António Barreto. “O PS perdeu a alma e a cabeça”

António Barreto. “O PS perdeu a alma e a cabeça”


Hoje faria uma reforma agrária diferente. E talvez não tivesse a intenção de dar terra aos pequenos agricultores.


Aborrece-o que o voto em branco não tenha expressão?

Não. A ideia de que o voto em branco corresponde a cadeiras vazias na Assembleia da República é teatro.

E, face ao que sabe hoje, o que faria de diferente?

Nunca é assim tão simples. Lamento que o PSD tenha afastado de si próprio e das suas crenças algumas preocupações que são tradição da social-democracia: o valor do trabalho, a igualdade, a nobreza da acção do Estado. Com a troika, o PSD ficou de tal maneira submisso ao fanatismo da austeridade que esqueceu estes valores. Estou desapontado com o PSD há quatro anos e muito zangado por não ter, no minuto seguinte às eleições, proposto activamente ao PS um governo a meias – que nunca quis, já não queria há seis anos, não queria há quatro e também não queria agora. Tudo isto me faria não votar no PSD.

E no PS?

Com o PS estou desalentado e desapontado, porque perdeu a vontade de ter um modelo de sociedade e padrões de vida. O PS nos últimos seis ou dez anos comprometeu-se profundamente com os negócios, com as empresas, com os grupos económicos, uns lícitos outros menos lícitos – vamos ver em que vão resultar os múltiplos processos em curso. O PS quis transformar-se em gestor, deixou-se vender a todos os valores da publicidade, do dar nas vistas, dos computadores Magalhães, das aldrabices com as Novas Oportunidades. O PS perdeu a alma e perdeu a cabeça, portanto, também não iria votar no PS. Nos outros partidos não votaria de qualquer maneira.

Então, que partido lhe falta?

Não me pergunte porque não sei. Falta que alguns destes partidos possam renovar-se. Hoje tenho mais esperança nisso do que há um ano. O que o PS vai fazer terá repercussões muito duras. O PS não é e nunca foi um partido revolucionário, só é revolucionário para meia dúzia de luminárias que andam por lá a sonhar com revoluções tardias e adolescentes. Quando perceber isso, desfaz-se, divide-se, arranja substitutos. Alguma coisa vai acontecer.

E este governo, merecia acabar assim?

Creio que houve alguma ingratidão na maneira como o PSD foi afastado. Apesar de tudo o que fez de errado, também prestou algum serviço ao país: na gestão financeira, na gestão das finanças públicas, na gestão da crise que estávamos e estamos a viver. Nos últimos doze meses houve alguns sinais de que as coisas estavam a começar, muito vagarosamente, a ficar melhor. Há um ano pensava que o PSD ia ser corrido do governo ainda com mais despacho e acreditava que se justificava que o eleitorado tivesse alterado o sentido de voto, dadas as dificuldades destes quatro ou cinco anos. E houve arrogância, houve erros, pouco diálogo, pouca sensibilidade. O governo não percebeu que estava a tratar com 10 milhões de pessoas e os disparates que disse sobre o desemprego e sobre a emigração estavam a merecer uma corrida. Mas, ao mesmo tempo, fizeram um tão grande esforço, um tão grande trabalho para tentar nestes quatro anos obter alguma coisa nova e diferente, que é ingrata a maneira como foram despedidos. Merecia um pouco mais de respeito e de reconhecimento.

Define-se como um liberal de esquerda. O_que é isso?

