Programa. As propostas do PS para governar à esquerda

Programa. As propostas do PS para governar à esquerda


São 138 páginas de propostas para a legislatura, dezenas delas negociadas com o Bloco de Esquerda, PCP e PEV durante o último mês.


 Salários, pensões, privatizações, subsídios sociais, impostos, saúde, educação, todas as áreas seguem uma linha comum: inverter medidas tomadas nos últimos quatro anos. Eis parte das propostas que António Costa quer concretizar. Falta agora conhecer os termos do acordo político entre socialistas, bloquistas e comunistas.

Função pública
Acabam-se os cortes, voltam as 35 horas

Na função pública, a medida mais proeminente é a eliminação progressiva dos cortes salariais no próximo ano (25% por trimestre). Outra proposta a implementar no imediato é o regresso das 35 horas como período normal de trabalho, desde que isso não implique um aumento de custos. Já o descongelamento das progressões nas carreiras fica para 2018. O chamado regime de “qualificação” actualmente em vigor vai ser substituído por um “regime de mobilidade voluntária dos trabalhadores”, admitindo-se a “adopção de incentivos especiais” para promover a mudança para sectores da administração com falta de pessoal. O programa de governo do PS também prevê a “eliminação de restrições à contratação de efectivos” desde que isso não represente um aumento de custos com pessoal. 

Impostos
IRS muda outra vez, execuções limitadas

Nos impostos vai subir o número de escalões do IRS como forma de aumentar a progressividade do imposto. Em relação às regras vigentes este ano, o PSquer eliminar o quociente familiar, substituindo-o por uma dedução por cada filho, uma medida que deverá ter “efeito neutro do ponto de vista da receita fiscal”. O programa promete também uma revisão da tributação sobre o património, admitindo introduzir progressividade no IMI (imposto municipal sobre imóveis). É colocado um limite de 75 euros anuais aos aumentos do IMI em caso de reavaliação do imóvel. E é criado um novo imposto sobre heranças de elevado valor. O programa prevê a revisão de “valores desproporcionados e excessivos de coimas e juros” por incumprimento fiscal e passam a ser proibidas as execuções fiscais sobre a casa de morada de família quando as dívidas sejam de valor inferior ao do bem executado. 

Segurança social
Fim dos cortes nas pensões

“Não haverá mais cortes nas pensões.” A partir de Janeiro de 2016, a actualização das pensões, suspensa desde 2010, volta a estar em vigor. Há outra medida com impacto na Segurança Social: os trabalhadores com um salário-base inferior a 600 euros terão uma redução – progressiva e temporária – das contribuições. A descida chegará a um máximo de quatro pontos percentuais em 2018 e iniciará depois um processo de reversão que se prolongará por oito anos. A quebra de receitas será financiada pelo Orçamento. O programa avança outras medidas para garantir a sustentabilidade da Segurança Social: o aumento da taxa contributiva das empresas com elevados índices de precariedade; atribuir à Segurança Social as verbas do novo imposto sobre heranças superiores a um milhão de euros; a contribuição dos empregadores passa a abranger também os lucros das empresas. 

Combate à pobreza
Complemento salarial para os mais pobres

Prometido o reforço de vários subsídios cortados nos últimos quatro anos, o programa de governo traz uma novidade nesta matéria: a criação de um “complemento salarial” para trabalhadores que tenham um salário anual abaixo do salário mínimo. Já previsto no programa eleitoral do PS, o “subsídio” será atribuído apenas a quem declarar rendimentos de trabalho e dependerá do rendimento declarado à Segurança Social, assim como do número de filhos. Este complemento assumirá a forma de um crédito fiscal (curiosamente, uma medida que chegou a ser sugerida pelo FMI, mas como alternativa ao aumento do salário mínimo). O complemento solidário para idosos (CSI), o rendimento social de inserção (RSI) e o abono de família deverão ser repostos nos valores que vigoravam em 2011. 

Empresas
PS tenta travar privatizações

A afirmação é definitiva. Nesta legislatura “não se fará nenhuma nova concessão ou privatização”. E, resultado do acordo com bloquistas, comunistas e PEV, o governo socialista tentará reverter alguns dos processos de privatização já em curso. É o caso da TAP – “uma ferramenta de primeira ordem para a projecção internacional de Portugal”. “O governo não permitirá que o Estado perca a titularidade sobre a maioria do capital social da TAP”, diz o programa de governo socialista, apontando para uma “efectiva acção junto das instituições europeias e do mercado de capitais”. Também a privatização da EGF (empresa de gestão de resíduos) está na mira, “com fundamento na respectiva ilegalidade e desde que tal não implique o pagamento de indemnizações”. Na agenda está igualmente a “reversão das fusões de empresas de água que tenham sido impostas aos municípios”. 

