Há quem fuja ao básico cozido e se aventure pelas natas, pelas açordas ou o prefira assado em carvão. As formas são quase infinitas, já se sabe, mas o difícil é encontrar uma mesa de consoada sem o bacalhau a servir de centro. Aliás, só mesmo em 22% das casas portuguesas é que o prato principal foge à regra. Com estes números em carteira e imaginando que uma dose corresponde a 150 gramas, a conta acaba por ser redonda: os portugueses consumem mil toneladas de bacalhau no Natal.
Se estes são dados mais que suficientes para repensar o prato cheio de ontem à noite, junte-lhe agora os números que vão fazer com que o peso extra passe da balança para a consciência. O bacalhau faz parte da lista de espécies vulneráveis, situação provocada pela pesca excessiva. A situação atual fez até com que a União Europeia preveja a proibição da pesca do bacalhau por seis semanas durante o período de reprodução no Báltico, entre meados de fevereiro e finais de março de 2016.
O alerta não é novo, mas parece esquecido entre receitas cada vez mais inovadoras. Não é por acaso que Portugal se mantém como o maior consumidor de bacalhau do mundo, com a espécie a representar um terço do total de 57 quilos de pescado que cada português consome anualmente. Ainda este ano, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, em parceria com o Oceanário de Lisboa, criou um guia de sustentabilidade, no qual o bacalhau ocupava um lugar cimeiro na lista de peixes “a evitar”, por ser uma espécie vulnerável, sobre-explorada ou com métodos de captura com impacto no meio ambiente.
Para Gonçalo Carvalho, presidente da Sciaena – Associação de Ciências Marinhas e Cooperação, não há dúvidas: a solução mais imediata passa pela redução do consumo. “Façam como eu que como só em dia de festa, como é o caso do Natal”, aconselha o responsável. Além dos problemas associados à diminuição da espécie, o responsável aponta ainda os fatores económicos que fazem com que o consumo deste tipo de peixe não traga vantagens para Portugal. “É uma espécie pescada ao largo do Canadá e da Gronelândia e esse trabalho é feito por empresas estrangeiras, ou seja, não traz rendimento direto para a nossa economia”, explica.
Peixe de água fria Além do papel decisivo associado ao tipo de pesca escolhido para a captura da espécie, espera-se que o aumento das temperaturas globais tenham um impacto direto sobre os cardumes.
Um estudo publicado recentemente na revista “Science” faz pela primeira vez a associação entre o aumento das temperaturas e o desaparecimento do peixe. Os investigadores conseguiram perceber que o aquecimento das águas do Golfo do Maine, na costa norte-americana, tem relação direta com o desaparecimento do bacalhau em New England, nos Estados Unidos. Segundo a pesquisa, as altas temperaturas da água diminuem a reprodução do peixe, por se tratar de um animal de mares gelados. Em novembro de 2014, a população de bacalhau na região já estava 97% abaixo do nível considerado sustentável pelos biólogos americanos.
Espécie tem futuro
Os dados exigem atenção, mas não é necessário fazer como 16% dos portugueses e trocar imediatamente o bacalhau da ceia de Natal por polvo, peru, cabrito, borrego ou galo.
Um estudo da Seafood e da MSC indica que o stock do bacalhau do mar do Norte está prestes a tornar-se sustentável. A Marine Stewardship Council (MSC), que certifica a sustentabilidade do peixe e do marisco, acredita que dentro de cinco anos o bacalhau fará parte da sua lista. No entanto, apesar dos “nítidos níveis de recuperação”, como caracteriza no relatório divulgado, a MSC aconselha a evitar o consumo do bacalhau do Mar do Norte por ser uma espécie com um stock historicamente muito baixo.
Seguindo o guia do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, entre as melhores escolhas para substituição do bacalhau estão espécies como o carapau, a cavala ou a pescada, cefalópodes como o choco e o polvo, espécies de aquacultura como a dourada, robalo ou rodovalho. Gonçalo Carvalho reforça o apelo à compra de peixe existente na costa portuguesa e aconselha um consumo mais informado. “Quando formos a um restaurante, temos o direito de perguntar sobre o que nos estão a servir. Temos que ser mais cada vez mais críticos e informados sobre o peixe que nos chega à mesa”, conclui.