Dou ao termo liberal um conteúdo sobretudo cultural. Tenho um conceito muito extenso de liberdade de expressão, de criação. Tudo o que seja controlo de informação ou da expressão individual e política e cultural faz parte de um universo que não reconheço. Depois, sou liberal nos costumes privados. Tudo o que seja feito na arte, no amor, no sexo, a liberdade, na cultura, no desporto, com vontade, com competência, com alegria, com responsabilidade própria, sou totalmente aberto, não quero regulamentar a vida dos outros, de todo em todo. E na área económica aceito que alguns mecanismos são mais eficazes na resolução das imperfeições do mercado do que as pessoas nomeadas pelo governo. Ou seja, acredito que o melhor preço para este cinzeiro não me vai ser ditado pelo director-geral dos cinzeiros mas por A, B e C que produzem os cinzeiros que eu vou poder escolher. E sou de esquerda porque a desigualdade social fere-me pessoalmente, não vivo bem com os pobres, os analfabetos, os sem-abrigo. Queria distinguir-me entre pessoas iguais a mim e não abaixo de mim. Depois sei que os mecanismos de mercado levados ao limite produzem desemprego, fome, analfabetismo, e acredito que o Estado tem uma intervenção de redistribuição e igualização.

O que espera do governo que aí vem?

Espero três, quatro ou cinco meses de bodo, em que todas as possibilidades que existem de reembolsar, devolver, aumentar, criar benefícios vão acontecer. As duas muletas do PS têm de se justificar aos seus eleitorados, que devem estar mais surpreendidos do que o do PS – que estava farto de estar fora do poder e disposto a ir para o governo fosse como fosse. Depois vão queixar-se, mas isso será depois. E rapidamente vão começar a existir tensões entre as finanças externas e as finanças internas, porque o protectorado ainda não acabou. Precisamos do apoio do BCE, ainda temos de pagar juros, ainda temos de submeter orçamentos a Bruxelas, respeitar tratados e vamos entrar em conflito.

Que tipo de conflito?

Por exemplo, foram criados cinco grupos de trabalho, vamos ter cinco minigovernos: um para o endividamento, outro para as finanças públicas, outro para a segurança social… Isto só entre o PS e o Bloco. Estes cinco grupos de trabalho vão fazer pressão sobre o governo para fazer o que o Bloco quer. O PC prefere ficar de fora, o Bloco é mais novo, ainda está na fase das associações de estudantes. A frase que estou mais à espera de ouvir vai ser dita ou pelo Bloco ou pelo PC e é esta: “Não foi para isto que nós fizemos o acordo com o PS”.

Qual o objectivo do PC neste acordo?

É receber um certificado democrático, que não tinha, e liquidar o Bloco. O PC não aplaude um discurso do Bloco, nem olha para eles. O Bloco, por seu lado, já percebeu que não consegue crescer à esquerda, só à direita. Em oito anos, só cresceu graças aos costumes, ao sexo, à droga, todos aqueles temas a que eles chamam fracturantes e que provocam uma crise enorme dentro do Partido Socialista. O que realmente põe o PS de pantanas são os ataques do Bloco nestas áreas. O Bloco já percebeu que não consegue tirar votos ao PC, quer dividir o PS e ir lá buscar os 5% ou 10% que lhe faltam para ser um partido com expressão. O PS acredita que pode ir buscar eleitorado tipicamente do PSD, sobretudo pensionistas, que são 2500 milhões. Isto e a tentação de o PS fugir para a frente vai obrigar a que haja eleições daqui a seis, 12, 18 meses.

Qual é o maior perigo, com o PS?

O maior perigo é um segundo resgate. Será ferocíssimo e deixará as pessoas desfeitas.

O PS está dividido, mas mesmo aqueles que de alguma forma se rebelaram votaram a favor da moção de rejeição. A disciplina de voto faz sentido?

Há 40 anos que defendo que não devia haver disciplina de voto. Antigamente só havia no PC, hoje existe em todos os partidos, é preciso assinar uma declaração, o que sempre achei infame, e só excepcionalmente é permitida a liberdade de consciência – em casos como a religião, o sexo e a morte. O aparelho político português está feito para os partidos colectivos, não está feito para os indivíduos. Isto é uma infâmia obsoleta. Na Índia, por exemplo, há pais de família que vão votar com um maço de votos, com a família toda atrás: aqui estão 63 votos. Por isso se chama a chapelada.

