Costa: um PM que pede licença para governar


O que temos destes primeiros dias de governo é a pobreza do ressentimento relativamente ao passado e a inexistência de “outros caminhos” para o futuro.


No futebol há aqueles jogadores que não marcam nem defendem. Que passam o ano todo a aquecer o banco ou fora da convocatória. Mas a quem, nos últimos jogos do campeonato e com a taça no bolso, os treinadores dão benevolamente uns minutinhos em campo. A relação de Mário Centeno com o défice é do mesmo género: quer festejar o campeonato do rigor orçamental e dizer que a taça do défice abaixo dos 3% do PIB também é dele, mesmo não tendo mexido uma palha para que o resultado da equipa fosse esse.

E não sou eu que digo que Centeno não precisa de fazer nada para que Portugal faça história, vendo Bruxelas levantar o procedimento por défices excessivos. A confissão foi feita na primeira pessoa no fim da primeira reunião do Conselho de Ministros: não serão assumidos novos compromissos financeiros não urgentes; serão congelados processos pendentes de desativações e transições de saldos de gerência não urgentes; e, por último, os fundos para as Administrações Públicas são reduzidos em 46 milhões de euros. Resumindo: o que o chefe das finanças do governo social-comunista diz é que, nas últimas três semanas do ano, não fará despesa de que o Estado não precisa e vai apresentar “medidas” excecionais de controlo das finanças públicas que valem 46 milhões de euros.

Uns mastodônticos 0.027% do PIB são o que nos separa de boas contas. A máquina de propaganda do PS tratou de vender as iniciativas de Centeno como um “travão na despesa” com um duplo objetivo: primeiro, o de transformar em sucesso do PS um suposto fracasso do Governo anterior; segundo, o de encenar, perante o eleitorado moderado, que o PS não só não está refém da extrema-esquerda como até é capaz de “empreender todas as ações necessárias“, um eufemismo de Centeno para “austeridade”, que mantenham o défice abaixo dos 3%. A narrativa do PS, de uma maneira ou de outra, bateu na trave. Como é preciso mudar poucochinho para que tudo fique na mesma e se cumpram as metas, a ‘bazucazinha’ de Centeno (os tais 0.027% do PIB) expõe um PS preso à sua esquerda. E caucionou a estratégia de Passos Coelho e os seus bons números. Sócrates, de quem Costa foi número dois, deixou a Passos um défice de 11,2%. Costa, que continua a ser número dois mas em votos, recebe de Passos um défice abaixo dos 3%. O líder do PS, que fez toda a campanha a malhar nos números do governo e que em pleno processo negocial com a coligação PSD/CDS aludiu à existência de factos de “grande gravidade económica”, que se deixe de criar factos.

Tem é que estar preocupado em governar. Costa, que hoje se estreia nos debates quinzenais no Parlamento como líder do governo social-comunista, é político há uma eternidade. Devia saber que não há segunda oportunidade para causar boa impressão. E a primeira impressão que fica deste governo não é famosa: uma estratégia de vitimização entranhada até à medula; o ziguezague na sobretaxa de IRS está a milhas do que o PS prometeu em campanha, beneficiando poucos e carregando sobre muitos, sobretudo a classe média; as crises de ciúmes entre bloquistas e comunistas (talvez porque os primeiros subam nas sondagens e os segundos descem) e as bocas de ambos contra o PS; o alinhamento político terceiro-mundista de quem se recusou receber o resistente cubano Guillermo Faríñas e está apoiado num parceiro de coligação solidário com um autocrata venezuelano.
Costa prometeu um novo governo capaz de apresentar uma nova visão para o país, uma ambição política e um “virar de página”. Mas o que temos destes primeiros dias de governo é a pobreza do ressentimento relativamente ao passado e a inexistência de “outros caminhos” para o futuro. A vida do Executivo resume-se ao fim da avaliação na quarta classe, à extinção das taxas moderadoras na IVG e à possibilidade da adoção por casais gay. É um governo bloqueado e sem energia política.

Costa quis ser primeiro-ministro à força. Quis convencer-nos que uma maioria matemática gera uma maioria política sólida. Pois é com essa maioria social-comunista que Costa tem de garantir a estabilidade. É com ela que tem de promover a prosperidade prometida para todos. É com ela que tem de governar. E, por favor, não esteja à espera de licença para começar.  

