Um incêndio em 2001 deixou o rosto de Patrick Hardison completamente desfigurado e com uma aparência tão assustadora que nenhuma criança se atrevia a chegar perto dele. “Fugiam a gritar e a chorar quando me viam. Há coisas piores que morrer”, contou à “New York Magazine” quando o desafiaram a descrever como tem sobrevivido desde o incêndio no Mississípi.
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A vida de Patrick, agora com 41 anos, mudaria para sempre desde essa altura e a esperança de recuperar as linhas de um rosto humano parecia cada vez mais distante. Nos sete anos que se seguiram, o antigo bombeiro passou por uma longa caminhada cirúrgica: foram 71 intervenções, o que dá uma média de sete operações por ano.
A sua vida voltaria a dar um importante passo na luta por uma identidade. No Verão passado, as mãos de um cirurgião plástico do Centro Médico Langone da Universidade de Nova Iorque, Eduardo Rodriguez, deram rosto ao bombeiro. A doação foi de David Rodebaugh, um mecânico de 26 anos que perdera a vida num acidente. O transplante de Rodriguez foi então considerado o transplante facial mais amplo alguma vez visto: além de uma nova pele, Patrick ganhou orelhas, nariz, lábios definidos e até couro cabeludo – tudo aquilo que o incêndio lhe tinha roubado.
Patrick é o mais recente caso de como a medicina avança a passos largos, tornando real aquilo que outrora poucos ousariam pensar. Reconstruir e recuperar funções corporais, até as mais vitais através de transplantes de órgãos, é uma especialidade que se tem tornado cada vez mais abrangente e que transforma todas as partes do corpo humano: mãos, pés, couro cabeludo, rins, fígado. Hoje em dia, tudo parece ser possível.
Meses antes, em Junho, médicos dos Estados Unidos realizaram uma operação complexa que anunciaram como “a primeira no mundo”, em que transplantaram o crânio e o couro cabeludo de um doente oncológico que também recebeu um novo rim e pâncreas.
Tudo parece então possível… menos fazer transplantes de cabeça. Essa é, porventura, a última fronteira da medicina moderna, mas já há quem garanta que será possível dentro de dois anos. Embora tenha recebido muitas críticas e se possam colocar inúmeras questões técnicas, mas também éticas, o médico-cirurgião italiano Sergio Canavero está confiante de que isso é possível e que há 90% de hipóteses de tudo correr bem.
E até já tem uma data e um paciente para levar a cabo tamanha façanha: em Dezembro de 2017, na China, o paciente russo Valery Spiridonov será o homem deitado na mesa de operações a torcer para acordar (de preferência, melhor) da cirurgia. Se isso acontecer, o seu nome ficará na história da medicina – e a vida pessoal do informático de 30 anos será também ela revolucionada –, já que sofre da doença da Werdnig-Hoffman, uma atrofia muscular espinhal rara para a qual não há tratamento nem cura. Se a operação tiver sucesso, Spiridonov ganhará um novo corpo e uma vida nova. É esperar para ver.
Para já, a medicina vai dando cartas noutras experiências que apresentam sinais de sucesso. As mais recentes envolvem o desenvolvimento de cordas vocais em laboratório, com o objectivo de serem transplantadas em pessoas que tenham perdido a voz por doença ou acidente.
Cientistas japoneses anunciaram em Setembro que estariam muito perto de conseguir fabricar rins totalmente funcionais também criados artificialmente. Num estudo divulgado pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, a equipa de cientistas da Universidade Jikei, em Tóquio, explica que os órgãos, desenvolvidos a partir de células-tronco, foram transplantados em animais e que os resultados foram surpreendentes. Além de terem conseguido recriar os rins (o que, por si só, não era propriamente grande novidade), os japoneses foram capazes de desenvolver a via urinária, o que garantiu o bom funcionamento dos transplantes, ou seja, produziram urina. Em animais resultou, resta saber se poderá ter a mesma eficácia em humanos – o que, a acontecer, levará sempre uns bons anos. Ainda assim, esta descoberta poderá permitir salvar milhões de vidas que esperam e desesperam por um transplante de rim, que é nada menos que o órgão com maior procura.
E por falar em animais, já estamos cansadinhos de saber que os órgãos dos porcos são, de todo o reino animal, os mais parecidos com os dos humanos, certo? Daí até poderem ser usados em transplantes humanos é algo que não está posto de parte. Aliás, é essa a ideia de um professor de genética de Harvard, George Church, que desenvolveu uma técnica para alterar as células de ADN do porco, tornando-as compatíveis com as dos humanos. O trabalho preliminar, publicado este ano na revista científica “Science”, trata de preocupações como a possibilidade de rejeição e infecção por vírus presentes no ADN do porco. Se esses problemas forem resolvidos, a técnica pode ser a resposta para os baixos índices de doação de órgãos.
Corações mortos? Embora já seja possível fazer transplantes de coração desde finais da década de 60, uma técnica recente de reanimação destes órgãos poderá vir a tornar estes transplantes muito mais frequentes. O sistema, de-senvolvido por uma empresa com sede em Massachusetts, nos Estados Unidos, foi usado com sucesso em pelo menos 15 transplantes no Reino Unido e na Austrália, estando a aguardar aprovação para ser utilizado também nos EUA. Até agora, os corações utilizados para transplantes eram apenas extraídos de pacientes com morte encefálica; os de pacientes mortos eram considerados danificados demais para o processo.
Uma história também surpreendente é a da sueca que, no ano passado, se tornou a primeira mulher a dar à luz depois de ter recebido um transplante de útero. A mulher, que nasceu sem útero devido a um problema congénito, engravidou graças à doação de uma dadora viva, de 61 anos – portanto, já em idade não reprodutiva – com quem não tinha qualquer ligação familiar. Passado um ano da cirurgia, a gravidez resultou de uma fertilização in vitro. “Isto dá-nos evidências científicas que o conceito de transplante de útero pode ser usado para tratar a infertilidade uterina, que até agora tinha sido a última forma de infertilidade feminina intratável”, afirmou em comunicado Mats Brännström, chefe do projecto de pesquisa. O investigador destacou que o parto demonstra que são possíveis os transplantes com uma dadora viva, mesmo que já tenha passado pela menopausa.
Saltando para a África do Sul, em Março, uma equipa de médicos anunciou ter conseguido realizar com sucesso o primeiro transplante de pénis. Três meses depois da operação, o sul-africano de 21 anos, que tinha sofrido uma amputação do pénis há três anos, após uma infecção causada por uma circuncisão mal feita, recuperou todas as funções urinárias e reprodutivas do órgão, explicou o professor Frank Graewe, chefe do departamento de cirurgia reconstrutiva da Universidade de Stellenbosh. Na realidade, já tinha sido feito um transplante de pénis na China, em 2006. Apesar do sucesso da operação, o órgão teve de ser retirado devido a “problemas psicológicos do paciente”.