Falou numa promiscuidade entre a esquerda e os negócios. Porquê a esquerda em particular?

Porque a direita é mais rica, em geral. A direita sai mais da economia privada, das empresas, dos patrões. Teoricamente, a esquerda sai mais dos sindicatos, da classe média, dos funcionários públicos. A ligação económica entre a política e a direita é estrutural. Existe uma velha frase, que não faço minha mas repito, que diz: “A direita tem dinheiro, a esquerda tem ideias.” A esquerda, que tem pouco acesso aos meios de fortuna, seja pessoais seja de empresa, tem de fazer por isso. Tem de ir buscar encomendas, contratos, concursos, nomeações. Portanto a esquerda utiliza as vias do Estado para tentar aproximar-se dos interesses. Nos últimos dez a 15 anos vimos uma esquerda mais promíscua nos negócios.

Diz-se de esquerda, mas hoje os seus artigos são partilhados pela direita. Parece que trocou com Pacheco Pereira, que agora é uma figura muito apreciada pela esquerda.

Não vou comentar pessoalmente Pacheco Pereira. Gosto muito dele e vejo-o de vez em quando na “Quadratura”, dou-me muito bem com ele e respeito-o muito, mas não vou comentar.

Identifica-se com as posições que ele toma?

Há uma coisa com que me identifico, que é a evocação que ele faz de alguns valores da social-democracia. Parece que a social-democracia é só a gestão do capitalismo. E não é. A social-democracia também faz gestão do capitalismo, mas é outra coisa. E uma das pouquíssimas pessoas que recorda que o código genético da social-democracia não é esse é Pacheco Pereira. Nisso identifico-me com ele e respeito-o por isso.

Continuam a falar regularmente?

Quando estava na fundação convida-
va-o todos os anos para fazer qualquer coisa, uma conferência, comentar um livro, um colóquio, ele trabalha muitíssimo. Há ano e meio vemo-nos pouco.

E no seu caso sente-se confortável com os elogios que vêm da direita?

O meu ideal de vida é ser independente. Há valores da esquerda que prezo muito, como a luta pela igualdade. Há valores de direita, como a liberdade individual, que prezo. Há muitos anos que sou crítico da esquerda e há muitos anos, quando era militante, já era crítico de a esquerda vender barata a liberdade individual. Tem uma tendência para o agrupamento, para o sindicato, para a malta. Eu gosto mais da liberdade individual e isso hoje está conotado com a direita.

Ainda vamos vê-lo a votar no PSD…

Não vê não. Há gente que me considera de esquerda e outra de direita, mas eu gostaria de ter tantos de um lado como do outro. Significa que há valores na esquerda que desprezo e outros que prezo e que há valores na direita que prezo.

Que valores da direita despreza?

A hierarquia, a família como fonte acima de tudo – do mérito, da honestidade – e, em boa parte da direita, a religião.

Neste anos acho que nunca falámos sobre religião…

Começo por dizer que sou ateu.

Graças a Deus?

Não, não. Sou ateu, ponto final. A maior parte da população nos últimos 10 mil anos é religiosa, é crente nalguma coisa. A religião talvez tenha sido a maior fonte inspiradora de arte. Sem ela não teríamos música, catedrais, pintura. Portanto há qualquer coisa na religião que é um sentimento fortíssimo da humanidade que eu não posso senão respeitar e até apreciar. Depois a religião – nem todas – meteu-se na política, fez a política. E houve uma que a meu ver foi mais longe e fez melhor que qualquer outra os passos essenciais: um foi o princípio da individualidade, e depois a separação entre Deus e César. Quem foi mais longe na separação entre o poder político, da Constituição, e da Bíblia, se quiser, foi a religião cristã, e isso agrada-me. Não sou religioso mas vivo muito bem com a religião.

