Carlos Silva.“Não tenho medo do estereótipo de a UGTser amiga dos patrões”

Carlos Silva.“Não tenho medo do estereótipo de a UGTser amiga dos patrões”


Carlos Silva recebeu o i na sede da UGT, uma casa na avenida do aeroporto que pode em breve deixar de ser a morada da central sindical. 


Três anos depois de ocupar o lugar de João Proença na liderança, pondera candidatar-se a mais um mandato. Não é que queira, diz. Mas está disposto a enfrentar um ciclo político novo que desafia o lugar tradicional da UGT, um bloco central sindical a contas com um inédito governo de esquerda. Para já, não se queixa da sua sorte.

Diga um assunto importante para a UGT este ano, algo a que vá dedicar as suas energias?
Os compromissos do governo do Partido Socialista para com os trabalhadores. Temos a necessidade de percebermos se este governo traz ou não expectativas acrescidas perante os portugueses.

Na Lei das 35 horas tinha a expectativa que entrasse em vigor antes de julho?
Para nós a expectativa era em janeiro, Julho é um pouco tardio. Mas o mais importante é perceber o calendário do PS na reversão de medidas de austeridade.

O processo de aumento do salário mínimo pôs em causa a centralidade da concertação social para o governo?
Não, pelo contrário. O ministro do Trabalho teve a coragem de não ficar refém do apoio de esquerda no Parlamento. Como sabemos, esse apoio de esquerda põe em causa a redução da Taxa Social Única (TSU), porque entende que há um favorecimento às empresas. E neste caso, quando Vieira da Silva, em plena concertação social, afronta esta tese ideológica da CGTP e decide pôr em causa princípios acordados no Parlamento, e dizer “Não, nós entendemos que a TSU e o seu abaixamento é fundamental para a sobrevivência e viabilidade económica de milhares de empresas em Portugal”. O ministro e o governo está, na nossa óptica, a demonstrar ao país que não é refém de apoios à esquerda. Acho que isto é um ato de coragem.

Favorável à concertação social?
Favorável à concertação social, favorável à UGT. Porque a UGT é o único parceiro social sindical que até hoje assinou todos os acordos de concertação, faz da concertação o seu terreno de ação primordial. E, por outro lado, estar a assinar neste momento o salário mínimo, em que o governo vem ao encontro da proposta da UGT,  de 530, 535 euros. Outros propuseram 600, os patrões queriam 511. Bem! Isto é como naquele programa de televisão, quem fica mais perto ganha. Nós ficámos mais próximos.

Porquê?
Terá sido o favor da sorte? Não! Foi a moderação da UGT, que permitiu, também em conversas com os empresários, com representantes das confederações empresariais, demonstrar o quão importante era o salário mínimo nacional. E por outro lado a nossa disponibilidade para uma compensação encontrada no seio da concertação, para não prejudicar as micro e pequenas empresas que em dois anos têm um aumento de 10% nos encargos salariais. Mais ninguém dos trabalhadores, a não ser a UGT, teria condições de dizer ao governo socialista ‘venha de lá esse aumento do salário mínimo, venha de lá o abaixamento da TSU’ porque o que importa aqui é privilegiar a concertação social.

É positivo o Governo não depender dos partidos à esquerda?
Acho que é positivo para o país. No Orçamento Retificativo o Governo teve de contar com a abstenção do PSD. A esquerda e o CDS votaram contra. É importante, porque dá razão aos portugueses que disseram que o governo tem de estar a negociar todos os dias com os partidos à sua esquerda e também com os partidos à sua direita. Em tudo o que seja do interesse dos portugueses acho que os grandes partidos charneira da democracia em Portugal hão de estar de acordo, nem que não seja viabilizando medidas com a abstenção.

As duas tendências na UGT– socialista e social-democrata – estão de costas voltas. Tem sentido dificuldades?
Uma coisa são os partidos políticos outra são as tendências político-sindicais afetas ao PS e ao PSD e estas nunca estivaram de costas voltadas, coisa quase extraordinária. E se calhar os social-democratas até têm mais razões de se queixarem perante os últimos anos de governação. Os TSD têm feito afirmações nos órgãos internos que ultrapassam os socialistas pela esquerda. O que é que isto significa? Que temos estado unidos na necessidade de defender os trabalhadores em primeiro lugar. Em segundo lugar ficam as preocupações político-sindicais.

