Quase metade (48%) dos funcionários públicos considera que o seu salário “não é suficiente para viver com dignidade” e cerca de 40% “não se sente seguro relativamente à manutenção do posto de trabalho”. Estas são duas das principais conclusões do primeiro estudo realizado sobre os “Factores de motivação dos trabalhadores da Administração Pública Central em Portugal”.
O estudo, coordenado por César Madureira e Miguel Rodrigues, do Departamento de Investigação, Relações Internacionais e Comunicação da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), teve por base um questionário on-line realizado em Abril deste ano e respondido integralmente por 11 295 trabalhadores.
Mais de metade da amostra foi constituída por técnicos superiores (ou equiparados), sendo pouco mais do que residual a percentagem de respondentes da carreira de assistente operacional (ou equiparada). Cerca de 45% da amostra divide-se entre assistentes técnicos e “outras carreiras”. As respostas dadas por dirigentes não chegou a 10% do total. Entre os dirigentes que responderam, mais de 58% exercem cargos de direção intermédia de 2.º grau ou equiparado
Com base no trabalho de campo efectuado, os autores do estudo chegaram à conclusão de que “38% da amostra dos trabalhadores considera-se desmotivada, apesar de uma percentagem muito próxima (36,2%) admitir ainda estar motivada no exercício do seu trabalho”.
“O contexto de austeridade, de diminuição dos salários e o aumento do horário de trabalho parecem não ter tido o impacto expectável sobre a motivação dos trabalhadores, uma vez que a diferença entre os que se sentem desmotivados e motivados não se afigura significativa”, referem os investigadores da DGAEP, para concluir que “estes resultados fazem crer que predomina em alguns sectores da administração pública central portuguesa o conceito de ‘desejabilidade social’ de acordo com o qual ainda existe relutância em admitir a desmotivação, uma vez que esta se encontra do ponto de vista simbólico associada a mais uma ‘fragilidade’”.
Ainda há espírito de missão Outra das conclusões do estudo prende-se com o facto de “ainda existir um espírito de missão e de trabalhar para o bem comum” por parte dos funcionários públicos, apesar dos trabalhadores sentirem-se “mais desvalorizados do que valorizados pelos seus concidadãos”.
Com efeito, para esmagadora maioria dos inquiridos (cerca de 80%), o facto de trabalhar na administração pública “não confere prestígio nem valoriza o trabalhador em funções públicas aos olhos dos seus concidadãos”.
Sobre este ponto, César Madureira e Miguel Rodrigues partilham da ideia de que uma “prolongada aplicação de princípios de empresarialização no sector público ao longo das últimas décadas poder concorrer para um decréscimo da motivação”.
“Podemos afirmar que, ainda que se mantenha por parte dos trabalhadores em funções públicas um desejo de prosseguir o espírito de missão num trabalho essencialmente direcionado para o bem comum e para servir os cidadãos, por outro lado aparece claro o sentimento de desvalorização de que são alvo por parte daqueles que servem”, referem os autores, para concluir que “os resultados revelam uma ambiguidade suscetível de gerar um sentimento de frustração e, consequentemente, de desmotivação”.
Os investigadores destacam ainda o facto de apenas metade (50,4%) dos inquiridos ter a convicção de que o trabalho nos serviços públicos “é mais gratificante do que no sector privado”. Uma questão que não poderá ser dissociada do facto de quase metade (49,1%) dos inquiridos não se sentir realizada profissionalmente; de mais de dois terços (69%) não considerar as suas potencialidades profissionais aproveitadas e de 87,4% estar totalmente em desacordo ou em desacordo com o sistema de avaliação do desempenho existente na Administração Pública.
Apesar de a maioria considerar que as suas potencialidades profissionais não estão plenamente aproveitadas, cerca de metade (50,9%) considera-se realizada profissionalmente e 62,2% revela mesmo gozar de autonomia no exercício da sua atividade profissional.
Escolaridade e carreira O estudo concluiu também que o nível de escolaridade é fundamental para a interpretação dos resultados obtidos. À medida que se sobe nos níveis de habilitação, a desmotivação, o descontentamento, com o sistema de avaliação do desempenho, o sentimento de desprestígio por trabalhar na AP e a falta de realização profissional “tendem a aumentar também”.
O mesmo acontece em relação à variável “carreira”. “À medida que cresce a complexidade funcional da carreira (complexidade em regra associada a mais habilitações académicas) aumenta também o descontentamento, a desmotivação, o desacordo com o sistema de avaliação existente, o sentimento de desprestígio, e desaproveitamento das potencialidades por parte dos trabalhadores”, afirmam os autores, referindo que os dirigentes apresentam níveis de realização profissional bastante mais elevados do que a generalidade dos trabalhadores. “Este elemento poderá estar na origem das razões que levaram esta categoria profissional a expressar posições mais otimistas e ‘politicamente mais corretas’ na resposta ao inquérito”, salientam.
Apesar de não se mostrarem tão desmotivados quanto os seus colegas, são os trabalhadores com escolaridade mais baixa e provenientes das carreiras de complexidade funcional mais básica que “mais afirmam não conseguir viver dignamente com o salário auferido”, lê-se ainda no documento.
As taxas de desmotivação encontradas são particularmente superiores nos ministérios que apresentaram taxas de resposta mais expressivas (Saúde, Finanças e Justiça).
Um resultado que não surpreende tendo em conta que mais de 71% dos inquiridos trabalham nos ministérios da Saúde e das Finanças.
Serviços ignoram inquérito Os autores do estudo salientam que se registou “um enorme desequilíbrio no envolvimento dos diferentes ministérios”, na medida em que o número de respostas de trabalhadores de Ministérios como os Negócios Estrangeiros, Desenvolvimento Regional ou da Presidência do Conselho de Ministros foi “quase inexistente”. Uma situação que poderá ser explicada pelo facto de alguns organismos não “chegaram sequer a divulgar [o questionário] internamente”.
O questionário foi respondido por 16 816 trabalhadores, mas apenas 11 295 indivíduos responderam integralmente a todas as perguntas. A análise de dados foi efetuada considerando apenas os indivíduos que responderam ao questionário na sua totalidade.
Quase 78% dos que responderam têm idades entre os 31 e os 55 anos e mais de 70% tem formação superior, ainda que apenas 1,4% seja detentora de doutoramento. O número de respondentes com menos de 12 anos de escolaridade não chegou aos 3,5% e 84,5% trabalham na administração pública há 11 ou mais anos.