Polónia. A história de sucesso que ameaça acabar em pesadelo

Polónia. A história de sucesso que ameaça acabar em pesadelo


Apesar de liderar um partido político cujo nome ostenta as palavras “Lei” e “Justiça”, Jaroslaw Kaczynski refere-se ao Tribunal Constitucional como o “bastião de tudo o que é mau na Polónia”. Ou melhor, referia-se. O ano de 2015 foi histórico para o ‘seu’ PiS, que no regresso ao poder atacou o problema com uma reforma…


Dois meses depois da maioria absoluta conquista a 25 de Outubro, o novo Governo do PiS já motivou a realização de duas grandes manifestações em Varsóvia – para amanhã está agendada a terceira, mas essa será de apoio ao Governo. Lech Walesa, o histórico líder do movimento Solidariedade, diz ter “vergonha de viajar para fora”.

“Este Governo age contra a Polónia, contra as nossas conquistas, liberdades e democracia, já para não falar da imagem ridícula que passa para o mundo”, lamenta Walesa.

Em causa está uma batalha sobre nomeações de juízes e poderes do TC, que factualmente se iniciou antes do regresso da direita conservadora ao poder. Quando as sondagens apontavam para a inevitabilidade da derrota da Plataforma Cívica (do atual presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk), o anterior Governo tratou de preencher cinco vagas prestes a abrir no TC – três delas de juízes que terminavam o mandato em novembro e duas de magistrados que sairiam no mês seguinte.

Uma decisão polémica que acabou em parte rejeitada pelo próprio TC – só a nomeação dos três juízes foi considerada válida, pois os dois de dezembro deviam ser eleitos já pelo novo parlamento. Mas na véspera do anúncio dessa decisão dos juízes do TC, já a nova maioria do PiS tratara de deliberar: cinco novos juízes foram apontados pelo partido e empossados de imediato pelo Presidente Andrzej Duda (também ele do PiS).

O mesmo Duda rejeitou dar posse aos três nomeados considerados válidos pelo TC. E, em resposta, o juiz chefe recusa-se a aceitar os cinco nomeados do PiS. O órgão que monitoriza a democracia polaca corre o risco de ficar bloqueado, mas isso não será um problema para o atual Governo, como se constata nas restantes alterações ao TC aprovadas pelo parlamento esta semana.

A lei, aprovada na noite de terça-feira, determina que todas as decisões do TC tenham de ser votadas por um mínimo de 13 juízes. Um detalhe com uma conclusão imediata – ou os juízes aceitam as cinco nomeações do PiS ou nem sequer terão quórum para analisar qualquer caso que seja. As restantes mudanças não são menos radicais: o TC não poderá deliberar nenhum caso sem o analisar por um período de seis meses (pode ser reduzido para três em circunstâncias muito excecionais); todos os casos devem ser analisados pela ordem de chegada ao TC, sem exceções; e uma lei só poderá ser considerada inconstitucional quando decidido por uma maioria de dois terços dos juízes, quando até agora bastava a maioria simples.

Nas páginas do “Politico”, o professor de Direito Maciej Kisilowski antecipou as possíveis consequências da mudança: “Imaginem que estamos a cinco meses e 29 dias das próximas legislativas e o Parlamento aprova uma reforma eleitoral que elimina as possibilidades da oposição. Mesmo os juízes apontados pelo PiS consideram a lei inaceitável, mas o que podem fazer? O tribunal terá de esperar seis meses, até depois das eleições, para fazer algo”.

“Na última vez que o PiS esteve no poder, entre 2005 e 2007, o TC travou muitas das suas ambições”, lembrou no Guardian Jacek Kucharczyk, líder do thinktank Instituto dos Assuntos Públicos. O especialista diz ser “preocupante” a “abilidade do Governo para ignorar as decisões do tribunal” e teme que as consequências se venham a sentir em várias áreas: “Estão a planear leis sobre direitos humanos, incluindo uma chamada lei antiterrorista que pode condicionar a liberdade de expressão”.

Em Bruxelas também já se ouvem sinais de preocupação. “É inaceitável limitar os poderes do TC”, avisou o ministro dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo, país a cargo da presidência rotativa da UE. O comissário Frans Timmermans disse “esperar que a lei não entre em vigor até que seja analisado o seu impacto na independência do TC”, provocando uma resposta dura do ministro polaco da Justiça: “Somos um país soberano que decide o que fazer com os seus órgãos constitucionais. Um órgão externo não nos pode impor nada, porque isso ia entrar em conflito com o nosso orgulho nacional”.

pedro.rainho@ionline.pt