Saúde 
Taxas moderadoras vão baixar 

Melhorar o acesso à saúde mental e alargar as consultas para deixar de fumar são algumas da medidas propostas pelo governo de esquerda – que propõe, a sublinhado, a revogação da recente alteração à lei do aborto. Outra das propostas passa por eliminar as taxas moderadoras nos serviços de urgência sempre que o doente seja referenciado e a reposição do direito ao transporte de doentes não urgentes. O programa compromete-se ainda a fazer uma “redução global” do valor das taxas moderadoras
e a criar, até ao final da legislatura, 100 novas unidades de saúde familiar, assegurando a atribuição de médicos de família a mais de 500 mil portugueses. No que diz respeito aos hospitais, as parcerias público-privadas serão avaliadas por entidades externas.

Educação
Mais docentes e menos exames 

Reduzir o número de alunos por turma, contratar mais professores, reabilitar o programa de formação de adultos ou aumentar o valor das bolsas de acção social no ensino superior. As medidas do antigo governo de Sócrates foram recicladas e estão de volta. Começa-se logo por reverter algumas das políticas educativas ao prometer a diminuição progressiva das turmas no básico e no secundário. Recorde-se que Nuno Crato aumentou de 28 para
30 o número máximo de alunos. Outras das medidas que podem ter os dias contados são os exames nacionais no 1.º ciclo, que vão ser agora reavaliados. Fica ainda a promessa de não só incluir mais docentes nos quadros da função pública como revogar o regime de requalificação, aplicado em Fevereiro deste ano. Ou seja, os professores com horários zero já não têm de ir para casa a receber 60% do salário. 

Justiça  
PS promete um “choque de gestão” 

O PS chama-lhe um “choque de gestão”. Foi a forma encontrada para responder às demoras na justiça.
O PS propõe-se estabelecer metas e objectivos a atingir por tribunal; lançar incentivos à produtividade; formar os magistrados em gestão e, nalguns casos, chamar os especialistas da área para organizarem, eles próprios, a casa; desmaterializar os processos e admitir transferências de casos entre tribunais. Outras hipóteses: “equipas de intervenção rápida” para os tribunais com maior sobrecarga e mais competências para os julgados de paz. O CITIUS vai ser reforçado com novas competências, os juristas e professores universitários poderão assumir a função de juízes em certos casos. OPS quer ainda “modernizar” as prisões e apostar na reinserção social dos reclusos. 

Emprego 
SMN sobe, trabalho precário na mira

Foi uma das medidas mais difíceis de negociar entre PS, Bloco de Esquerda e PCP, e por isso uma das últimas a entrar no programa. O salário mínimo vai subir no próximo ano para os 530 euros, em 2017 passará para 557, em 2018 chegará aos 580 euros e em 2019 aos 600 euros. O programa de governo prevê o reforço da fiscalização, para combater os falsos recibos verdes e outras relações laborais precárias. E fala em “limitar fortemente”
os contratos a termo (embora não especifique como isso será feito). Para o sector público em particular é apontada
a “eliminação progressiva” do recurso a trabalho precário. No caso dos trabalhadores a recibos verdes, as contribuições voltarão – como acontecia até 2011 – a ter como base os rendimentos efectivos dos trabalhadores.

Polícias 
Retirar agentes das secretárias

À semelhança do que defendia o programa do PS, o governo de esquerda quer reforçar as competências do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna. Será também criado um Centro de Comando e Controlo para garantir a operacionalidade e a erradicação de redundâncias entre as polícias. O programa promete aumentar o número de efectivos nas ruas, retirando-os de funções burocráticas, e o alargamento do estatuto da vítima de crime – com especial atenção à violência doméstica. O governo de esquerda promete ainda criar um plano a dez anos para modernizar as cadeias e uma bolsa de emprego para ex--reclusos. No que toca ao cumprimento de penas, o programa defende uma aposta nas pulseiras electrónicas como forma de diminuir a sobrelotação das prisões. 

Defesa 
Mantém-se subsistema de saúde 

As Forças Armadas, considera o documento, são “pilares determinantes”, cuja “afirmação e eficácia são muito importantes” e não dependem apenas dos equipamentos que existem, mas também passam
pela “motivação dos militares”. Por isso o governo de esquerda compromete-se a “modernizar” as Forças Armadas, criando uma unidade de cibersegurança e comprando “a médio prazo” equipamentos que possam ser usado quer na vertente militar quer na civil. O programa defende a manutenção do número de militares
e a continuidade do subsistema de saúde autónomo. O processo de instalação do Hospital das Forças Armadas é para manter, ao mesmo tempo que será dinamizado “o papel do Estado” nas indústrias de defesa.