A UGT desgastou mais o governo Sócrates, apoiando o movimento sindical dos professores, do que desgastou Passos Coelho. Porquê?
A primeira parte pertence ao mandato de João Proença e eu aí não queria fazer comentários. Em relação a Passos Coelho, quero relembrar que há um acordo de concertação social histórico assinado no início em 2012 (também com João Proença) para atenuarmos medidas do memorando de entendimento. O facto de assinarmos esse acordo mitigou, de forma muito substancial, os sacrifícios à generalidade dos trabalhadores portugueses. Se a UGT se tivesse comportado como a CGTP o memorando tinha sido aplicado como estava. Teria sido muito mau para o país e para os trabalhadores. Para uns é ‘quanto pior melhor’, no sentido de ter as pessoas na rua, na agitação contínua. Nós na UGT privilegiamos a paz social e foi o que fizemos em 2012 com aquele acordo.

Com Sócrates não houve paz.
Fruto das circunstâncias e de um setor específico, a educação. Eu tenho uma relação de amizade com José Sócrates – construída antes de ser secretário–geral. Reconheço que houve da parte da UGT uma atitude muito pouco condescendente. Os sindicatos da UGT, liderados por companheiros sociais-democratas, tiveram uma postura igual à dos outros. Não havia TSD nem comunistas da Fenprof, estavam todos irmanados no combate às politicas de Maria de Lurdes Rodrigues. 

Recentemente, o Carlos Silva – contestado pelo ex-secretário-geral Torres Couto – desafiou a oposição interna ‘sair da toca’. Alguém se mostrou?
Ninguém se mostrou. A minha liderança recebeu um  apoio inédito dos TSD de uma forma que eu não julgava possível – por unanimidade da sua estrutura – e recebi um apoio extraordinário dos socialistas através dos seus sindicatos. O meu discurso foi um furão que não fez saltar nenhum coelho da toca. Até agora, para o congresso de Março de 2017 não vi quem se apresente como alternativa.

Vai candidatar-se
Há momentos para tudo. Tenho ainda alguns desafios para resolver. Julgo que no final do primeiro semestre haverá decisões. Eu preferia não ser candidato, mas uma coisa é a minha preferência e outra coisa é a realidade e eu não viro costas à luta. O país está a enfrentar um novo quadro político e há condições para o país começar a crescer. Não temos dúzias de secretários-gerais para escolher.

Que balanço faz destes três anos de liderança?
Eu acima de tudo estou preocupado com a UGTcomo parceiro social, de modo a que continue a ter uma voz assertiva na sociedade portuguesa. Nestes três anos, a  UGT tem tido impedância e um papel importante porque faz outros mexer – e há muita gente a gritar à nossa volta. Eu mantenho uma disponibilidade para estar com os trabalhadores no terreno, a minha proximidade é visível. E há uma ligação muito forte hoje entre a UGT e de uma forma geral os empregadores. Nós não somos uma central de empregadores, somos de trabalhadores, mas se conseguirmos um equilíbrio entre uns e outros é mais fácil desbloquear processos de negociação.

Não receia o estereótipo da central amiga dos patrões?
Nós até temos vários estereótipos. Não tenho medo nem desse nem de outros estereótipos. como o de ser muleta dos governos. Veja-se que se não for a UGT não há acordo de subida do salário mínimo nacional e de descida da TSU. Somos muletas do PS? Nós seremos sempre muletas daqueles que servirem os interesses dos trabalhadores. Esse estereotipo está cansado, portanto, é o cansaço dos incompetentes.

A seguir às eleições, disse que não acreditava na maioria de esquerda e que preferia uma aliança com o PSD. Arrepende-se?
Recordo-me da máxima de que ‘o homem é o homem e a sua circunstância’, e eu emiti uma opinião em função do que conheço da politica portuguesa e de ser secretário-geral da UGT, que tem socialistas e social-democratas no seu seio. Não me arrependo.

E mudou de opinião perante o governo?
A minha confiança é nas políticas, não na pessoa A ou B. Independentemente de quem lá estiver, a minha obrigação enquanto dirigente sindical é ver o que quero para a administração pública para o setor privado, para a negociação coletiva. Mas reconheço que o programa do PS vem ao encontro das reivindicações da UGT. Este governo, que por acaso tem um primeiro-ministro que é meu camarada – e isso vai deixa-me mais tranquilo – tem ido ao encontro das exigências da UGT. Enquanto isso acontecer, António Costa terá o meu apoio.

