Com vista para o Atlântico
O Natal é a melhor época do ano para balanços e retrospetivas. E 2015 tem tudo para ser considerado um ano mau. Há muita insegurança, muita imprevisibilidade e muito medo por aí. Medo dos refugiados ou da consequência que a sua chegada pode ter nas nossas sociedades, medo do terrorismo e medo das medidas de segurança que supostamente protegem dos terroristas; medo da desintegração europeia e medo da soberania europeia; medo de perder a vida que temos ou aquela que gostaríamos de ter. Eu acredito que há muitas razões para ter esperança no futuro. É verdade, muitas coisas correram terrivelmente em 2015. Mas outras tantas apontam no caminho de um mundo melhor em 2016.
Comecemos pela Europa, onde as coisas não andaram bem. Há quem diga até que 2015 é o ano que coloca uma barreira inultrapassável na integração europeia. Não é possível ir mais além do que aquilo que se conseguiu até aqui? Veremos. Certo é que dois dos principais pilares da União, a moeda única e o espaço Schengen, foram severamente abalados nos últimos meses. Mas porque a cavalgada populista na Europa tem sido feita à conta dos nossos fracassos, não dos sucessos coletivos, sublinho o lado positivo de 2015: a economia dá sinais de recuperação e o desemprego já recuou para os valores mais baixos dos últimos quatro anos na zona euro. Razões de esperança para um bloco político que tem sido submetido a pressões extremas, como as vagas migratórias e o terrorismo. Quanto ao terrorismo, aliás, os povos da Europa comungaram do sentimento daqueles que todos os dias nos batem à porta a pedir asilo. Tanto uns como outros sentiram a brutalidade e loucura terrorista, gente sem deus, nem pátria, nem nada. A nossa luta não acaba nem muda porque o muda o ano. 2016 terá de continuar a ser um ano de afirmação do nosso modo de vida e da nossa fé, qualquer que ela seja. Dito de outro modo, um ano de afirmação da Europa contra os seus inimigos externos e internos.
Apesar das dificuldades, 2015 também foi capaz de fazer do mundo um lugar melhor. E, neste particular, a diplomacia e a política fizeram a sua parte. Cuba e os Estados Unidos voltaram a falar depois de décadas de relações congeladas, anulando um dos últimos resquícios da Guerra Fria. E por falar em guerra, uma potencialmente mais quente foi evitada com um acordo para o programa nuclear iraniano. Histórico, disseram. “Histórico”, como o foi, o acordo conseguido em Paris na Cimeira da ONU para o clima. Pela primeira vez, as nações do mundo puseram-se de acordo na urgência de combater as alterações climáticas, num reconhecimento de que por maiores que sejam as diferenças, há muito a unir a humanidade.
2015 também foi um ano positivo para a consolidação da democracia. A Argentina votou em massa pelo fim do populismo kirchnerista. E na Venezuela, o povo começou a arrumar com o voto o (des)governo da revolução, uma autocracia responsável pela pobreza galopante no país. Na Ásia, a Birmânia saboreou a democracia pela primeira vez em muitos anos.
Quanto ao mundo português, as chamas violentas que consumiram o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, fecham um ano duro para quase todas as nações do espaço lusófono. Portugal conseguiu sair da crise, e quem nos tirou dela acabou por ganhar eleições, mas tem ainda grandes desafios pela frente. Angola está a braços com problemas económicos há muito antecipados. O Brasil, sofrendo do mesmo mal, acrescentou à esclerose económica um nível preocupante de degradação política. A situação tem de mudar para melhor.
Se há lição que 2015 nos deixa é que tudo é impossível até ser feito. E que a coragem dos cidadãos pode mudar o curso da história. Que assim seja em 2016.
A todos os colaboradores e leitores do i, um Feliz e Santo Natal.
Escreve à quarta-feira