Um livre directo não se marca assim do pé para a mão. É preciso arte, horas de trabalho e também de estudo para observar o comportamento dos outros que o rodeiam, entre guarda-redes e jogadores da barreira. Tudo em nome do golo e, sobretudo, do interessante efeito surpresa. E porque isto dos livres ao ângulo superior já estão muito vistos, seja bem-vindo ao surpreendente mundo dos livres laterais. A culpa deste início de texto é de Gelson Martins.
Minuto 29. Há uma falta indiscutível de Danielson. Mão na bola mais que evidente e cartão amarelo embrulhado em protestos. Curiosamente, o homem até nem é para jogar.Acontece que André Micael lesiona-se no aquecimento e o paulista salta para o onze. E faz falta. O livre é marcado por Bryan Ruiz, a uns bons 30 metros. Desconfia-se que dali não sairá um remate à baliza. Gotcha. O costa-riquenho avança e mete a bola na diagonal, onde já lá mora o irrequieto Gelson. Esquecido pelos moreirenses, o extremo toca na bola e faz o 1-0. Pede-se falta de Esgaio, por bloqueio. Nada feito e o Sporting dá uma alegria (a primeira) aos 32 mil espectadores. Gelson é o nome do herói, num livre a fazer lembrar (e de que maneira) aquele jogo dos quartos do Mundial-94, entre Suécia e Roménia.
Minuto 78, zero-zero no marcador emSão Francisco. A Suécia ganha um livre à entrada da área. Na marcação, um sueco corre para um lado em jeito de simulação e Thern (esse mesmo) desmarca Brolin, escondido mesmo mesmo mesmo atrás da barreira. Solto e com tempo, o pequeno e louro sueco atira cruzado sem hipótese para Lung. Começa aqui um dos melhores jogos do Mundial-94 que se arrasta até aos penáltis sob um calor tórrido de 38 graus.
Radar
De volta a Alvalade, com algum frio e metade dos Celsius, o1-0 do Sporting é mais que merecido. Aos 39 segundos, Ruiz faz o aviso e atira por cima num lance iniciado por Esgaio – uma das seis alterações de Jesus em relação à vitória europeia com o Besiktas (3-1), além das de Ewerton, Jonathan,Aquilani, Gelson e Téo. Aos três minutos, o guarda-redes Stefanovic evita o 1-0 de Gelson Martins. Evita, não. É mais, adia. O número 60 é o abre-latas de serviço. Logo ele. No minuto anterior ao golo de livre, Gelson faz um cruzamento sem eira nem beira. Quando recua para defender, Jesus dá-lhe uma descasca memorável – talvez ao nível daquela ao adjunto Raúl José, aquando da substituição de William (e não de Slimani), com o Besiktas.
Zoom
O Moreirense acusa (ainda mais) o golpe. Daí que o caudal ofensivo continue para o topo sul. Aos 36’,Gelson cruza e Slimani cabeceia para defesa de Stefanovic. No quadradinho seguinte, que simplicidade de processos entre Adrien, Slimani, Adrien e encosto de Aquilani para o 2-0.
É o terceiro golo do italiano pelo Sporting, o primeiro de bola corrida depois de dois penáltis (Académica e Skenderbeu). O 6 delicia os adeptos com um festim de passes mirabolantes, o último deles de trivela para a entrada de Téo, ao cair do pano na primeira parte. Pena que o colombiano estivesse em fora-de-jogo.
Mais
Na segunda parte, oSporting é o mais forte até à saída de Aquilani aos 67’. Até lá, o 3-0 de Slimani. É um penálti cometido sobre ele.Mal Adrien agarra na bola, o argelino faz sinal para o banco. Jesus vai até ao lado do Moreirense para explicar ao capitão que a bola é de Slimani.Quando este se aventura para a linha dos 11 metros, já Téo está a mexer na bola com toda a confiança do mundo.Slimani vai lá e, zuca, é minha. Stefanovic adivinha-lhe os intentos e evita o 3-0. Lá está: evita não, é mais adia. Na recarga,Slimani faz o seu nono golo do campeonato – a dois do líder Jonas.
A partir daqui (e da substituição de João Mário por Aquilani), oSporting desaparece e o Moreirense aproveita para crescer. O penálti de Naldo serve para Rafael Martins reduzir, aos 80’. E, três minutos depois,é Rui Patrício quem evita (aqui sim, e-v-i-t-a) o 3-2 do brasileiro com a mão direita, numa altura em que o seu corpo está todo inclinado para a esquerda. Quem defende assim não é gago.