Alan Rickman, o vilão que todos adoravam

Alan Rickman, o vilão que todos adoravam


Nunca foi tão fácil perdoar um crápula, pelo talento, o carisma e a inconfundível voz de um dos maiores atores britânicos.


Vilão demais, de um reservado encanto que fazia dele, em palco, um grande sedutor, com um sombrio vigor na voz que por si só o distinguia, o ator britânico Alan Rickman, que para sempre terá a sua figura ligada ao professor Snape, da saga Harry Potter, morreu ontem em Londres, aos 69 anos. Sofria de um cancro, e porque foi na mesma semana, com a mesma idade e da mesma doença, várias personalidades se despediram e lhe renderam homenagem nas redes sociais, acentuando o paralelo com o desaparecimento de David Bowie. O ano arranca assim de forma dolorosa para a Grande Ilha, que perde dois dos seus mais fulgurantes talentos.

Tendo chegado tarde à profissão que faria dele uma celebridade em todo o mundo, só aos 28 anos Rickman se dedicou inteiramente à carreira de ator. As quatro décadas que se seguiram vê-lo-iam impor a sua presença numa série de papéis no teatro, integrando a Royal Shakespeare Company depois de se ter formado pela Academia Real de Artes Dramáticas. O jornal “The New York Times” acentuava a “dignidade erudita” que trouxe a papéis como o de Hans Gruber, o memorável líder dos terroristas que, em “Assalto ao Arranha-Céus”, cria no final da década de 1980 a confusão ideal para o anti-herói Bruce Willis passar pelo inferno antes de salvar o dia, naquele que viria a ser o modelo de um excitante e divertido filme de porrada na década seguinte.

Esse papel assinalou a sua chegada triunfante a Hollywood, tendo-lhe sido oferecido apenas dois dias depois de ter chegado a Los Angeles, aos 41 anos. Seria o primeiro de três vilões que o arrumavam na categoria dos tipos com quem é preciso ter muito cuidado. Os outros dois papéis são o xerife de Nottingham em “Robin Hood, Príncipe dos Ladrões” (1991), ao lado de Kevin Costner e Morgan Freeman, e Rasputine no filme do mesmo nome, numa produção de 1996 da HBO. O momento em que o público britânico soube que tinha outra estrela nos seus palcos ocorrera, no entanto, uma década antes, na produção original de “Ligações Perigosas”, em que interpretava o visconde Valmont. Recebeu uma nomeação para o Tony quando, em 1987, a peça foi levada para a Broadway, mas foi John Malkovich quem ficou com o papel na versão cinematográfica. Ao falar da performance do seu colega, a atriz Lindsay Duncan disse que o pública saía da sala de teatro com vontade de fazer sexo, “e preferencialmente com Alan Rickman”.

Apesar do sucesso no grande ecrã, o ator nunca abandonou os palcos, regressando pontualmente para deixar claro que o talento estava todo lá, enquanto no cinema construiu um percurso que deixa claro a sua enorme versatilidade.

J. K. Rowling, a autora que criou o universo de Harry Potter, ficou radiante com a escolha de Rickman para interpretar Severus Snape, o enigmático e tormentoso professor de poções de Hogwarts que, antes de se revelar um poderoso aliado, passa boa parte dos filmes como um dos principais opositores de Harry. Rowling confessou que sempre tinha pensado nele para aquele papel. Ao longo dos oito filmes da saga, o arco da personagem de Rickman é dos mais densos, tendo o ator dito que veio a revelar-se um dos perfis mais complexos que interpretou, algo que não imaginava quando embarcou naquela megaprodução.

Rickman aventurou-se também na realização com duas produções de baixo orçamento, primeiro em “O Convidado” (1997), com Emma Thompson, e há dois anos em “Nos Jardins do Rei”, com Kate Winslet. Era sua convicção que a arte tinha tanto o dever de educar como de entreter. Disse certa vez que “o talento é um acidente genético e uma responsabilidade”. Paralelamente à sétima arte e ao teatro, destacou-se como ativista político, apoiando causas e instituições de caridade. Ele e a mulher, Rima Horton, conheceram-se quando eram ainda adolescentes. Ela tornou-se professora de Economia e foi autarca do Partido Trabalhista. Os dois só se casaram em 2012, mas namoravam desde 1965 e viviam juntos desde 1969.

O elenco e a equipa dos filmes “Harry Potter” estiveram entre os primeiros a reagir à notícia, publicando mensagens com comovidas homenagens ao ator. Daniel Radcliffe escreveu que Rickman foi “um dos maiores atores com quem alguma vez irei trabalhar”, bem como “uma das pessoas mais leais e mais encorajadoras que conheci na indústria cinematográfica”. J. K. Rowling disse ter ficado “devastada” com a notícia e sublinhou a perda de “um magnífico ator e de um homem maravilhoso”. Já Michael Gambon, o ator que sucedeu a Richard Harris no papel de Dumbledore, disse: “Toda a gente adorava o Alan. Ele era uma pessoa alegre e divertida, criativa e muito, muito cómica”.

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