O ex-ministro da Saúde do Brasil que aceitou receber José Sócrates em 2013 para falarem sobre a relação entre a farmacêutica Octapharma e o ministério foi apanhado nas malhas da Operação Lava Jato. O nome de Alexandre Padilha surgiu durante a audição do arguido Carlos Souza Rocha – funcionário do cambista ilegal e peça central deste processo Alberto Youssef.
Segundo documentação do Ministério Público Federal a que o i teve acesso, Souza Rocha assegurou à equipa de procuradores que investiga o maior escândalo de corrupção da história do Brasil que o ex-governante do executivo de Dilma Rousseff tinha tudo acertado para, em 2014, ficar com parte do laboratório Labogen. Esta empresa tinha dois objetivos: conseguir contratos do Ministério da Saúde e branquear capitais através de importações simuladas.
O esquema de lavagem de dinheiro era aparentemente fácil. Simulando importações de produtos, o cambista ilegal Youssef conseguia que fosse retirado dinheiro do Brasil de forma aparentemente legal.
Segundo o denunciante, para que o laboratório passasse a ser rentável era também precisa a colaboração do governo, neste caso de Padilha e de André Vargas, vice-líder do Partido dos Trabalhadores.
“Alberto Youssef procurou viabilizar uma empresa de medicamentos de Leonardo Meirelles, a Labogen, a fim de receber uma dívida e ainda obter lucro, [tendo afirmado ao declarante] que iria fazer de um limão limonada”, refere um dos documentos do Ministério Público brasileiro em que se transcreve a denúncia feita por Souza Rocha.
O antigo funcionário de Youssef – que tinha como função fazer entregas de dinheiro – garantiu ainda ter assistido a uma conversa entre o cambista ilegal e André Vargas em que se acertaram os detalhes do fornecimento de medicamentos ao Ministério da Saúde, então tutelado por Alexandre Padilha.
Laboratório seria de Padilha
Depois de reestruturar a Labogen usufruindo de contratos fraudulentos com o Ministério da Saúde, o objetivo seria, segundo foi referido ao procurador Rodrigo Telles de Souza pelo mesmo arguido, que a empresa fosse dividida em quatro partes.
“Que uma delas era de Leonardo Meirelles (dono inicial);_que a segunda era de Alberto Youssef (o cambista ilegal); que a terceira parte era do então ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e de André Vargas; que a quarta parte era de um fundo de investimentos.”
Nas últimas horas, o ex-governante reagiu a estas suspeitas levantadas por Souza Rocha: “É absurda e irresponsável qualquer tentativa de mais uma vez vincular meu nome ao referido laboratório por meio de ‘conversas ouvidas de terceiros’ em uma delação.” Padilha diz ainda que na sua tutela “nunca foi firmado contrato com o referido laboratório”.
Uma tese contrariada por Souza Rocha, que disse recordar–se de ter sido feito um contrato entre o Ministério da Saúde e o referido laboratório no “valor de 64 milhões de reais ou 164 milhões de reais”.
Ligação Lava Jato a Portugal
Esta nova frente da investigação brasileira pode assim reforçar as ligações entre o caso Lava Jato e os inquéritos que correm em Portugal, nomeadamente a Operação_Marquês, isto porque o Departamento Central de Investigação e Ação_Penal considera que Sócrates terá movido as suas influências para que algumas empresas entrassem em países como o Brasil e a Venezuela. Essa seria, aliás, a sua função enquanto consultor da Octapharma para a América Latina.
Na reunião que conseguiu com Padilha, a 5 de Fevereiro de 2013, esteve também presente Lalanda de Castro, responsável pela Octapharma e arguido na Operação Marquês. No encontro esteve ainda Guilherme Dray, ex-chefe de gabinete de Sócrates, então a trabalhar para a Ongoing Brasil.
Tudo o que está a ser descoberto do outro lado do oceano parece ter um espelho em Portugal. E com personagens que se cruzam. Os investigadores da Operação Marquês, por exemplo, também suspeitam que Sócrates e uma empresa de Lalanda e Castro terão usado esquemas de branqueamento de capitais para trazer dinheiro para a esfera do ex-primeiro-ministro.
Além disso, acreditam que a Octapharma possa ter sido beneficiada pelo Estado português nos contratos que foram feitos. A presença de Guilherme Dray na reunião ainda não foi totalmente esclarecida, mas o i sabe que este facto não passou ao lado dos investigadores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal.
A outra ponta do triângulo
Guilherme Dray garantiu à imprensa ter acompanhado Sócrates “a pedido deste e apenas como amigo”. Mas as ligações da empresa portuguesa Ongoing a José Dirceu – antigo homem forte de Lula – e ao Partido dos Trabalhadores são já conhecidas, sobretudo desde o momento em que a mulher do ex-ministro brasileiro começou a trabalhar na Ejesa, que é detida em 30% pela Ongoing.
As pontes são muitas e atrás de uma pista surge outra. A vida e os negócios de Dirceu, investigado na Operação Lava Jato, cruzam-se constantemente com Portugal. Segundo uma biografia não autorizada publicada há mais de dois anos, o homem forte de Lula oferecia a sua influência a várias entidades portuguesas, pedindo em troca doações para si e para o seu partido. Foi assim com a Ongoing e com a Portugal Telecom.
O jornalista que escreveu a biografia refere ainda que Ricardo Espírito Santo, então representante do Banco Espírito Santo no país, chegou mesmo a ir ao Planalto para discutir a “possibilidade de a Portugal Telecom, empresa associada ao banco, doar oito milhões de euros ao Partido dos Trabalhadores”.
Todas estas ligações são importantes para o MP_português, não só para as investigações em torno da Operação Marquês mas para os inquéritos que foram abertos para investigar a Portugal Telecom, alguns deles incidindo sobre os negócios relacionados com a venda da telefónica portuguesa à brasileira Oi.
Relações que se adensaram ainda mais quando Octávio Azevedo, o presidente da empresa Andrade Gutierrez – que foi responsável por desenhar a fusão da Oi com a PT –, foi preso no âmbito do processo Lava Jato. Azevedo abandonou em 2014 a administração da Portugal Telecom, após ter afirmado que desconhecia o investimento de cerca de 900 milhões de euros da PT no Grupo Espírito Santo.