Portugal não aceitou

Tony Carreira. A homenagem de França que Portugal não aceitou


Decisão do embaixador português em França de não receber cerimónia de homenagem ao cantor português está a gerar polémica 


No dia 15 de janeiro, o cantor Tony Carreira partilhou, como é seu hábito, um acontecimento especial na sua carreira com os fãs: o momento em que recebeu a distinção de “Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres” ou, aportuguesando, de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras atribuída pelo Ministério da Cultura e Comunicação francês. Com a notícia vinha, porém, um desabafo. O cantor tinha pedido para que o prémio fosse entregue na embaixada de Portugal em Paris, o que foi rejeitado pelo embaixador português naquele país, José Filipe Moraes Cabral.

O apontamento que fez na sua página de Facebook foi pouco agressivo, mas as palavras duras não tardaram, vindas sobretudo dos seus fãs. Só naquele post eram quase 1500 mensagens de indignação (até à hora de fecho desta edição). “Mesquinho”, “medíocre” e “invejoso” foram apenas algumas das críticas feitas a José Filipe Moraes Cabral pelos seguidores de Tony Carreira.

Se na rede social o cantor passou uma mensagem tranquila, depois da cerimónia disse tudo o que lhe ia na alma. A entrega do prémio feita pelo apresentador de televisão Michel Drucker acabou por se realizar no jardim de inverno do Sers, um hotel de cinco estrelas no centro de Paris.

“No meu país, hão de valorizar-me quando tiver um pé para a cova. Foi em Portugal que construí verdadeiramente a minha carreira, por isso não deixa de ser irónico que seja o governo francês a ordenar-me primeiro”, disse na noite de sexta feira, logo após a cerimónia.

Críticas ao embaixador

Não foram apenas os fãs do cantor a lançar críticas à posição assumida por Moraes Cabral, também nas redes sociais, houve algumas figuras da política a dedicar alguns bites à questão.

O ex-secretário de Estado do Ambiente José Eduardo Martins (PSD) atacou diretamente Moraes Cabral, lembrando, ao mesmo tempo, o passado político do embaixador. “Quem é o saloio do nosso embaixador em Paris? Aquele senhor de lacinho que acompanhava a presidência do Dr. Sampaio? E arrumar papelinhos nas Necessidades em vez de nos gastar o tinto com os amigos?”, escreveu o antigo governante.

O ex-deputado do PSD Hermínio Loureiro também falou sobre o tema – que animou as redes sociais no fim de semana -, para pedir a intervenção dos responsáveis políticos. “Estou completamente solidário com o Tony Carreira. O senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros devia atuar. Ainda não se ouviu uma palavra.”

Decisão cabe ao embaixador

Não se ouviu uma palavra, e talvez não isso nem venha a acontecer. Ao i, fonte da secretaria de Estado das Comunidades refere que “esse assunto cabe inteiramente ao senhor embaixador”.

O i sabe que o entendimento de Moraes Cabral não é, porém, partilhado por outros diplomatas, inclusivamente por alguns dos que desempenharam funções na Embaixada de França há alguns anos. Fontes que preferiram não ser identificadas admitem mesmo que, numa situação idêntica a esta, a posição de alguns ex-embaixadores teria sido muito diferente.

Esta distinção é entregue anualmente a figuras de relevo das artes, tendo já no passado sido a atribuída a nomes como a atriz Marion Cotillard (2010), Jude Law (2007) e Shakira (2012). O cantor britânico David Bowie, falecido na semana passada, foi outro dos distinguidos com esta medalha, em 1999.

Este ano, a pasta, tutelada pela ministra Fleur Pellerin, escolheu o cantor português, que já viveu em França, como um dos merecedores do prémio, pelo “serviço prestado à cultura do país e das relações com Portugal”.

Sem impedimentos legais

A posição da secretaria de Estado das Comunidades de que estas decisões têm de ser tomadas pelo embaixador, neste caso por Moraes Cabral, foi confirmada ao i pelo advogado Diogo Bártolo: “Não há nenhuma regra jurídica que obrigue um embaixador a acolher um evento de um Estado estrangeiro”.

Numa outra perspetiva, o advogado Artur Marques lembra que, tal como não existe nada que obrigue a embaixada de Portugal em Paris a abrir as suas portas a este tipo de cerimónias, também não existe nada que a proíba.

“Não vejo qualquer impedimento legal que fundamente o facto de a entrega não se ter realizado na embaixada de Portugal em Paris”, disse, adiantando que isso seria até normal. “Esta situação – e tendo em conta que estavam em causa os interesses de um cidadão português que recebeu uma distinção do estado Francês – é completamente descabida”, conclui Artur Marques.

Com Carlos Diogo Santos e Pedro Rainho