O dia um de Belém. Republicano, soarista, solidário e segurista

O dia um de Belém. Republicano, soarista, solidário e segurista


Num lar de idosos de uma fundação republicana, em antigo bastião do segurismo. Maria de Belém arrancou a campanha dizendo ao que vinha e lançando farpas. João Soares, o único ministro a apoiá-la, foi uma das estrelas de um domingo que ainda teve a alegria clubista de Vítor Melícias.


Na primeira ação do primeiro dia de campanha, Maria de Belém trouxe consigo o único ministro de António Costa que a apoia publicamente. João Soares valeu bem mais do que o apoio de um só notável socialista. Falando ao lado da candidata na Fundação Miguel Relvas, em Alpiarça, o agora ministro da Cultura disse que se a sua “mãe estivesse viva, votaria e apoiaria Maria de Belém”. E acrescentou que Maria Barroso, que foi fundadora do PS e faleceu em Julho último, “tinha uma profunda estima e consideração pela Maria de Belém”.

João Soares explicou ao i (ver entrevista ao lado) que falou da mãe num “momento de emoção” e que não a quer “transformar em argumento de campanha”. Mas num dia cheio de simbologia – republicana, soarista, solidária e segurista –, a declaração desequilibrou, em desfavor de Sampaio da Nóvoa, o alinhamento presidencial do clã barrosista/soarista fundador do PS. Mário Soares, é sabido, é um apoiante de primeira hora do ex-reitor.

A visita ao lar de idosos da Fundação José Relvas – o político que proclamou a República da varanda da Câmara de Lisboa – proporcionou um outro momento de clarificação política: a de que o segurismo está em força com a candidata, a presidente do PS no tempo do anterior secretário–geral. Miguel Laranjeiro (o homem-forte do aparelho partidário de Seguro), António Gameiro (presidente da distrital de Santarém, um dos últimos redutos seguristas no embate com António Costa) e Sónia Sanfona (ex-
-deputada) foram figuras do segurismo presentes.

A azáfama constante de Miguel Laranjeiro mostrou em ação aquele que é um dos operacionais da campanha de Belém. De resto, Laranjeiro, Sanfona e Jamila Madeira – que apareceu no minicomício à tarde em Almeirim – integraram o núcleo político (o secretariado) da direção de Seguro.

Mulher e “com gosto” Apoios políticos à parte, o dia serviu para mostrar Maria de Belém como ativista da solidariedade social (além do lar, visitou a Misericórdia em Setúbal) e para apontar as suas prioridades como Presidente da República. “Nunca tivemos uma mulher Presidente e eu sou mulher, como é bem visível e com gosto”, disse perante cerca de cem apoiantes, no Cineteatro de Almeirim. Em Belém, Maria de Belém defenderá as mulheres contra as desigualdades laborais, elas que são o elo mais fraco em épocas de crise. Terá outra prioridade no combate à pobreza infantil e lutará “pelo aumento do prestígio do país” na União Europeia e no resto do mundo. Até porque esse valor acrescentado de Portugal terá um efeito económico e social: o regresso dos expatriados.

No comício coube a Eduardo Marçal Grilo (a segunda “estrela” política do dia) fazer o elogio “presidenciável” da sua ex-colega do governo de António Guterres. O antigo ministro da Educação e agora mandatário nacional de Belém garantiu que “a Maria” vai “colocar num patamar de exigência” superior a campanha. “Queremos alguém que una os portugueses”, não “alguém que una a esquerda”, disse também.

Críticas a Marcelo e Nóvoa Marçal Grilo, que apoiou Mário Soares em 1986, prevê que a candidata vai, 30 anos depois, desfazer o favoritismo antecipado do candidato da direita. Maria tem “o currículo, o perfil e a mensagem” e “faz o que sempre fez”, o que não acontece com outros (Marcelo). Tem também uma vida de “causas” quando outros têm “vazios” (Nóvoa). Mais explícito, mas nunca nomeando os visados: “Não precisamos de uma revolucionária  [Marisa Matias], nem de uma pessoa que trocou uma religião por outra [Edgar Silva, padre antes de aderir ao PCP], nem de uma vedeta de televisão [Marcelo, claro].”

Maria de Belém tinha dito há cinco dias que não criticaria os adversários durante a campanha, mas o dia revelou-se pleno de farpas’. Pedro Ribeiro, presidente da Câmara de Almeirim, orador no comício, criticou a “intriga e maledicência” de Marcelo, um “candidato que nos faz lembrar muito do que está para trás” – tão atrás, talvez, como as “Conversas em Família” de Marcelo Caetano.

Já António Gameiro disse que “reitores e professores universitários” “calavam a desigualdade” nos anos em que Maria de Belém se batia pelos mais desfavorecidos.

A própria Maria de Belém, no seu discurso, referiu-se “ao discurso encantatório” de um candidato que “nunca demonstrou na prática” e demarcou-se de quem “num dia diz uma coisa e no outro diz outra”. A chave das referências é óbvia.

Depois do arranque no distrito de Santarém, a campanha rumou a sul. Na passagem por Setúbal entrou em ação a terceira “estrela” do dia inaugural: o padre Vítor Melícias, uma figura que associa a candidata à “doutrina social da Igreja” e ao guterrismo (Melícias é amigo e conselheiro espiritual de Guterres). E, não de somenos, garante o apoio de um igualmente grande amigo de Marcelo. Na ação de campanha, Melícias deu um toque de alegria – não só pelo otimismo político (revelando confiança numa segunda volta das presidenciais) como pelo seu sportinguismo. “Ganhámos, ganhámos”, exultava perante a reviravolta que o Sporting conseguira nessa tarde, nos descontos do jogo do campeonato com o Braga (clube do coração de Marcelo). Foi um último momento a vários títulos simbólico do primeiro dia.

manuel.a.magalhaes@ionline.pt