Compromissos


A resposta afinal mais decisiva só pode ser dada depois de haver governo, perante a votação do seu programa na Assembleia


O Presidente da República quer acabar o mandato sem que lhe possa ser reservado o lugar de quem, ao fechar a porta, desmoronou a casa. Pelo menos a sua casa, que é sempre do lado direito. É legítimo, dir-se-á, que peça compromisso e estabilidade política a um novo governo. Mas até quando tem de valer um compromisso já necessariamente assumido pelo PS e pelos demais partidos ao votarem a rejeição do governo agora demissionário? Acha-se possível prever de modo absoluto e detalhado aquilo em que quatro ou cinco partidos acordarão num universo de quatro anos, necessariamente preenchido por surpresas e elementos desconhecidos? É isso sequer plausível?

Ou, para se perceber o que está em acusa, veja-se aliás o que se passou com as coligações entre PSD e CDS. Em 2004, a coligação pós-eleitoral PSD e CDS, assente num compromisso datado apenas de 2002 e reforçado nesse ano, desmoronava-se dia após dia. Os dois partidos de governo não só eram, já agora, incapazes de conter o défice como de se conter a si próprios. O resultado: eleições antecipadas em 2005.

Recentemente, em 2013, no auge das dificuldades e da necessidade de compromisso e de estabilidade governativa, o que sucede? Mais uma vez, dois anos passados, a coligação PSD e CDS oferece o espectáculo televisionado de uma mistura de ministros desistentes, amuados e demissionários, de forma irrevogável. E tratava-se “apenas” do ministro das Finanças e do líder do partido de coligação… A situação teve tudo para correr mal ao governo – e supostamente fez perder uns milhões ao erário público. E só se manteve um governo em funções com maioria parlamentar não em virtude dos compromissos assinados perante a suspeita notarial do Presidente da República, mas porque o primeiro-ministro pragmaticamente teve o engenho de pôr ordem na casa e se recusou a desistir do seu parceiro de coligação, a única resposta natural à sucessão de falhas nos compromissos…

Quer o Presidente da República saber se o Bloco de Esquerda e o PCP vão aprovar no parlamento a proposta de Orçamento do Estado para daqui a três anos? 

A resposta é muito fácil. Na verdade, são duas respostas. Sim, vão aprovar. E não, não vão aprovar. Ou seja, com o que se sabe hoje, parece muito provável que venham a aprová-lo. Mas quem imaginava também que Paulo Portas, em 2013, se predispunha a colocar em causa o governo e um suposto processo de estabilização das finanças públicas por discordar da escolha de um ministro?

A resposta afinal mais decisiva só pode ser dada depois de haver governo, perante a votação do seu programa na Assembleia. Um destes dias, talvez se possa ter um Presidente que prefira o valor dos votos no parlamento ao valor dos papelinhos assinados por qualquer liderança, sempre absoluta e sempre efémera.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 

Escreve à terça-feira

Compromissos


A resposta afinal mais decisiva só pode ser dada depois de haver governo, perante a votação do seu programa na Assembleia


O Presidente da República quer acabar o mandato sem que lhe possa ser reservado o lugar de quem, ao fechar a porta, desmoronou a casa. Pelo menos a sua casa, que é sempre do lado direito. É legítimo, dir-se-á, que peça compromisso e estabilidade política a um novo governo. Mas até quando tem de valer um compromisso já necessariamente assumido pelo PS e pelos demais partidos ao votarem a rejeição do governo agora demissionário? Acha-se possível prever de modo absoluto e detalhado aquilo em que quatro ou cinco partidos acordarão num universo de quatro anos, necessariamente preenchido por surpresas e elementos desconhecidos? É isso sequer plausível?

Ou, para se perceber o que está em acusa, veja-se aliás o que se passou com as coligações entre PSD e CDS. Em 2004, a coligação pós-eleitoral PSD e CDS, assente num compromisso datado apenas de 2002 e reforçado nesse ano, desmoronava-se dia após dia. Os dois partidos de governo não só eram, já agora, incapazes de conter o défice como de se conter a si próprios. O resultado: eleições antecipadas em 2005.

Recentemente, em 2013, no auge das dificuldades e da necessidade de compromisso e de estabilidade governativa, o que sucede? Mais uma vez, dois anos passados, a coligação PSD e CDS oferece o espectáculo televisionado de uma mistura de ministros desistentes, amuados e demissionários, de forma irrevogável. E tratava-se “apenas” do ministro das Finanças e do líder do partido de coligação… A situação teve tudo para correr mal ao governo – e supostamente fez perder uns milhões ao erário público. E só se manteve um governo em funções com maioria parlamentar não em virtude dos compromissos assinados perante a suspeita notarial do Presidente da República, mas porque o primeiro-ministro pragmaticamente teve o engenho de pôr ordem na casa e se recusou a desistir do seu parceiro de coligação, a única resposta natural à sucessão de falhas nos compromissos…

Quer o Presidente da República saber se o Bloco de Esquerda e o PCP vão aprovar no parlamento a proposta de Orçamento do Estado para daqui a três anos? 

A resposta é muito fácil. Na verdade, são duas respostas. Sim, vão aprovar. E não, não vão aprovar. Ou seja, com o que se sabe hoje, parece muito provável que venham a aprová-lo. Mas quem imaginava também que Paulo Portas, em 2013, se predispunha a colocar em causa o governo e um suposto processo de estabilização das finanças públicas por discordar da escolha de um ministro?

A resposta afinal mais decisiva só pode ser dada depois de haver governo, perante a votação do seu programa na Assembleia. Um destes dias, talvez se possa ter um Presidente que prefira o valor dos votos no parlamento ao valor dos papelinhos assinados por qualquer liderança, sempre absoluta e sempre efémera.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 

Escreve à terça-feira