Jornais


O online impera, mas para muitos ter nas mãos as folhas de papel de um jornal é algo irresistível. Alguns escrevem já pro bono, mas nem assim os jornais resistem.


Os jornais fazem parte da minha vida. Tinha eu doze ou treze anos, vivia em Portalegre, e aí comecei a escrever umas notícias cinematográficas em dois jornais da terra, o republicano “A Rabeca” e o diocesano “O Distrito de Portalegre”. Ambos já acabaram.

De regresso a Lisboa, com cerca de 15/16 anos, foi na página “Bastidores”, dirigida pelo Baptista Bastos, no velhinho “A República” que continuei a escrever sobre cinema. Depois passei pela revista “Plateia”, tive uma coluna na primeira “TV Guia”, passei por jornais e revistas avulsas, outra coluna semanal no “Século Ilustrado”, até, em finais de 1968, entrar no “Diário de Lisboa”, juntamente com o Eduardo Prado Coelho, para começarmos uma aventura que até então não tinha existência: a crítica independente, diária, num grande jornal de prestigio intocável.

Ganhávamos 25 tostões à peça e revolucionámos o panorama, sobretudo depois de uma tentativa de silenciamento que o jornal não permitiu e nos transformou, em tempos de censura, em “heróis nacionais” de um dia para o outro. Época heroica, portanto: via-se o filme na sala, no dia da estreia, vinha-se para casa às tantas da    madrugada, depois de uma passagem por um local de boémia, escrevia-se numa máquina de escrever, e colocavam-se as páginas, espetadas com um pionês, no exterior na porta da rua, para o estafeta do jornal vir buscar de manhazinha e levar para o jornal. À tarde, já circulava pela cidade

Passei por revistas como a “Opção”, a “Mais”, esporadicamente pelo “Colóquio”, pela “Vértice”, pelo “O Tempo e o Modo”, até chegar a transferência do “Diário de Lisboa” para ao “Diário de Notícias”, agora a fazer equipa com o João Lopes. As redações dos jornais iam mudando, apesar de eu, que nunca fui jornalista encartado, não ser presença assídua em muitas. Mas quando visitava algumas, a atração pelo bulício era evidente. Edifícios antigos, velhas escadarias de madeira carcomida, salas ruidosas, com mesas e cadeiras e conversas cruzadas, os linguados de papel amarelecido onde grandes jornalistas vertiam a sua prosa de exceção, e onde por vezes se assoavam e lançavam depois o linguado conspurcado para o caixote do lixo mais próximo. Quando via a “Primeira Página” de Billy Wilder, pensava: é isto mesmo, o jornalismo.

Inventei e dirigi revistas: “Enquadramento”, “Isto é Espectáculo”, “Isto é Cinema”, “Vídeo Som”. Conheci quase todos os jornais diários e semanais. Longos anos no “Sete”, umas temporadas no “Diário Popular”, no “A Capital”, no “O Comércio do Porto”, no “Jornal do Comércio”, em tantas outras revistas e jornais que foram nascendo e desaparecendo. Começava-se a perceber que a imprensa escrita atravessava uma crise. A rádio, depois a televisão, depois a internet foram machadadas decisivas, mas o jornalismo sacrificou-se também a si próprio. Tem culpas no cartório. O sensacionalismo, a deficiente escrita, o mau jornalismo, a politização, o facciosismo afastaram muitos leitores. As redações modernizaram-se, os meios de comunicação evoluíram espantosamente, hoje os textos seguem por email e as fotos igualmente, de qualquer parte do mundo. O on line impera, mas para muitos ter nas mãos as folhas de papel de um jornal é algo irresistível. Alguns escrevem já pro bono, mas nem assim os jornais resistem.

Esta será a minha última crónica neste “I”. Mas, nas páginas de um jornal ou nas dezenas de blogues que fui criando, continuarei a escrever, “até que a voz me doa”. Por isso, não é ainda um adeus.