Alguma vez rezou?

Quando tinha 15 anos, quando era miúdo.

Teve uma educação religiosa?

Sim, os meus pais era religiosos, eu pertenci à JEC – Juventude Escolar Católica, fui dirigente.

Quando se dá a ruptura?

No fim da adolescência, quase pode ser datado de 1958, tinha 16 anos. Houve qualquer coisa que se desencadeou em mim, que foi a campanha de Humberto Delgado. Foi tudo junto: religião, política – deixei de ser de direita (deixei de ser… o que é que eu era aos 15 anos?) –, passei a ser do reviralho, republicano, socialista se possível, comunista, revolucionário, tudo o que fosse dessa área.

Do contra.

Do contra. Já lia muito, mas passei a devorar livros que me ajudassem nessa via, passei a namorar, fui para Coimbra para a universidade para namorar, para fazer teatro, para fazer política… Em dois anos foi tudo por atacado, um pacote de fim da adolescência e de iniciação da vida adulta.

Foi nessa altura que foi para um campo agrícola em Inglaterra?

Sim, foi em 59. Eu e o meu irmão, o Nuno, pintor, inscrevemo-nos em campos de trabalho onde se ganhava alguma coisa, em Norfolk, Inglaterra. Havia enormes quintas que produziam toda a espécie de frutas e vegetais e tinham uma fábrica que congelava ou processava os produtos agrícolas. Acabámos por ficar lá cinco semanas e mais um bocado e trabalhávamos a apanhar couves, morangos, tomate, feijão-verde. Éramos uns 30 vindos da Europa, franceses, italianos, e ganhávamos à caixa, meia libra. Uma altura fizemos greve, porque quando apanhávamos feijão-verde era cá em cima, mas havia outras coisas que eram apanhadas no chão, era mais difícil, queríamos ganhar mais dez cêntimos. Os patrões cederam e durante quatro ou cinco dias andámos a ganhar um bocadinho mais.

Também dormiam lá?

Havia dois ou três barracões muito grandes onde dormíamos e comíamos. O almoço eram sandwiches em pão fatiado e o jantar comida a sério. Eu um dia lá fiz um arroz de bacalhau ou qualquer coisa assim, saiu horrível. Namorava-se muito, dançava-se muito, todas as noites havia festa e bebia-se cerveja.

Passando para outro baile, como olha para as filas de gente para ouvir falar José Sócrates?

Sobre Sócrates não vou falar. Digo apenas que penso que ele está a fazer o que prometeu, que é fazer deste caso um caso político. Estou convencido que o desenvolvimento disto é que é inevitável que ele queira voltar a fazer política, daqui a um ou daqui a cinco anos.

Vê-o como ganhador?

Tudo depende do julgamento. Se houver ou não e se ele for ou não absolvido.

O facto de haver um governo de esquerda pode ter influência no processo?

Isso é para ver. Se o governo de esquerda durar anos, o que não acredito, é possível que tome decisões que alterem o que existe hoje em termos judiciários. Porque também não acredito que o governo tenha intervenções directas, à bruta. Se houver essa alteração, o que quero saber é se a acção judiciária e policial e de investigação relativamente aos poderosos é reforçada, se é deixada tal qual ou se é diminuída.

Tem uma empresa, ou algumas acções, no sector dos vinhos, a Lavradores da Feitoria. Como é que aconteceu?

A Lavradores da Feitoria é uma empresa no Alto Douro, de uma aldeia perto de Vila Real, constituída por 16 produtores que juntam os seus vinhos, uns produzidos por eles próprios, outros na adega comum da empresa, tão moderna como as melhores do mundo. Uma solução genial, porque vendem à empresa de que são accionistas, vendem a eles próprios. Mas se as uvas não forem boas não compram, o que dá um grande sarilho. No mês de Setembro temos a reunião da vindima, em se decide por quanto se compram as uvas, que querem comprar o mais barato possível, e em Fevereiro decidem-se os preços do vinho, que querem vender o mais caro possível… Aos mesmos. Alguém teve a ideia de eleger uma pessoa de fora – eu – para presidente da assembleia geral. Respeitam-me muito, que não sou produtor de vinho, embora gostasse. Gosto muito de lá ir, sou da região e escrevo sobre o Douro. O facto de ter andado na política também ajudou.