E este governo precisa da UGT ?
Independentemente de quem nos governo, no centro-esquerda ou no centro-direita, há um parceiro com que têm sempre necessidade de contar – a não ser que desvirtuem o que é a concertação social. Se nós abrirmos a concertação social a todos os parceiros que há para aí acabou a concertação social. Se é para defender a paz social, a estabilidade, com quem tem peso sindical em Portugal, só há duas centrais. E as centrais têm um posicionamento diferente. Todas têm o objetivo de defender os trabalhadores. A CGTP pelo caminho da oposição e do protesto. Continua a ser (de acordo com o art. 2.º dos estatutos do PCP) contra a iniciativa privada. A UGT não é! Só isto devia merecer uma certa consideração da generalidade dos comentadores e da comunicação social. Nós queremos a negociação, nós queremos o diálogo. A outra central procura a imposição. E por isso é que não houve acordo no salário mínimo com a CGTP, que tem o PCP a apoiar o governo. De quem o governo precisava? Precisava da UGT. E para favorecer o governo? Não, foi para favorecer o s trabalhadores.

Porque foi que a CGTP não teve essa disponibilidade, na sua opinião?
Porque a CGTP tem um compromisso ideológico consigo própria. É contra tudo e contra todos, sobretudo contra a iniciativa privada.

Acha a CGTP arrogante nesta fase?
Não, não me parece. Tem tido uma postura bastante elevada na concertação social. Naturalmente tentando fazer o que outras fariam, até nós. Quem nunca teve ao ser dispor um apoio no parlamento, e agora tem, tenta lá fazer vingar as suas posições. Já que não as consegue fazer vingar em concertação, vira um conjunto de questões mais polémicos para o parlamento. Só que o PS não se deixou condicionar e fez muito bem. É uma atitude corajosa de António Costa.

Isso tem efeitos políticos imediatos?
Vem mostrar sobretudo ao PSD e ao CDS e ao eleitorado de direita que o PS não está refém. Mostra que o PS defenderá o que entender oportuno e pertinente para o país. Independentemente de quem dá apoio. Na questão da redução da TSU, é ideologicamente contra a posição da CGTP, do PCP, e do BE.

E o PS afronta a CGTP e afronta os partidos à sua esquerda, porquê?
Acho que o PS apostou no que sempre defendeu, um grande equilíbrio para os trabalhadores, e sobretudo para quem produz emprego em Portugal, que são as empresas. Não há nenhum governo europeu que opte pela nacionalização completa da iniciativa privada. Tem de defender um entendimento, um equilíbrio, uma governação para todos. Quem governa tem de governar para os trabalhadores e para os empregadores, para as IPSS, etc. Isso é que é um governo equilibrado, não é um governo reacionário, nem sectário. O PS tem feito jus à sua matriz de diálogo.
É um grande elogio. Mas nas eleições internas do PS, o Carlos Silva, apoiante de Seguro, foi duro com António Costa.

Sugeriu que os trabalhadores não podiam confiar nele.
Eu acima de tudo critiquei a forma como ascendeu ao poder e mantenho a crítica. Disse isso a António Costa há uns meses.

Nota ressentimento de António Costa?
No congresso, a UGT não ficou representada na direção do PS.
O António Costa teve uma postura muito elevada quando, por decisão exclusivamente sua, concedeu cinco lugares à tendência socialista na comissão política nacional. O António Costa registou a incomodidade que havia na UGT e premiou-nos pela nossa proatividade e forma de estar. Não lhe agradeço, faço-lhe a justiça de reconhecer que me tem surpreendido pela positiva como primeiro-ministro. E algumas das expectativas que criou aos portugueses tem vindo a aplicá-las e isso é muito importante.

A oposição interna no PS diz-se que não existe. Devia haver uma lista de oposição no próximo congresso?
É uma decisão dos militantes do PS

Não está motivado para isso?
Não! Quando os governos governam bem, sobretudo sendo nós militantes e dirigentes de um partido, Eu não faço oposição só por fazer. Apoiaria uma lista de oposição se o governo não estivesse a corresponder às minhas expectativas. O secretário-geral, que por acaso é primeiro-ministro, está a corresponder na íntegra às expectativas que criou ao país. E o país tem muito a ganhar ou a perder com a governação do PS. O PS deve estar unido à volta do secretário-geral que é primeiro-ministro, ajudando-o a aplicar as políticas que revertam 4 anos de austeridade dramática que prejudicou os trabalhadores.

