Aplicar as 35 horas semanais apenas à função pública ou a todos é a grande questão que vai dividir a esquerda. No PS não se acredita que o tema seja suficiente para fazer partir o acordo com o PCP e com o BE, mas os socialistas preparam–se para uma negociação difícil. Uma coisa é certa: o novo regime não entrará em vigor antes do verão.
O prazo de entrada em vigor definido na proposta do PS apontava para o dia 1 de julho. “É preciso dar tempo aos serviços para se organizarem”, sustenta a deputada socialista Luísa Salgueiro, evitando justificar o prazo com alguma poupança orçamental que será sempre conseguida quanto mais tarde entrar em vigor o novo horário de trabalho para a função pública – isto porque sem uma reorganização dos serviços, há o risco de ter de se pagar horas extraordinárias aos trabalhadores para compensar a mudança do regime e manter os mesmos serviços e horários de funcionamento.
A verdade é que nem será preciso introduzir uma data no texto que acabar por ser aprovado para resolver esse problema: os prazos do processo obrigarão sempre a que a lei só esteja em vigor, na melhor das hipóteses, em pleno verão.
Depois da discussão desta quarta-feira no parlamento, as propostas de PS, BE, PCP e PEV vão ser votadas esta sexta-feira na generalidade. Como os projetos de socialistas e bloquistas não foram a discussão pública, não poderão ser submetidos já a votação. Resta saber se o PS opta por baixar todos os documentos à especialidade sem os votar ou se a esquerda se une para aprovar os do PCP e do PEV, que já foram objeto de discussão pública. Em qualquer circunstância, o PS não terá problemas em aprovar os textos de comunistas e verdes, porque eles terão sempre de ser discutidos e alterados na especialidade.
O processo na comissão parlamentar do Trabalho pode, contudo, arrastar-se não apenas pela complexidade da negociação entre as esquerdas, mas porque, quando o Orçamento do Estado para 2016 der entrada na Assembleia – o que deve acontecer entre o final deste mês e o início de fevereiro -, todos os trabalhos nas comissões ficarão suspensos.
Nessa altura, em cima da mesa estará apenas o Orçamento e a sua também complicada negociação. A aprovação do OE para 2016 pode mesmo arrastar-se até março ou abril. Depois disso e de finalmente aprovado o diploma das 35 horas, é preciso que haja a promulgação do Presidente da República. E depois disso, o governo ainda terá 90 dias para regulamentar a lei.
Tudo somado, as 35 horas poderão só ser uma realidade depois do verão, como os socialistas pretendiam. Desta forma, os serviços terão tempo para reorganizar os turnos de trabalho, por forma a não ser preciso pagar horas extraordinárias para se manterem funcionais ao mesmo tempo que reduzem a carga horária dos trabalhadores.
Como os funcionários continuam a auferir o mesmo vencimento, se se conseguir ter os serviços a funcionar sem horas extraordinárias, não haverá custos para o Orçamento do Estado, a não ser nos casos em que seja necessário contratar mais pessoas para assegurar as mesmas funções.
Público ou privado?
Na Comissão, os deputados vão ter de ouvir os vários parceiros sociais e a negociação não será fácil – isto porque a maior divergência entre o PS e os partidos mais à esquerda é a de saber a quem se aplica este regime de 35 horas de trabalho por semana. Os socialistas foram claros no texto que redigiram, defendendo que a lei só deve aplicar-se a “trabalhadores em funções públicas”, o que quer dizer que não se aplica, por exemplo, a trabalhadores da administração pública que tenham contratos individuais de trabalho e que são hoje cada vez mais.
A fórmula permite uma grande poupança, já que serão muito menos os abrangidos por este novo horário, mas evita também a contestação do setor privado, que muito dificilmente aceitaria esta redução da carga horária laboral.
O texto que vai mais longe no sentido oposto é o do PEV, que deixa explícito – de maneira mais clara que o do PCP – que as 35 horas devem ser para todos os trabalhadores, quer sejam do setor público ou do setor privado. De resto, no debate de ontem, a deputada do BE Joana Mortágua argumentou também que essa seria a melhor solução e a mais justa, e a que os bloquistas defendem “há muito tempo”, alertando para o perigo de haver trabalhadores nas mesmas instituições e com as mesmas funções com horários de trabalho diferentes, dependendo do vínculo que têm. “Quando recuperarmos as 35 horas, é necessário garantir que com a diferença de vínculos não nasça a desigualdade de trabalho”, recordou Joana Mortágua.
Para já, o BE não será, porém, um problema, já que a proposta que apresenta não se dirige ao setor privado e que, como Joana Mortágua admitiu ontem, o partido está “disponível” para discutir com o PS em sede de especialidade.
É, contudo, muito pouco provável que o PS ceda nesse ponto. “Nas questões globais não temos divergências, o diabo está no rendilhado das medidas”, aponta uma fonte do PS, que não vê razões para serem postos em causa os acordos à esquerda que sustentam o governo no parlamento mas antevê uma negociação dura. “É preciso não esquecer que o que está no nosso programa de governo é que esta medida seja feita com o mínimo impacto orçamental”, frisa a mesma fonte socialista.
Direita ao ataque
A questão do impacto orçamental é, aliás, o ponto mais forte das críticas da direita a este projeto. “Isto vai ter custos. É o costume, estão a dar tudo a toda a gente, a gastar, para depois nós irmos resolver o problema”, critica um ex-ministro do governo de Passos Coelho.
No debate de ontem, o PSD sublinhou, de resto, que as 40 horas de trabalho semanais não são um exclusivo português e deu como exemplos os casos da Alemanha e de Espanha, justificando a medida tomada pelo executivo de Passos com “a situação de bancarrota em que o PS deixou o país”, como frisou o deputado social–democrata Álvaro Batista.
Já o CDS, pela voz de Filipe Lobo d’Ávila, sublinhou os efeitos negativos que a medida terá na imagem do país no estrangeiro e apontou para a “injustiça” que vai operar em relação ao setor privado. “São os trabalhadores do setor privado os responsáveis por puxar o país?”, perguntou Lobo d’Ávila.
Mais 1200 enfermeiros
Uma das áreas onde se vai sentir de forma mais forte o impacto desta medida é na saúde. Para pôr em prática as 35 horas semanais de trabalho nos hospitais serão necessários mais 1200 enfermeiros. O i sabe que os custos dessa contratação estão a ser acautelados com um reforço orçamental para o Ministério da Saúde. “Na prática, todo o reforço que vai ser previsto no Orçamento do Estado de 2016 para a saúde será para acomodar esta despesa”, diz ao i uma fonte socialista.