Para muitos, a reforma agrária que conduziu continua a ser o seu calcanhar de Aquiles. Hoje teria feito da mesma maneira?

Sempre fui defensor da reforma agrária em Portugal, trabalhei nas Nações Unidas, no Instituto de Investigação sobre questões Agrárias e Sociais e sobre a reforma agrária nos países da América Latina e no Norte de África e sempre foi para mim uma ideia muito nobre e generosa expropriar os grandes proprietários e distribuir a terra pelos pequenos.

Com que direito?

Pagando. Se for uma reforma agrária muito moderada, não quer vender, não vende, acabou-se. Se for muito radical, é obrigado a vender. E se for ainda mais radical, que foi o que aconteceu em Portugal, fica sem nada e não lhe pagam, o que é pura e simplesmente infame. Num ano foram ocupados 1200 milhões de hectares no Alentejo e no Ribatejo, tiraram máquinas, gado, armazéns, cereal, cortiça, tudo. Foi uma reforma agrária de esbulho. Ia acabar mal.

E qual era a sua ideia?

Quando o PS ganhou as eleições, o Alentejo estava por conta do Partido Comunista, que governava as ruas, fazia policiamento público, controlava preços, era um estado dentro do Estado. Coube ao primeiro governo e a mim desfazer isto. Um dia vieram dizer-me que eu tinha andado 20 anos a sonhar tirar a terra aos ricos para a dar aos pobres e afinal estava a tirá-la aos pobres para a devolver aos ricos. Não respondi, achei que era uma anedota, mas havia ali qualquer coisa de verdade.

Desocupou os comunistas…

Estive um ano neste trabalho: fazer uma lei nova, desocupar os comunistas de todos os cargos – estavam em todo o lado, assentos da reforma agrária, direcções gerais, direcções dos serviços, cooperativas, até no Banco de Portugal, que pagava as UCP (unidade cooperativas de produção). A lei anterior à minha permitia que um proprietário com mil hectares ficasse com 200 hectares para si, mas tiraram-lhe tudo, até roupa. Enquanto a nova lei estava a ser produzida, apliquei a anterior e pedi à GNR ajuda para entregar as reservas, mas vinham os sindicalistas para impedir que as terras fossem entregues. Às minhas ordens, a GNR saiu 400 ou 450 vezes para regularizar situações destas. Houve algumas escaramuças, mas nunca morreu ninguém, pela simples razão de que se decidiu que não se utilizariam balas de guerra. Do outro lado não sabiam.

A decisão foi sua?

Foi minha e pedi ao Presidente da República, Ramalho Eanes, ao ministro do Interior, da Administração Interna e aos chefes da Defesa. Houve uma série de reuniões, parte no meu ministério, parte em Belém, e foi decidido não usar balas reais. Fizemos uma coisa que o PC exigia que não se fizesse, que era usar o que eles chamavam “aparato fascista”, metralhadoras, jipes, chaimites. Quanto mais mostrávamos, menos tínhamos de usar. Com o fantástico Jaime Neves, chefe dos comandos da Amadora, que eu conhecia de Vila Real, a quem expliquei que gostava que houvesse uma operação que mostrasse ao Alentejo que as Forças Armadas estavam com o regime. E o Jaime Neves, que era um bocado abrutalhado, diz-me assim: “Ó senhor ministro, o senhor quer que a malta vá dar uma mijinha debaixo de um chaparro?” Exactamente, dizia eu. Três dias depois soubemos que 40 e tal comandos e pára-quedistas tinham estado a sobrevoar várias zonas do Alentejo, paravam num montado, faziam a “mijinha”, entravam no helicóptero e vinham embora. O Alentejo ficou a saber que os comandos estavam connosco, o que ajudou imenso.