Jornais


O online impera, mas para muitos ter nas mãos as folhas de papel de um jornal é algo irresistível. Alguns escrevem já pro bono, mas nem assim os jornais resistem.


Os jornais fazem parte da minha vida. Tinha eu doze ou treze anos, vivia em Portalegre, e aí comecei a escrever umas notícias cinematográficas em dois jornais da terra, o republicano “A Rabeca” e o diocesano “O Distrito de Portalegre”. Ambos já acabaram.

De regresso a Lisboa, com cerca de 15/16 anos, foi na página “Bastidores”, dirigida pelo Baptista Bastos, no velhinho “A República” que continuei a escrever sobre cinema. Depois passei pela revista “Plateia”, tive uma coluna na primeira “TV Guia”, passei por jornais e revistas avulsas, outra coluna semanal no “Século Ilustrado”, até, em finais de 1968, entrar no “Diário de Lisboa”, juntamente com o Eduardo Prado Coelho, para começarmos uma aventura que até então não tinha existência: a crítica independente, diária, num grande jornal de prestigio intocável.

Ganhávamos 25 tostões à peça e revolucionámos o panorama, sobretudo depois de uma tentativa de silenciamento que o jornal não permitiu e nos transformou, em tempos de censura, em “heróis nacionais” de um dia para o outro. Época heroica, portanto: via-se o filme na sala, no dia da estreia, vinha-se para casa às tantas da    madrugada, depois de uma passagem por um local de boémia, escrevia-se numa máquina de escrever, e colocavam-se as páginas, espetadas com um pionês, no exterior na porta da rua, para o estafeta do jornal vir buscar de manhazinha e levar para o jornal. À tarde, já circulava pela cidade

Passei por revistas como a “Opção”, a “Mais”, esporadicamente pelo “Colóquio”, pela “Vértice”, pelo “O Tempo e o Modo”, até chegar a transferência do “Diário de Lisboa” para ao “Diário de Notícias”, agora a fazer equipa com o João Lopes. As redações dos jornais iam mudando, apesar de eu, que nunca fui jornalista encartado, não ser presença assídua em muitas. Mas quando visitava algumas, a atração pelo bulício era evidente. Edifícios antigos, velhas escadarias de madeira carcomida, salas ruidosas, com mesas e cadeiras e conversas cruzadas, os linguados de papel amarelecido onde grandes jornalistas vertiam a sua prosa de exceção, e onde por vezes se assoavam e lançavam depois o linguado conspurcado para o caixote do lixo mais próximo. Quando via a “Primeira Página” de Billy Wilder, pensava: é isto mesmo, o jornalismo.

Inventei e dirigi revistas: “Enquadramento”, “Isto é Espectáculo”, “Isto é Cinema”, “Vídeo Som”. Conheci quase todos os jornais diários e semanais. Longos anos no “Sete”, umas temporadas no “Diário Popular”, no “A Capital”, no “O Comércio do Porto”, no “Jornal do Comércio”, em tantas outras revistas e jornais que foram nascendo e desaparecendo. Começava-se a perceber que a imprensa escrita atravessava uma crise. A rádio, depois a televisão, depois a internet foram machadadas decisivas, mas o jornalismo sacrificou-se também a si próprio. Tem culpas no cartório. O sensacionalismo, a deficiente escrita, o mau jornalismo, a politização, o facciosismo afastaram muitos leitores. As redações modernizaram-se, os meios de comunicação evoluíram espantosamente, hoje os textos seguem por email e as fotos igualmente, de qualquer parte do mundo. O on line impera, mas para muitos ter nas mãos as folhas de papel de um jornal é algo irresistível. Alguns escrevem já pro bono, mas nem assim os jornais resistem.

Esta será a minha última crónica neste “I”. Mas, nas páginas de um jornal ou nas dezenas de blogues que fui criando, continuarei a escrever, “até que a voz me doa”. Por isso, não é ainda um adeus.