Estado. Governo sem dinheiro para repor 35 horas na função pública

Estado. Governo sem dinheiro para repor 35 horas na função pública


Medida custa 153 milhões de euros por ano. António Costa enfrenta a primeira vaga de contestação de sindicatos. Estrutura da UGT considera decisão inaceitável. A da CGTP vai para greve a 29 de janeiro


O adiamento da reposição das 35 horas de trabalho semanais na função pública está a provocar a primeira vaga de contestação dos sindicatos ao governo, mas António Costa depara-se com um dilema para concretizar a medida mais cedo: a falta de dinheiro.

De acordo com o Orçamento do Estado para 2014, ano em foi aprovada a subida dos horários no Estado de 35 para 40 horas, a medida gerava uma poupança de 153 milhões de euros aos cofres públicos, por via da redução de efetivos por aposentação e pela menor utilização de trabalho suplementar.

Agora, o Ministério das Finanças está com dificuldades em encontrar espaço orçamental para reverter a medida e aumentar esta despesa no Orçamento do Estado para 2016, segundo explicaram ao i fontes ligadas à negociação do Orçamento. Terá sido esse o principal motivo para o calendário proposto pelo PS para regressar às 35 horas de trabalho na função pública.

Adiamento

O projeto de lei do PS que deu entrada na Assembleia da República prevê que o diploma das 35 horas só entre em vigor a 1 de julho deste ano. E como dá mais 90 dias para que o governo regulamente o modo de funcionamento da nova legislação – por exemplo, os horários a praticar nos organismos com atendimento ao público -, os sindicatos temem que o regresso às 35 horas só se concretize de facto a partir de outubro.

A contestação é evidente. “É inaceitável. Criou-se a expectativa de que as 35 horas regressariam no início do ano e não faz sentido adiar. Não se podem sacrificar 500 mil trabalhadores por razões que não estão clarificadas. As 35 horas são das questões que os trabalhadores mais priorizam, sinalizam a confiança no governo”, diz ao i José Abraão, dirigente da Federação de Sindicatos da Administração Pública, afeto à UGT.

Ana Avoila, da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, quer a reposição “imediata” das 35 horas: “O dinheiro não pode ser argumento. A função pública está sem aumentos há anos, há um enorme desgaste em termos profissionais.”

 Esta estrutura sindical, afeta à CGTP, promete até avançar para uma greve no dia 29 de janeiro, caso seja a proposta do PS a avançar. “Os trabalhadores não aceitam. Se forem chumbados os projetos do PCP e dos Verdes, os trabalhadores vão para a greve.”

Além da proposta do PS, estão em discussão na Assembleia da República projetos de outros partidos que vão ser debatidos amanhã. O PCP e os Verdes foram os primeiros a dar entrada no parlamento e preveem o regresso imediato das 35 horas. O diploma dos comunistas indica até que o partido apresentará “em momento posterior uma proposta no sentido de reduzir progressivamente o período de trabalho dos trabalhadores do setor privado para 35 horas semanais, sem perda de remuneração nem de outros direitos”.

O PS só apresentou na última sexta-feira o seu próprio projeto. No Programa de Governo, António Costa comprometia-se com o regresso das 35 horas semanais de período normal de trabalho para os trabalhadores em funções públicas, mas “sem implicar aumento dos custos globais com pessoal”.

Sem acordos coletivos

Ao impor 1 de julho como data de entrada em vigor desta proposta, o PS está na prática a adiar para o final do ano a concretização da medida em muitos organismos.

Isto porque será necessário determinar como será feita a transição nos diferentes serviços do Estado. Os 90 dias de regulamentação referidos no diploma do PS servem precisamente para determinar “os procedimentos necessários” aos novos horários, segundo se lê no projeto do PS.

O diploma já prevê os novos horários, mas apenas de uma forma geral. Os serviços que encerram ao sábado vão trabalhar das 9h às 12h30 e das 14h às 17h30. Para os que funcionam ao sábado, de segunda a sexta-feira trabalha-se entre as 9h30 e as 17h30, e aos sábados até às 12h. Contudo, está por definir caso a caso como vão os serviços levar a cabo esta norma.

Mesmo que haja organismos do Estado com acordos coletivos a definir as 35 horas como horário de trabalho, o diploma do PS contém uma cláusula que suspende essas convenções até que a lei geral esteja em vigor: “O disposto na presente lei tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.”

Segundo explicou ao i José Abraão, organismos como o Instituto da Segurança Social ou a Direção-Geral da Administração e Emprego Público têm acordos coletivos de empregador público (ACEP) com horários de 35 horas.

“Se houvesse uma revogação simples das 40 horas, ficariam em vigor os ACEP com 35 horas. Mas a cláusula que se sobrepõe aos acordos coletivos impede que isso aconteça. Há um desrespeito pela negociação coletiva”, acusa.