Hoje, quando olha para trás, faria alguma coisa de maneira diferente?

Acho que sim, mas não sei o quê. Havia ali um estado comunista dentro de um Estado e tinha de ser desmontado peça a peça. Havia uma lei segundo a qual quem estava dentro de um determinado perímetro, a que se chamava ZIRA – Zona de Intervenção da Reforma Agrária – não tinha direito de propriedade. Isso não era aceitável. Agora será que eu teria a mesma intenção de distribuir a terra por pequenos agricultores? Com o passar do tempo dei-me conta de que já não havia pequenos agricultores – e não se podem inventar. Muitos o que queriam era um salário ao fim do mês, não tinham tradição agrícola nenhuma, e quando havia emprego na construção civil nem hesitavam. Com o sistema montado pelo PC, o crédito agrícola de emergência, todos ganhavam, mesmo que não existissem, mesmo que não trabalhassem.

Hoje está mais em casa, vê televisão?

Quase todos os dias, as notícias das oito. Como estou muito em casa porque estou reformado, é provável que às 10 da manhã vá espreitar um canal de notícias. E descobri um canal que me acompanha muito a trabalhar, o Mezzo – daqui a meia hora vai dar a “Tosca”. Descobri outro grande prazer, que são as séries.

Quais?

“Hill Street Blues”. Depois veio uma coisa chamada “NYPD”, o “LA Law” e outras tantas e comecei a perceber que o cinema estava a ceder e as séries de televisão iam ser o futuro. As boas séries estavam a ter uma importância do ponto de vista político, cultural, social, filosófico até, tão grande como o melhor romance, o melhor cinema. O problema são os horários. Agora já aprendi a gravar, mas o que faço é encomendar na Amazon. Acabei de encomendar o “The Affair”. E com a Mena vejo um episódio por noite.

Também há muitas séries políticas. Por cá, sabe quem será o Presidente que vai ter de descalçar a bota?

Continuo a pensar que até ao fim deste mês é possível haver surpresas. Nunca excluí totalmente a hipótese de António Guterres se apresentar. Nunca excluí totalmente a hipótese de Durão Barroso se apresentar. São dois nomes fortes, dois nomes com eleitorado. Mas penso que as presidenciais vão ser um procedimento superficial. Em Portugal o Presidente da República deixou de ter importância.

Ter estudado e trabalhado na Suíça foi importante para si?

Foi importantíssimo para a minha vida. Foi como se ressuscitasse. Chegar à Suíça, viver num país muito mais desenvolvido que Portugal, ver como funciona uma comunidade que tem 26 estados, com 26 ministros da Educação, 26 polícias, é difícil de entender. O ano escolar começa em datas diferentes, mas tudo isto se combina.

E defeitos que tenha notado?

Os suíços podem ser muito fechados, muito introvertidos e pouco imaginativos. Podem não gostar de estrangeiros e são menos liberais nos costumes que os holandeses. Quando são ricos têm obras de arte maravilhosas mas não as mostram a ninguém, escondem tudo.

Conheceu pessoas assim?

Conheci. Os suíços podem ser muito fechados. Têm Monets e Picassos na parede, coisas fabulosas, mas só eles é que os vêem.

São ricos mas não usufruem plenamente da sua riqueza?

Se considerar que olhar para os quadros é usufruir, usufruem. Mas às vezes até põem as obras fechadas no cofre de um banco. 

Leia aqui o início desta entrevista: 

http://www.ionline.pt/artigo/480391/antonio-barreto-houve-alguma-ingratidao-na-maneira-como-o-psd-foi-afastado-?seccao=Portugal_i