“A Ganhar ou a Perder”. Um teste de sportinguismo

“A Ganhar ou a Perder”. Um teste de sportinguismo


O jornalista Mário Lopes escreveu um livro que nos diz como é ser sportinguista durante uma época. São relatos da temporada 2014-2015, sobre jogos que já lá vão mas com o nervo que não costuma ter prazo de validade. Quisemos testar o sportinguismo do autor. Rui Miguel Tovar, o nosso especialista nas coisas em geral e…


Em que cidade é que o Sporting ganhou a Taça das Taças? 

A mítica Taças das Taças, que só o Sporting ganhou e que nenhum outro clube português ganhará, foi vencida em Antuérpia, na finalíssima com o MTK de Budapeste, herdeiro da histórica selecção húngara da década de 1950, e foi decidida por esse grande defesa e interior-direito que era Morais. Foi o final de uma competição absolutamente épica. Não era vivo, mas era como se fosse. Estive lá na maior goleada de sempre das competições europeias, a do Sporting ao Apoel, 16-1, obrigado Mascarenhas e Osvaldo Silva, estive lá na maior reviravolta de sempre, a do 1-4 em Manchester para o 5-0 em Alvalade, perante o United de Charlton, Dennis Law, Stiles e George Best, estive lá no sofrimento dos jogos de desempate com o Atalanta e com o Lyon. E, no final, levei a taça ao Hilário, melhor defesa-esquerdo da nossa história, que recuperava no hospital de uma perna partida, e agradeci ao senhor Anselmo Fernandez, arquitecto tornado treinador para trazer a Taça das Taças para Alvadade. Com o Sporting só assim faz sentido. Tem de ser épico, tem de envolver sofrimento, é sempre inesquecível. 

Qual era o resultado ao intervalo do Sporting-Benfica dos 7-1?

Ao intervalo o resultado já era, naturalmente, 7-1. Assim é com os jogos que se tornam maiores que o seu contexto. Claro que neste caso o contexto interessa. O Sporting não passava um bom momento, e não acabou essa época propriamente bem, portanto o jogo ganhou à época muita relevância para o ego sportinguista, mas na verdade que interessa isso quando estamos perante a maior vitória de sempre perante o grande rival? Lembro-me de andar a passear, criança, pela serra da Lousã. Lembro-me de ouvir muitos golos gritados por outros passeantes acompanhados de um rádio. E lembro-me de o meu pai, benfiquista, perguntar ao balcão do café onde parámos no regresso a casa qual tinha sido o resultado do jogo, porque na televisão surgia inscrito “7-1”, e naturalmente o meu pai achava que o responsável pela inserção de dados da RTP tinha cometido um erro. Não tinha. O jogo começou 7-1, acabou 7-1. Ainda hoje é 7-1.

Quantos golos marcou Jardel em 2001-02 (todas as competições)?

O Jardel, o melhor ponta-de-lança que vi jogar no meu tempo de vida, tão inexplicavelmente bom que os totós dos clubes europeus mais endinheirados acharam que havia ali qualquer coisa que não batia certo e portanto perderam o privilégio de o ver jogar com as suas camisolas pagas a peso de ouro – ganhou o futebol, perdeu o dinheiro, ganhámos nós, portanto –, marcou 42 golos nesse campeonato que iniciou gordo como um texugo, mas a marcar com eficiência de homem muito ágil e elegante. Marcou também, isso é certo, o golo da final da Taça contra o Leixões, e vi no estádio os 3 que meteu na baliza dos pobres diabos do Mydtjylland, em Alvalade, e é quase certo na minha memória que tinha marcado um também na Dinamarca – o outro foi do Phil Babb. Portanto, aos 42 que lhe permitiram igualar a segunda melhor marca do mago argentino Yazalde e a melhor do imortal Eusébio, já tenho mais cinco a juntar. Dá 47. Considerando que falamos de Jardel, diria que, no total da época, marcou 300 e tal golos, valor semelhante aos marcados ao longo da sua carreira pelo maior ponta-de-lança da história do futebol, como dizem as estatísticas da FIFA e como me disse o meu avô, que nunca me mentiu. Falo, claro, de Fernando Peyroteo.

Quantos jogadores formados pelo Sporting ganharam a Bola de Ouro?

Esta tem resposta fácil. Quatro. Luís Figo, de penteado tão inexplicável enquanto no Sporting quanto inexplicável era o seu talento, Cristiano Ronaldo, vulgo o melhor do mundo, Eusébio da Silva Ferreira, formado no Sporting de Lourenço Marques, onde aprendeu tudo o que tinha para aprender antes de ir fazer história no grande rival Benfica, e Pedro Barbosa, que não foi formado no Sporting, mas, visto em retrospectiva, é como se tivesse sido. Também é certo que nunca ganhou oficialmente uma Bola de Ouro, mas isso nada tem a ver com o seu génio magistral, o génio mais genial que vi num campo de futebol, mas com a cegueira óbvia do pessoal que atribui estes prémios. Perante os meus olhos e a minha memória, Pedro Barbosa ganhou mais Bolas de Ouro que qualquer outro jogador na história do futebol.  
Quem foi o primeiro jogador do Sporting a ganhar a Bota de Ouro?

