Polémica. A insustentável beleza do BE

Polémica. A insustentável beleza do BE


Os cartazes da campanha presidencial de Marisa Matias estão no centro de uma nova polémica, sobre as mulheres do Bloco. Na política, como em tudo na vida, a beleza é relevante, mas é aceitável que seja usada como argumento de combate partidário? 


 “Marisa começou por ser ‘Uma por todos’, num cartaz audacioso, atrevido, quase sexy; agora é ‘A esperança conquista-se’, apresentando-se como se fosse, ela própria, um objeto de desejo” , escreveu no domingo, José Manuel Diogo, num artigo de opinião no JN. A argumentação de base do articulista é esta: “As carinhas larocas de Mariana Mortágua e Catarina Martins foram um ativo eleitoral de peso”, “agora nas presidenciais a cena repete-se”.

A candidata apoiada pelo BE não fica indiferente ao artigo. “É óbvio que incomoda. É uma tentativa de falar do acessório para evitar discutir o conteúdo. É sempre desqualificativo”, diz Marisa Matias ao i.

Não é de agora que as mulheres do Bloco são avaliadas pelo aspecto físico. «Onde é que ele as vai buscar?”, titulava o jornal 24 Horas, sobre as fotos de Ana Drago e Joana Amaral Dias, deputadas do Bloco em 2003, que apareciam ao lado do líder Francisco Louçã.

No debate parlamentar, Joana seria alvo de João Almeida. “Falemos então das boas, as boas, as boas”, foi a frase que deu o mote para uma interpelação do então deputado centrista à estreante Joana Amaral Dias. Discutia-se as ideias do Bloco, nas entrelinhas estava, claro, uma perspectiva marialva das deputadas bloquistas. 

A história repete-se, na perspectiva de um artigo recente do jornal The Guardian. “O Bloco de Esquerda liderado por mulheres prepara-se para formar governo, mas agora enfrenta ataques sexistas chocantes”, anunciava a abertura de um artigo centrado no sucesso do partido anti-austeridade, “equivalente ao grego Syriza”.

A jornalista atribuía o “ repentino crescimento” do BE a um “reviravolta notável no destino”, “orquestrada por quatro mulheres” – Catarina Martins, as irmãs Mariana e Joana Mortágua, e Marisa Matias –  que levaram assim a melhor sobre a “cultura política machista” reinante em Portugal.

Beleza é poder? Marisa Matias recusa a ideia que o Bloco ter mulheres bonitas seja a razão do sucesso nas legislativas. Lembrando anteriores batalhas eleitorais, em que a Catarina Martins, Mariana Mortágua e ela própria já eram rostos do partido, conclui: “a beleza não serviu de muito”.

A deputada Mariana Mortágua  concorda. “Isto não é um concurso de beleza”, diz da deputada que se tornou a estrela emergente do BE pelo trabalho na comissão de inquérito do BES, elogiado da esquerda à direita.

O bom aspecto, concede, é uma vantagem. “Quem é bonito, isso está devidamente estudado, tem a vida facilitada. Mas a objetificação feita com as mulheres serve para as menorizar no debate político.” Nunca “o lado físico serviu para falar da mensagem política de António Costa”, exemplifica.

A deputada do CDS Assunção Cristas diz que a “aparência conta” e que as mulheres estão mais sujeitas a esse critério discriminatório. “Esse argumento não devia ser determinante no debate político mas havendo mais mulheres tende a notar-se mais a diferença de tratamento”, diz a ex-ministra da Agricultura ao i. O maior problema: «perde-se profundidade no debate político, que é muito mediatizado.

Dentro do BE, o machismo não é problema, hoje em dia. “O protagonismo das mulheres tem sido muito bem aceite. Não há nenhuma resistência”, diz Mariana Mortágua.

Catarina Martins

Fez parte da famosa direcção bicéfala do Bloco de Esquerda, com João Semedo. Na direcção bicéfala não brilhou especialmente. Mais tarde, o BE faria a autocrítica sobre as desvantagens da solução. Quando João Semedo se afastou da primeira linha, por motivo de doença, Catarina Martins torna-se líder do Bloco. As coisas mudam devagarinho e Catarina consegue impor-se mais facilmente. Na campanha para as legislativas é a revelação: surfa com talento a onda Mortágua (o reconhecimento geral do bom trabalho de Mariana Mortágua na comissão BES) e surpreende todos quando desafia Costa para uma espécie de coligação com um programa mínimo. Contra todas as previsões, o BE tem 10,19%. E a espécie de coligação faz-se.

Marisa Matias

É hoje a candidata do Bloco a Presidente da República, depois de ter sido a número 1 da lista para o Parlamento Europeu. Foi eleita deputada para o parlamento de Estrasburgo em 2009, na lista encabeçada por Miguel Portas. Hoje, é vice-presidente do Partido da Esquerda Europeia, a família política europeia de que faz parte o Bloco de Esquerda. Antes, em 2005, tinha sido candidata do Bloco de Esquerda à Câmara Municipal de Coimbra. Nas eleições para o Parlamento Europeu cumpriu o objectivo do Bloco de Esquerda, que era o de ser reeleita. Nessa altura, o Bloco de Esquerda ainda não tinha “dado a volta” e vivia uma fase de crise interna com rupturas e o nascimento do partido “Livre”.

Mariana Mortágua

Para que chegasse ao parlamento, vários candidatos a deputados tiveram que desistir. O argumento da direcção era que era preciso que Mortágua fosse deputada porque o Bloco, com a saída de Louçã, tinha ficado com menos economistas. A aposta, que na altura causou alguma polémica dentro do BE, revelou-se totalmente bem sucedida. Mortágua foi a superstar da Comissão de Inquérito ao Banco Espírito Santo, conseguindo uma popularidade generalizada, muito para além das fronteiras do seu partido, incluindo na imprensa internacional. Desta vez, Mariana Mortágua não estava no fim da lista: foi a número 1 por Lisboa e a sua imagem nos cartazes funcionava como um agregador de votos

Joana Mortágua

A gémea de Mariana chegou mais tarde à ribalta mediática, mas no Bloco a ascensão política de ambas ocorre pela ordem inversa. Joana Mortágua foi eleita para a direcção em 2010, depois de ter ganho peso partidário como presidente da UDP, um dos partidos fundadores do BE (hoje associação política) e que foi anos a fio a ala com maior influência na máquina partidária. Curiosamente, as irmãs Mortágua pertencem a sensibilidades políticas que se confrontaram no último congresso. Joana, integrada na tendência Esquerda Alternativa, tendo Pedro Filipe Soares como candidato a líder do BE, contra a ala que defendia Catarina Martins e João Semedo. Foi cabeça de lista por Setúbal nas legislativas, sendo agora deputada.