O governo concluiu a reprivatização da TAP em tempo recorde, tendo ontem em Conselho de Ministros aprovado a minuta final do processo de venda de 61% das acções ao grupo Gateway. “Urgente e inadiável”, diz-se à direita, “ilegal e inconstitucional”, diz-se à esquerda.
A venda da TAP, apesar de não constar do acordo assinado terça-feira entre PS e os demais partidos à sua esquerda, parece ser um dos assuntos que avivam ainda mais as linhas de fronteira neste novo quadro parlamentar.
Os socialistas não fecham a entrada de capital privado, mas defendem que o Estado deve deter a maioria das acções da empresa, 51%. Já os demais partidos que na Assembleia da República acordaram apoiar um governo de iniciativa socialista, Bloco de Esquerda (BE), PCP e Partido Ecologista os Verdes, defendem que o Estado deve deter 100% do capital. Ainda assim, parecia ser pacífica a questão desde que se assegurasse a participação maioritária da empresa. Só que o processo de privatização precipitou-se e a adopção de medidas de reversão deste processo acarreta custos que podem pôr em causa a fronteira orçamental que o próprio PS se compromete a cumprir.
Na quarta-feira os deputados socialistas lançaram um apelo, por carta, ao presidente da Parpública (Sociedade Gestora de Participações Sociais de capitais exclusivamente públicos), pedindo-lhe não assine os documentos para fechar a venda dos 61% da TAP ao consórcio Gateway (de Humberto Pedrosa e David Neeleman), alegando não estarem reunidas “as condições legais nem políticas para que se mantenha este processo de reprivatização”.
Só que entretanto o Conselho de Ministros, como noticiou o i, decidiu, apesar da condição de governo de gestão, aprovar a minuta final do acordo para a conclusão do processo de privatização da TAP e ao fim da tarde na Parpública as partes assinavam o acordo de conclusão da venda.
O primeiro a reagir foi o PCP, pela voz do seu líder parlamentar, João Oliveira, que sustentou que o “XX Governo Constitucional está limitado ao exercício de funções de gestão”, considerando por isso que devem ser tomadas medidas para que a “decisão política quanto ao desfecho deste processo seja assumida por um governo em exercício pleno das suas funções”. Considerou por isso que esta conclusão da venda é “ilegítima política e constitucionalmente”.
Também Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, defende não ter este governo “legitimidade para fazer uma privatização” e que se trata de uma matéria que “o Presidente da República deveria assumir, dado que está nas suas mãos agora uma decisão fundamental para o futuro do país”. Pedro Filipe Soares defende que “começa a ser cada vez mais incompreensível para o país que o Presidente não faça o óbvio, que não convoque os partidos, que não decorram todos os trâmites para dar posse a um novo governo”. O líder parlamentar do BE defende ainda que “um governo demitido e em gestão não pode fazer uma privatização”.
À direita, o PSD reagiu defendendo e justificando a decisão do Conselho de Ministros. O deputado Luís Leite Ramos defendeu ser “uma decisão que visa antecipar a injecção de 150 milhões de euros pela Gateway na TAP porque a situação de ruptura iminente de tesouraria põe em risco a situação da empresa”. O social-democrata sustentou ainda que, “como está previsto na Constituição, perante uma matéria desta natureza, urgente e inadiável, o governo se limitou a junto da Gateway conseguir aquilo que estava a ser realizado em Julho do próximo ano”.
O acordo de venda directa da TAP assinado a 23 de Outubro de 2015 previa um prazo máximo de 12 meses após a assinatura para a conclusão do processo de privatização, que agora o governo em gestão decidiu antecipar.
Segundo Luís Leite Ramos, “uma decisão remetida para mais dois ou três meses, essa sim poria o interesse da TAP e dos seus trabalhadores em risco”.
O grupo parlamentar do PCP apresentou ontem na Assembleia da República um projecto de lei para cancelar e reverter a privatização da TAP, anunciou João Oliveira.
Não se sabe qual será a posição do PS relativamente à votação neste projecto de lei, mas sabe-se que entretanto Mário Centeno, o economista e deputado socialista apontado como futuro ministro das Finanças de um eventual governo de António Costa, não está sensível a uma reversão do processo de privatização da TAP, pelos custos que isso comportaria. No entanto, em declarações ao fim do dia de ontem, o Partido Socialista fazia saber que a sua posição relativamente a esta matéria se mantém como é referido no programa, isto é, que defende que 51% das acções da TAP devem estar nas mãos do Estado, mas recusa-se a reverter o processo de privatização. Admite tudo fazer para que o Estado venha a deter 51% da TAP – não se sabe como.
Com Lusa