O primeiro foi, claramente, Francisco Stromp, rapaz nascido no Intendente, avançado, adepto e dirigente faz-tudo, símbolo máximo do espírito sportinguista. Depois Peyroteo, o melhor avançado do história do jogo, como já referi. Seguiu-se Lourenço, que a venceu pelos quatro golos marcados no derby na Luz de 1965, um deles um chapéu só ao alcance dos predestinados, e que, em vésperas do Campeonato do Mundo, garantiu que o Sporting seria campeão. Alguns anos depois chegou Yazalde, oficialmente o primeiro Bota de Ouro da história do Sporting. 

Como se chamava o treinador do Sporting na dobradinha 1981-82?

Big Mac. Malcolm Allison. Treinador que é a razão, juntamente com Bobby Robson, a minha maior alegria, quando chegou, e o maior desgosto, quando foi despedido, e Randolph Galloway, tricampeão na fase final da equipa dos Cinco Violinos, pela qual acho que qualquer treinador inglês no Sporting se arrisca, se não a ser campeão, pelo menos a dar imensas alegrias aos sportinguistas. E eu sei que existiu Keith Burkinshaw, mas esqueçamos isso. Com treinadores ingleses jogaremos bem, e isso para os sportinguistas, para quem a estética e o romantismo estão acima de tudo, é o mais importante. 

Quantos penáltis defendeu Rui Patrício na final da última Taça de Portugal?

Enquanto sofria de pé num dos topos do Jamor, transformados de forma improvisada em peão, agarrei-me à minha primeira memória de Rui Patrício, a dele a defender um penálti nos Barreiros que nos garantiu a vitória, para serenar um pouco. Fiz bem. Os registos dizem que defendeu um, como nesse jogo contra o Marítimo, mas julgo que devemos atribuir-lhe a defesa nos três penáltis falhados pelo Braga. Depois da primeira defesa, tão coxo quanto enorme entre os postes, os jogadores do Braga ficaram tão angustiados frente à baliza que já sabiam o que ia acontecer. Iam falhar. Como falharam. Obrigado, Patrício, o da camisola preta como a do maior de sempre, Vítor Damas.

Quantos golos marcou Pedro Barbosa num 4-0 ao Maccabi Haifa, em Alvalade?

Pré-eliminatória da Liga dos Campeões, competição que eu, na minha inocência, tinha então em boa conta. Ainda não tinha percebido, e a Liga dos Campeões ainda não se tinha tornado esta horrorosa competição em que dezenas de equipas históricas e digníssimas fazem figura de corpo presente para que o dinheiro circule e enriqueça os mesmos de sempre, dos mesmos campeonatos. Nesse jogo, Pedro Barbosa foi magistral como era hábito e despachou os bons israelitas de Haifa com três golos. Não me lembro quem marcou o outro. Mas três foram do Barbosa. Já disse que é o melhor jogador que já vi pisar um relvado? Já? Então reafirmo-o. Melhor jogador de sempre. Foi para o seu nome que se inventou Zidade, o Pedro Barbosa francês. 

Qual o resultado da 2.ª mão do Sporting-Apoel Nicósia para a Taça das Taças 1963-64?

Depois do 16-1, o pessoal cipriota achou que não valia a pena voltar a casa e jogou de novo em Portugal. Perante o estrondoso resultado da primeira-mão, ninguém se lembra do segundo jogo. Eu também não tenho a certeza. 4-1? Hmmm… Tenho ideia que não marcaram qualquer golo. 3-0?

Resposta certa: Apoel 0, Sporting 2

Que jogador do Sporting foi eleito o melhor do Mundial sub-20 em 1991?

Nessa selecção o Sporting tinha Figo, tinha Paulo Torres, tinha Peixe. Citando os três nomes hoje, a resposta parece óbvia. Só pode ter sido Figo. Mas não. E também não foi o lateral-esquerdo de remate fulminante. Foi Peixe, o trinco moderno, tampão à frente de defesa e com bons pés para lançar o ataque, o jogador que passaria depois por Sevilha, Benfica e Porto sem atingir o mesmo brilho, que saiu do campeonato como melhor jogador do mundo com 20 anos. O futebol é fascinante, não é?

Quem foi o último sportinguista a sagrar-se melhor marcador do campeonato nacional?

Li! Edson! Li! Edson! Quando vezes gritei estas sílabas assim separadas no novo Alvalade, aquele em que foi rei o pequeno grande avançado que cresceu em Valença, Bahia – coisas das viagens da vida. Tirei uma foto frente ao supermercado onde ele trabalhava antes de se dedicar ao futebol. Faltou-lhe um campeonato para que tudo tivesse sido perfeito, mas quem quer saber de campeonatos quando temos a memória cheia de golos, de matreirice muito sábia e de talento inexcedível – a passagem pelo Porto é uma nota de rodapé ilegível no seu percurso. Enorme Liedson. Inesquecível. Todos juntos: “Li!” “Edson!”, “Li!” “Edson!”