“Não tenho nenhum arrependimento. Aproveitei tudo o que consegui alcançar no mundo de râguebi. Estive numa final de um Mundial contra a África doSul [1995] quando um país se tornou finalmente unido. Como François Pienaar [capitão dos sul-africanos] disse: ‘Não eram 80 mil que estavam no estádio, eram 44 milhões.’”
Jonah Lomu não precisou de ganhar para se assumir como a figura que revolucionou uma modalidade, tudo surgiu de forma natural. “Tenho origens humildes. Não cresci com a sensação de que estava destinado a isto. Sabia que não importava onde estava porque podia tornar-me muito melhor. No meu primeiro dia no Wesley College, chamaram-me à parte e disseram-me: ‘O primeiro passo antes de qualquer outra pessoa no mundo acreditar, é seres tu próprio a acreditar em algo.’”
De origem tonganesa, Lomu foi aconselhado a fazer um treino de captação na equipa da escola. Não precisou de muito para convencer e nem a idade o deixou de fora, tornando-se o mais jovem de sempre a fazer parte. As características que exibia não davam margem para qualquer dúvida e aos 13 anos foi descoberto por Phil Kingsley-Jones.
A origem já não importava. Lomu tinha um talento incomparável, estava bem direccionado e já havia quem acreditasse nele. Só precisava de continuar, mostrando-se a cada semana a quem ousasse ainda não saber como era o jogador por trás de um nome de duas sílabas que se tornou lendário. De flanqueador, passou a ponta. E foi nessa posição que se estreou pelos All Blacks com 19 anos e 45 dias – mais uma vez, o mais nove de sempre, batendo um recorde que durava desde 1905.
Quando o Mundial da África do Sul começou, Lomu só tinha dois jogos pela selecção. Um mero pormenor. O impacto foi imediato e ainda a prova não tinha acabado e já Kingsley-Jones recebia chamadas de olheiros da NFL a tentarem desviar o possante e imparável neozelandês para o futebol americano. Não conseguiram. Nem sequer o fizeram duvidar, garante o então mentor e agente.
“Tudo isto porque ele era mesmo jogador. Fico triste quando ouço comparações com outros. Nunca haverá alguém como ele, da mesma forma que Muhammad Ali e George Best são únicos”, escreveu Kingsley-Jones ontem no site do “The Guardian”. “Ele conquistou o râguebi de forma arrebatadora porque era muito diferente de todos os outros. Foi cruel a forma como foi abatido por uma doença renal antes de ter alcançado o melhor momento da carreira”, continuou.
O Mundial em 1995 foi um cartão de apresentação, com sete ensaios em cinco jogos, quatro deles na meia-final contra a Inglaterra. No final dessa temporada, chegaram os problemas de rim. “Mesmo com chuva, vento e lama, quando se joga o jogo da tua vida, é a sensação do espírito de equipa que te vai marcar. Foram os meus colegas que me apoiaram quando fui diagnosticado. Foi o ponto mais baixo da minha carreira”, afirma num tributo de vídeo publicado esta quarta-feira pela SKY Sport da Nova Zelândia.
A doença não o afectou. Apesar de passar horas a fazer diálise e de as perspectivas dos médicos não serem animadoras, Lomu nunca acreditou que era impossível. “Se sonhamos alguma coisa, e se nos dedicamos a algo, conseguimos transformá-lo em realidade. A partir desse momento, o melhor é saírem da frente.” O conselho não podia ser mais útil, mas não fazia grande diferença. Lomu arranjava maneira de levar os adversários à frente e em 1999, no segundo e último Mundial da carreira, estabeleceu dois recordes que ainda não foram superados:oito ensaios numa fase final e 15 no total.
Ninguém era mais forte do que Jonah Lomu dentro das quatro linhas. Fora delas, a conversa foi outra. O estado de saúde piorou e em 2004 foi obrigado a fazer um transplante, numa altura em que a carreira nos All Blacks tinha acabado há dois anos, após 63 jogos. “Quero acabar a carreira de acordo com o que decidir. A palavra ‘impossível’ não significa nada para mim. Tive nove anos de alto nível no râguebi depois de receber este aviso mas ainda tenho assuntos por terminar. Vou dar tudo para regressar”, prometeu. Lomu ainda voltou a jogar profissionalmente, mas já não foi o mesmo. E em 2011, um ano depois de ter feito três jogos pelo Marselha, as más notícias voltaram a atacar: o corpo estava a rejeitar o transplante.
A última má notícia chegou na manhã de quarta-feira em Auckland. Com 40 anos, Lomu despediu-se da vida. Como em tudo o resto, passou a correr e demasiado rápido. Ninguém o conseguiu parar.