Colômbia. Outra vez? Vá lá, só mais esta historieta. Para a viagem, é preciso passaporte. O caducado? Não, claro. É preciso um novo. Loja do Cidadão e tal. Nas Laranjeiras e tal. Cinco dias úteis e tal. Só há um problema. E daqueles bicudos. É obrigatório devolver o outro. E tem de ser logo ali, às três pancadas. É duro, muito duro. Sobretudo pela última página.Aquilo é ouro. E remonta a 2012.
Van der Vaart marca. Ronaldo bisa. Portugal segue em frente, como sempre em Europeus. Holanda cai na fase de grupos, como nunca na sua história desde que há 16 finalistas. Estamos em Kharkiv, a cidade mais soviética de todas as ucranianas do Euro. Do aeroporto ao estádio, é sempre a mesma avenida, larguíssima, com blocos rígidos e sem graça nenhuma de um lado e do outro. Do estádio para o aeroporto, a noite e a falta de iluminação disfarçam pontualmente a monotonia paisagística.
Quando chegamos ao terminal B, no pasa nada no detector de metais. E passa tudo na alfândega. A polícia sorri, o polícia não. Querem estampar a Ucrânia na última página (que maldita coincidência) e deparam-se com a pluralidade de selos. À surpresa, sucede-se a expressão de indignação. Uiii, vai ser bonito vai. Perguntam-nos o que é aquilo, respondemos que é o Checkpoint Charlie em Berlim. Um pedaço do muro de pé com um guarda fictício a carimbar os selos dos quatro lados da fronteira que divide então a RFA da RDA. Um selo alemão, outro francês,mais o americano e ainda o russo.
É aqui que está o problema. “Mas como é conseguiste isto?” Mas como, como? Não entendemos a pergunta. De férias, em Berlim. Está aí a data e tudo, Fevereiro de 2012. “Sim, mas este selo russo já não se usa, como é que conseguiste?” Entretanto já estão mais dois guardas naquele minigabinete a folhear o passaporte. E chegam mais três. Já somos oito e só queremos um selo para sair dali.
Passam-se uns minutos, as perguntas repetem-se e já não conseguimos dar a volta ao texto, até que nos lembramos da palavra-chave: souvenir. Os sete polícias continuam iguais a si mesmos, a mulher-polícia descontrai-se. E descontrai-nos. “Achámos estranho teres este selo russo, mas foi em Berlim não foi?”
Sim, sim, souvenir. Pausa para olhares cruzados. E se dissermos souvenir novamente, resultará? Outra pausa. A polícia explica qualquer coisa aos colegas e voltamos ao guichet. Com o passaporte na mão, o polícia está indeciso com o carimbo na mão a dar a dar e pergunta-nos “queres o nosso selo?” Sorrimos e acenamos afirmativamente com a cabeça. “Ou queres o russo?” Uyyyy, continua a brincadeira de mau gosto. Com o ar ainda mais sério, este polícia mal-humorado vinca a página a olhar-nos de frente e repete “Ucrânia ou Rússia?” A senhora intercede e o polícia lá carimba. A contragosto, diga-se. Isto seria muito mais fácil com a Nikita do Elton John.
Editor de desporto
Escreve à sexta