Carlos Silva é amigo de Sócrates, foi visitá-lo em prisão domiciliária e esteve sentado à mesa dele no almoço de apoio ao ex-secretário do PS. Não recebe críticas na UGT?
Eu sou muito acusado de pensar pela minha cabeça e por isso tenho inimigos de estimação. Na UGT nunca houve um companheiro social-democrata que alguma vez me tivesse chamado a atenção por estar com este ou aquele à mesa. Eu estou com quem quiser e mesmo que cometessem alguma ilegalidade, se eu entendesse que devia defendê-los – como farei com o dr. Ricardo Salgado – é uma decisão minha e ninguém tem nada a ver com isso. Sócrates foi muito castigado na praça pública e ainda é preciso provar que cometeu ilegalidades. Eu tenho respeito por José Sócrates. Ele sentou-me à sua mesa, não fui eu que pedi, mas também lá estavam Mário Soares, Almeida Santos, Vitalino Canas, Mário Lino, Oliveira e Costa. Estava muita gente do PS no almoço. Quando a justiça o condenar continuarei amigo de José Sócrates e serei testemunha dele. É nos momentos difíceis que devemos estar com as pessoas, na prisão e no hospital. Esta postura humanista, de solidariedade,  não é a politicamente correta? Paciência. Estou na direção da UGT enquanto me quiserem assim.

Já visitou Ricardo Salgado?
Visitei, sim.

É testemunha de Ricardo Salgado. Não tem nenhum conflito interior por Ricardo Salgado ter estado ligado ao fim de uma empresa como o BES, com consequências para os trabalhadores?
Sou testemunha dele, abonatória. Não tem a ver com o processo, tem a ver com o seu caráter durante o tempo em que convivi com ele enquanto membro da comissão de trabalhadores e do sindicato do sul e ilhas. E ponto final. Mas até agora não recebi sobretudo dos meus colegas do BES, Novo Banco atual, e são mais de 6 mil, nenhuma chamada de atenção. E sabe porquê? Porque há um sentimento de perda dos trabalhadores do Espírito Santo. Todos os meses janto com colegas meus do ES, e há um sentimento de incredulidade, como foi possível 150 anos terem-se esfumado. Independentemente do que aconteceu ao secretário-geral da UGT interessa defender uma cultura de empresa que aprendeu a respeitar e acima de tudo defender 7500 trabalhadores. Respeito os investidores e depositantes, mas é com os 7500 trabalhadores do grupo que me identifico. E eu estou na mesma situação.

O Carlos Silva é agora funcionário do Novo Banco?
Sim e recebo o salário (de secretário-geral da UGT) pelo Novo Banco.

Não responsabiliza Ricardo Salgado pelo que aconteceu?
Não quero entrar nessa polémica porque há coisas que não sabemos. Acho que não há apenas um responsável nestas coisas. Na UGT não há decisões do secretário-geral que não sejam do conhecimento da direção da UGT. O dr. Ricardo Salgado era dono disto tudo e os outros membros da administração faziam de verbos de encher? Não acredito.
 

O Novo Banco deve ficar nas mãos do Estado?
O Governo tem de fazer muito bem essa avaliação. A preocupação dos sindicatos da UGT – que são sindicatos com grande peso na banca em Portugal – é que qualquer solução deve defender os depositantes e defender os trabalhadores. A minha disponibilidade perante Stock da Cunha, reafirmada em conversas privadas com ele, é defender o quadro de solvabilidade financeira do banco, mas percebendo que há outras entidades externas ao Novo Banco que determinam o caminho a seguir. Alguém tem de transmitir quais são as regras do jogo. Temos de perceber quem decide e como vai decidir e cá estaremos para dar a nossa opinião.

Apoia Sampaio da Nóvoa e não a sua camarada Maria de Belém. Porquê?
Maria de Belém é minha amiga, mas Sampaio da Nóvoa chegou primeiro. Estava longe de saber que ela ia concorrer. No desfile do 25 de Abril de 2015 na Avenida da Liberdade, eu fui cumprimentá-lo e dei-lhe um abraço. E disse-lhe: “Gosto muito da sua postura, da sua forma de estar, conte comigo para o apoiar”. Continuo com Sampaio da Nóvoa e acho que dará um bom Presidente da República, como Maria de Belém também dará. Sampaio da Nóvoa pode ter maior abertura à sociedade por não ser militante de um partido e tem feito uma campanha mais convincente e mais ao encontro do que dever ser um Presidente da República, presidente de todos os portugueses.

Marcelo é uma ameaça à governação do PS?
Não é uma ameaça. E devo dizer que tenho uma muito boa relação com Marcelo Rebelo de Sousa, que foi meu professor. Ele foi líder do PSD, o ter sido comentador não me oferece comentários, ele não pensaria ser Presidente da República quando começou a ser comentador, ganhou com isso. Marcelo nas suas intervenções não desfavorece a governabilidade do PS. Marcelo, Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém poderão ser presidentes da República com uma posição institucional de favorecimento da estabilidade governativa.