Escreve à quarta-feira


Costa: um PM que pede licença para governar


O que temos destes primeiros dias de governo é a pobreza do ressentimento relativamente ao passado e a inexistência de “outros caminhos” para o futuro.


No futebol há aqueles jogadores que não marcam nem defendem. Que passam o ano todo a aquecer o banco ou fora da convocatória. Mas a quem, nos últimos jogos do campeonato e com a taça no bolso, os treinadores dão benevolamente uns minutinhos em campo. A relação de Mário Centeno com o défice é do mesmo género: quer festejar o campeonato do rigor orçamental e dizer que a taça do défice abaixo dos 3% do PIB também é dele, mesmo não tendo mexido uma palha para que o resultado da equipa fosse esse.

E não sou eu que digo que Centeno não precisa de fazer nada para que Portugal faça história, vendo Bruxelas levantar o procedimento por défices excessivos. A confissão foi feita na primeira pessoa no fim da primeira reunião do Conselho de Ministros: não serão assumidos novos compromissos financeiros não urgentes; serão congelados processos pendentes de desativações e transições de saldos de gerência não urgentes; e, por último, os fundos para as Administrações Públicas são reduzidos em 46 milhões de euros. Resumindo: o que o chefe das finanças do governo social-comunista diz é que, nas últimas três semanas do ano, não fará despesa de que o Estado não precisa e vai apresentar “medidas” excecionais de controlo das finanças públicas que valem 46 milhões de euros.

Uns mastodônticos 0.027% do PIB são o que nos separa de boas contas. A máquina de propaganda do PS tratou de vender as iniciativas de Centeno como um “travão na despesa” com um duplo objetivo: primeiro, o de transformar em sucesso do PS um suposto fracasso do Governo anterior; segundo, o de encenar, perante o eleitorado moderado, que o PS não só não está refém da extrema-esquerda como até é capaz de “empreender todas as ações necessárias“, um eufemismo de Centeno para “austeridade”, que mantenham o défice abaixo dos 3%. A narrativa do PS, de uma maneira ou de outra, bateu na trave. Como é preciso mudar poucochinho para que tudo fique na mesma e se cumpram as metas, a ‘bazucazinha’ de Centeno (os tais 0.027% do PIB) expõe um PS preso à sua esquerda. E caucionou a estratégia de Passos Coelho e os seus bons números. Sócrates, de quem Costa foi número dois, deixou a Passos um défice de 11,2%. Costa, que continua a ser número dois mas em votos, recebe de Passos um défice abaixo dos 3%. O líder do PS, que fez toda a campanha a malhar nos números do governo e que em pleno processo negocial com a coligação PSD/CDS aludiu à existência de factos de “grande gravidade económica”, que se deixe de criar factos.

Tem é que estar preocupado em governar. Costa, que hoje se estreia nos debates quinzenais no Parlamento como líder do governo social-comunista, é político há uma eternidade. Devia saber que não há segunda oportunidade para causar boa impressão. E a primeira impressão que fica deste governo não é famosa: uma estratégia de vitimização entranhada até à medula; o ziguezague na sobretaxa de IRS está a milhas do que o PS prometeu em campanha, beneficiando poucos e carregando sobre muitos, sobretudo a classe média; as crises de ciúmes entre bloquistas e comunistas (talvez porque os primeiros subam nas sondagens e os segundos descem) e as bocas de ambos contra o PS; o alinhamento político terceiro-mundista de quem se recusou receber o resistente cubano Guillermo Faríñas e está apoiado num parceiro de coligação solidário com um autocrata venezuelano.
Costa prometeu um novo governo capaz de apresentar uma nova visão para o país, uma ambição política e um “virar de página”. Mas o que temos destes primeiros dias de governo é a pobreza do ressentimento relativamente ao passado e a inexistência de “outros caminhos” para o futuro. A vida do Executivo resume-se ao fim da avaliação na quarta classe, à extinção das taxas moderadoras na IVG e à possibilidade da adoção por casais gay. É um governo bloqueado e sem energia política.

Costa quis ser primeiro-ministro à força. Quis convencer-nos que uma maioria matemática gera uma maioria política sólida. Pois é com essa maioria social-comunista que Costa tem de garantir a estabilidade. É com ela que tem de promover a prosperidade prometida para todos. É com ela que tem de governar. E, por favor, não esteja à espera de licença para começar.  

Escreve à quarta-feira