Uso excessivo de antibióticos. Ignorância faz 25 mil mortes na Europa

Uso excessivo de antibióticos. Ignorância faz 25 mil mortes na Europa


Dois terços da população ainda acreditam que os antibióticos curam infecções causadas por vírus, avisa a OMS. O preço da ignorância tem custado 25 mil mortes por ano na Europa.


Campanhas, alertas, chamadas de atenção – nada ou muito pouco tem resultado. A ideia de que os antibióticos curam tudo e mais alguma coisa não desaparece, por mais que as autoridades de saúde nacionais e internacionais digam o contrário. Esta é uma crença mais teimosa do que uma bactéria multirresistente. 

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Dois terços da população mundial acreditam ainda que os antibióticos são eficazes contra gripes e constipações. O inquérito da Organização Mundial da Saúde divulgado para assinalar hoje o Dia Europeu dos Antibióticos mostra que 64% dos 9772 entrevistados em 12 países estão convencidos de que estes fármacos curam infecções causadas por vírus. E 44% julgam que a resistência aos antibióticos é um problema só para quem abusa destes medicamentos.

E o preço da ignorância é cada vez mais alto e fatal. Todos os anos há 25 mil mortes na Europa na sequência de infecções. Os problemas causados pelo uso excessivo de antibióticos custam cerca de 1,5 mil milhões de dólares e vão matar em 2050 mais europeus do que o cancro, avisa a Comissão Europeia. Se não forem tomadas medidas urgentes, estamos perante uma das maiores ameaças ao combate às doenças infecciosas, que pode custar 10 milhões de vidas e 100 mil milhões de dólares em pouco mais de 30 anos, adverte por outro lado a Organização Mundial da Saúde.

Os números são  gigantescos q.b. para a directora-geral da OMS declarar que o aumento da resistência aos antibióticos é “um imenso perigo para a saúde mundial”. Está mais do que na hora de parar com o consumo excessivo e a má utilização de antibióticos, avisa Margaret Chan.

E neste problema, que atinge uma escala global, Portugal surge entre os que mais usam e abusam de antibióticos, estando entre os dez países europeus que mais prescrevem estes fármacos em ambulatório, segundo um estudo da Aliança Mundial Contra a Resistência a Antibióticos. 

Actualmente, Portugal ocupa o 9.o lugar entre os países com maior consumo de antimicrobianos da Europa. Isto faz com que estejamos também entre os europeus com taxa mais elevada de resistência bacteriana aos antibióticos. O uso excessivo levou a que, nos últimos 20 anos, o problema da resistência tenha aumentado a olhos vistos. 

Há, no entanto, um caminho que tem sido feito nos últimos anos e que também tem mostrado alguns resultados. Os dados revelados esta semana pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças demonstram um maior controlo no uso de antibióticos. O relatório põe Portugal a meio da tabela, em 15.o lugar entre 30 países. No contexto hospitalar, apesar de os dados serem só do Serviço Nacional de Saúde, está em 12.o lugar em 21.

A resistência aos antibióticos tem um enorme impacto na saúde pública: tratamentos e hospitalizações mais prolongadas, maior mortalidade e infecções mais agressivas. Em Portugal, a Direcção-Geral da Saúde calcula que cerca de um em cada dez doentes (10,7%) contraia uma infecção nas unidades de saúde nacionais, muito acima da média da UE (6%). Para estes números contribuem o mau uso dos antibióticos e as práticas de diagnóstico e profilaxia desadequadas. O problema tem raízes biológicas, técnicas e  comportamentais, como a prescrição e o consumo desadequado de antibióticos.

Em Portugal, as quilononas, família de antibióticos muito utilizada em infecções urinárias, são dos exemplos de maior resistência – um terço das bactérias já não responde a este medicamento – e dos mais consumidos no país, algo que até já levou a Direcção-Geral da Saúde a emitir no ano passado uma norma para ajustar a prescrição.

No que toca a infecções, Portugal está em sintonia com a média europeia, mas há duas bactérias que continuam resistentes: a Staphylococcus aureus e as Enterococci. A primeira é frequentemente encontrada na pele e nas fossas nasais, e responsável pela acne e celulite, mas pode levar a pneumonia e meningite. As segundas estão mais presentes nos homens e podem causar endocardite bacteriana, infecções intestinais e infecções urinárias.

Campanhas. Face a isto, a OMS e a União Europeia querem combater a ameaça em duas frentes: na prevenção e no combate. A Semana Mundial para um bom uso dos antibióticos, da Organização Mundial da Saúde, já arrancou esta segunda-feira. O objectivo é alertar sobre o uso correcto dos fármacos, visando evitar a resistência das bactérias.
Na Comissão Europeia, o combate passa sobretudo por inverter a estratégia da investigação, ou seja, reduzir o tempo de investigação de novos antibióticos que, actualmente, supera uma década. O objectivo é encontrar rapidamente novas alternativas terapêuticas, já que os antibióticos actualmente disponíveis são ineficazes para combater as novas estirpes de bactérias que surgem todos os dias.

Este panorama é especialmente preocupante tendo em conta que, nas últimas três décadas, apenas duas novas classes de antibióticos foram descobertas, ao passo que nos 50 anos anteriores foram descobertas 11. O número de antibióticos que se torna obsoleto excede, assim, em larga escala o número de novas terapias que são aprovadas.
 O crescimento da resistência antimicrobiana, combinado com a taxa de atrito no desenvolvimento de novos medicamentos, torna crucial o investimento em pesquisa e desenvolvimento, tentando assegurar que existe uma variedade de antibióticos para tratar infecções raras e comuns, recomenda Bruxelas.