Este mês de Novembro português deu um colorido e interessante vislumbre dos animados tempos do período revolucionário em curso, sobretudo aos que ainda não eram nascidos nessa altura e aos que (como eu) não tinham então idade para hoje recordar e só puderam ver nos livros e noutras fontes históricas. A certa altura, até parecia que íamos ouvir a voz do Almirante Pinheiro de Azevedo a frisar a serenidade do povo e a desvalorizar a fumaça, embora faltassem as calças à boca-de-sino, os colarinhos em bico e os cabelos e as barbas fartos. Exagero? Talvez, mas para retratar o exagero a que muitos se entregaram nestas últimas semanas um novo exagero até nem fica mal.
Que a política se discuta e viva com calor e convicção, nada contra, antes pelo contrário, sobretudo em tempos de alguma indiferença e, às vezes, de obsceno desinteresse pela coisa pública. Sim senhor, aconteceu o que aconteceu – e pode supor-se o que ainda vai acontecer – e cada qual, e muito bem, pensa o que pensa, diz o que diz, reage, discute, aplaude ou vitupera. É assim mesmo, e trata-se do mais elementar exercício de vivência cidadã. Nada disso me espantou. Mas comecei a ficar de boca aberta e com mudez de espanto quando comecei a ouvir a gritaria em crescendo, e de um lado e do outro – pois em matéria de exagero (de atitude e de linguagem) não houve grandes diferenças entre uns e outros. De um lado, vivas e cantorias a comemorar o fim da idade das trevas, como se fossem tempos em que se abriam as portas de prisões políticas ou se despedia alguma opressão tenebrosa. Do outro lado, manifestações iradas, como se alguém tivesse pegado em armas e, pela calada da noite, tivesse tomado para si à força o cadeirão dos justos. E em cada dia, em cada lugar, pessoas habitualmente calmas e ponderadas ou cantavam amanhãs luminosos ou vociferavam com indignação, quase rancor, projectando marchas e protestos, só faltando, em alguns casos, começar a preparar o cocktail molotov para atirar em salvação do país. E eu, confesso, boquiaberto de espanto.
O que aconteceu, aconteceu, e cada qual terá a sua opinião, os seus contentamentos, os seus desgostos e as suas indignações. Mas daí até ao exagero de algumas reações a que se assistiu vai um passo largo, e fico a pensar nas razões disso. Falta-nos a fleuma dos britânicos? Isto da democracia é jovem por cá e ainda está verde nas nossas cabeças? Ou tinha razão o meu avô quando dizia que há três coisas que nunca se devem discutir com amigos, sob pena de acabar tudo à batatada: futebol, religião e política? Eu sempre achei que quanto ao futebol e à religião ele tinha inteira razão, mas sempre duvidei de que a tivesse quanto à política. Então a política não é do domínio do racional? Não é? Não exige outra ponderação? Exige? Eu achava que sim, e que nessas coisas o povo era sereno, e que algum desse povo não se punha a cantar ou a gritar como as claques em dias de jogo de futebol entre os dois clubes da segunda circular. Será só fumaça?
Advogado