Governo. Passos para Costa: se o apoio falhar, peça eleições

Governo. Passos para Costa: se o apoio falhar, peça eleições


Costa está em plenitude de funçõs, depois de chumbada a moção de rejeição do PSD e CDS ao seu programa de governo, que depende do apoio do BE, do PCP e do PEV no parlamento. Passos, líder da oposição,  promete recolocar o PSD no “centro moderado”, de olho no “interesse nacional” e nas eleições.


António Costa recebeu ontem carta branca da esquerda parlamentar para aplicar o seu programa de governo. A moção de rejeição do PSD/CDS foi chumbada, sem dissidências à esquerda, mas com uma abstenção, do PAN, que havia votado a favor da moção de rejeição socialista para deitar abaixo o programa (e governo) da direita. 

O primeiro-ministro saiu sorridente da Assembleia da República (AR) e a liderar um governo em “plenitude de funções”, mas por mais que tenha recebido garantias dos partidos à sua esquerda – e recebeu-as – a verdade é que registou um aviso sério da direita:“No dia em que o nosso apoio possa ser decisivo para alcançar algum resultado essencial que a maioria que suporta o governo não for capaz de garantir, apenas esperamos que tenha a dignidade de disso retirarem a consequência natural e devolverem a palavra ao povo, para que seja dessa feita ele mesmo a escolher o futuro governo de Portugal”, disparou Passos Coelho, líder do PSD. 

“O povo não exige tudo de uma vez. Mas quer mudanças”, Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP

O novo primeiro-ministro conta consigo (PS)e com o BE, PCP e PEV – os partidos que viabilizaram a formação do seu executivo – para cumprir uma legislatura. PSDe CDSestão unidos contra a radicalização do PS. Para a direita, que se tentou reposicionar no “centro moderado” e afastar a ideia de oposição radical, António Costa é e será sempre o líder de um executivo com uma “marca genética”: “Este governo e o seu chefe não foram escolhidos pelo povo”, observou o ex-primeiro-ministro. Aliás, nos dois dias debate do programa do XXIgoverno, foram raras as intervenções de deputados do PSD e do CDS que não começaram por saudar Costa como o “primeiro-ministro, que não venceu as eleições”. E seguiu-se o cumprimento do guião, tal qual estava definido: colar o PS ao PCPe vincar a premissa de que Costa está nas mãos dos comunistas e de Jerónimo de Sousa. 

“Para além da tralha socrática, este Governo é social-comunista”, Telmo Correia, Deputado do CDS

“O BE está na lapela de António Costa. É a vontade do PCP que decidirá o destino do governo de Portugal”, afirmou Paulo Portas , líder do CDS, depois de acusar o governo de entregar a política de educação à Fenprof e os transportes metropolitanos à CGTP, sob forte protesto da bancada comunista na AR.
 
Direita fala em impostos

Passos, que chamou a atenção para as consequências para as contas públicas do programa de governo e da política orçamental a ele associada, viria a sublinhar – no que foi lido como o risco de um aumento de impostos –  que “as medidas que se pré-anunciam com apoio socialista e comunista só podem afastar investidores e agentes económicos, penalizando o crescimento do PIB potencial e dificultando a eficácia da política orçamental, o que se reflectirá negativamente nas políticas públicas e na carga fiscal a suportar pelos contribuintes”. 

“Foi o PS que quis aliar-se aos radicalismos da extrema-esquerda, preterindo uma maioria maior de base pro-europeia e pro-atlântica”, Passos Coelho, Líder do PSD

A esquerda acusou o toque. Já na quarta-feira Costa tinha garantido, perante a insistência do PSD e do CDS, que não tenciona aumentar impostos até ao final do ano. Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, preferiu lembrar os compromissos do governo no que respeita à distribuição de rendimentos: “Quando o governo coloca como prioridade acelerar a eliminação dos cortes salariais e da sobretaxa do IRS, fá-lo não para dar um ‘extra’, mas sim para devolver às pessoas, o mais depressa possível, o que é delas e lhe foi retirado”. 

E, mais uma vez, respondeu a Passos, que lembrou que a recuperação de rendimentos começou em 2014, depois do anterior governo fechar o programa de resgate financeiro:“Os trabalhadores e pensionistas foram vítimas de cortes profundos nos seus rendimentos, supostamente indispensáveis para acudir a um momento crítico, excepcional e temporário. E o momento supostamente passou, e os cortes lá se foram eternizando”, notou o ministro. Jerónimo de Sousa, que tirou o PS da sua lista negra, preferiu antecipar que, agora na oposição, “PSD e CDS estão apostados em dar uma imagem de iminente catástrofe no país em resultado da nova situação decorrente das eleições”. Ainda assim, deixou um aviso que pode também servir para o eleitorado do PCP: “Opovo não exige tudo de uma vez. Mas quer mudanças”.  

Apelo ao consenso

Apesar do clima de crispação, que subiu de tom quando Telmo Correia, deputado do CDS, se referiu ao governo como sendo composto pela “tralha socrática” e o classificou como “social-comunista”, os apelos ao compromisso com a direita foram aparecendo, sobretudo a partir das bancadas do governo e do PS. 

“O desespero e o queixume da direita serão o seu purgatório ao longo da legislatura”, Pedro Filipe Soares, Líder Parlamentar do BE

Carlos César, líder parlamentar dos socialistas, deixou nota de que o “PS e, evidentemente o governo, não entendem a oposição como um inimigo, porque não têm inimigos entre os portugueses”. E foi mais claro:“Nunca pensámos que o papel reservado à oposição seja apenas o de se opor”. Augusto Santos Silva também lançou avisos que seguiram direitinhos para o PSD e o CDS. “O tempo não está para radicalizações mas para compromissos. Todos somos indispensáveis”, atirou. 

“Do ponto de vista ideológico não caiu muro nenhum. O muro ideológico está lá. Foi o PS que caiu para o ouro lado do muro”, Telmo Correia, Deputado do CDS

Tanto o BE, como o PCP e o PEV lembraram que o programa de governo aprovado é do PS. Mas mereceu o ‘ok’ destes partidos na AR. Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, avisou que um “parlamento exigente ajuda a um bom governo” e congratulou-se pelo fim de um ciclo em que a AR era uma “caixa de ressonância do governo”. A esquerda radical, agora que colocou o PS no poder, promete luta, mesmo que mais silenciosa. André Silva, único eleito do PAN, que se juntou ao PS para derrubar a direita, absteve-se na moção de rejeição da direita ao programa do PS, o mesmo que inclui várias medidas do mais recente partido eleito para São Bento. Motivo:“O actual programa de governo segue a linha habitual que considera a natureza apenas um recurso a explorar, bens a transaccionar, numa mera perspectiva utilitária”, explicou André Silva.