Tooting = fazer soar um breve sinal, um alerta


You need to go home love. Todos têm de ir para casa.


Em Lisboa, um poster da superfície de Marte cobre ao comprido a parede do meu quarto vazio. Não o posso provar com uma daquelas fotografias de longa exposição que se tiram aos planetas e às estrelas, mas o mundo continuou a girar apesar de aparentar inércia, pequenas conquistas do dia-a-dia por si parecendo vãs foram acumulando momentum. Sou jovem, é verão e todos os problemas têm solução. Estou em Londres há quase 3 meses. Tenho um trabalho part-time, acabei um pequeno curso de cinema 16mm e consegui o equivalente emigrante ao cinturão amarelo duma arte marcial: abri uma conta num banco inglês. Estou imparável.

Hoje às 9h30 devia, como em todos as manhãs das últimas semanas, sair a toda a velocidade da estação de Aldgate East a caminho da Rádio onde estou a tirar um curso patrocinado pela BBC. Em vez disso, estou a apanhar uma seca num autocarro de Wimbledon para Tooting. Só se ouve falar de Tooting quando alguém deu uma facada noutro alguém, em Tooting. Estou nervoso, não quero ir a Tooting. Quero ir para a Rádio onde estou a conhecer gente, música e culturas de todo o lado e a produzir um programa de músicas do mundo, com os meus colegas das ilhas Fiji, do Bangladesh, da Austrália e da Nigéria; mas hoje não, hoje vou a caminho de Tooting a uma entrevista fundamental para todos os emigrantes que chegam a Inglaterra, pois sem esta não consigo um National Insurance Number e sem este não posso trabalhar, Bomb. mas para me darem esse número é necessário ter um trabalho. Bomb. É um loop pelo qual todos têm de passar se quiserem trabalhar legalmente. Bomb! There's a bomb!

Bomb? Uma bomba? Como assim? Dentro do autocarro soa um alarme como nunca tinha ouvido antes nem ouvirei depois. O condutor recebe uma chamada da central e descreve a situação aos passageiros. Há bombas a explodir em Londres e temos todos de sair do autocarro. Bombas? Em Londres? Mas eu estou aqui. Eu estou em Londres amigos, de onde eu venho não se passa nada, nem para bem, nem para mal. Deve haver algum mal entendido. Isso são coisas que acontecem lá longe, lá no sítio onde as coisas acontecem. Longe de mim, lá, no mundo.

Saio do autocarro. Estou desorientado, como tal procuro o conforto de uma voz feminina e autoritária. You need to go home love. É uma emergência, não sabemos pormenores, mas todos têm de ir para casa. Sabe senhora, na minha terra estas coisas não acontecem. Por detrás desta polícia, há meros 4 dias atrás o Roger Federer ganhou mais uma final de Ténis. Aqui acontecem coisas. 

Deixo para trás o anestesiado apelo à ordem que se ouve através dos altifalantes da Estação de Wimbledon e sinto que o perigo já passou. Faço a última metade da viagem para casa num comboio cheio de olhos esbugalhados; ainda não sabemos mas esta será a última vez durante muito tempo que viajaremos sem olhar desconfiados para as mochilas uns dos outros. 

Chego a casa, talvez em choque. Não fui à Rádio, não fui à entrevista de Tooting. Estragaram-me o dia. Ligo a televisão, está a dar um jogo de cricket. Penso que nunca irei aprender as regras deste jogo, o que não é verdade. Mudo para as notícias e vejo fumo a sair de estações de metro, uma das estações é Aldgate. Morreram 7 pessoas ali. Um homem fez-se explodir dentro de uma carruagem por volta das 8h50 da manhã. Nos atentados morreram 52 pessoas. A mim não aconteceu nada.

É o dia 7 de Julho de 2005.

 

Tooting = fazer soar um breve sinal, um alerta


You need to go home love. Todos têm de ir para casa.


Em Lisboa, um poster da superfície de Marte cobre ao comprido a parede do meu quarto vazio. Não o posso provar com uma daquelas fotografias de longa exposição que se tiram aos planetas e às estrelas, mas o mundo continuou a girar apesar de aparentar inércia, pequenas conquistas do dia-a-dia por si parecendo vãs foram acumulando momentum. Sou jovem, é verão e todos os problemas têm solução. Estou em Londres há quase 3 meses. Tenho um trabalho part-time, acabei um pequeno curso de cinema 16mm e consegui o equivalente emigrante ao cinturão amarelo duma arte marcial: abri uma conta num banco inglês. Estou imparável.

Hoje às 9h30 devia, como em todos as manhãs das últimas semanas, sair a toda a velocidade da estação de Aldgate East a caminho da Rádio onde estou a tirar um curso patrocinado pela BBC. Em vez disso, estou a apanhar uma seca num autocarro de Wimbledon para Tooting. Só se ouve falar de Tooting quando alguém deu uma facada noutro alguém, em Tooting. Estou nervoso, não quero ir a Tooting. Quero ir para a Rádio onde estou a conhecer gente, música e culturas de todo o lado e a produzir um programa de músicas do mundo, com os meus colegas das ilhas Fiji, do Bangladesh, da Austrália e da Nigéria; mas hoje não, hoje vou a caminho de Tooting a uma entrevista fundamental para todos os emigrantes que chegam a Inglaterra, pois sem esta não consigo um National Insurance Number e sem este não posso trabalhar, Bomb. mas para me darem esse número é necessário ter um trabalho. Bomb. É um loop pelo qual todos têm de passar se quiserem trabalhar legalmente. Bomb! There's a bomb!

Bomb? Uma bomba? Como assim? Dentro do autocarro soa um alarme como nunca tinha ouvido antes nem ouvirei depois. O condutor recebe uma chamada da central e descreve a situação aos passageiros. Há bombas a explodir em Londres e temos todos de sair do autocarro. Bombas? Em Londres? Mas eu estou aqui. Eu estou em Londres amigos, de onde eu venho não se passa nada, nem para bem, nem para mal. Deve haver algum mal entendido. Isso são coisas que acontecem lá longe, lá no sítio onde as coisas acontecem. Longe de mim, lá, no mundo.

Saio do autocarro. Estou desorientado, como tal procuro o conforto de uma voz feminina e autoritária. You need to go home love. É uma emergência, não sabemos pormenores, mas todos têm de ir para casa. Sabe senhora, na minha terra estas coisas não acontecem. Por detrás desta polícia, há meros 4 dias atrás o Roger Federer ganhou mais uma final de Ténis. Aqui acontecem coisas. 

Deixo para trás o anestesiado apelo à ordem que se ouve através dos altifalantes da Estação de Wimbledon e sinto que o perigo já passou. Faço a última metade da viagem para casa num comboio cheio de olhos esbugalhados; ainda não sabemos mas esta será a última vez durante muito tempo que viajaremos sem olhar desconfiados para as mochilas uns dos outros. 

Chego a casa, talvez em choque. Não fui à Rádio, não fui à entrevista de Tooting. Estragaram-me o dia. Ligo a televisão, está a dar um jogo de cricket. Penso que nunca irei aprender as regras deste jogo, o que não é verdade. Mudo para as notícias e vejo fumo a sair de estações de metro, uma das estações é Aldgate. Morreram 7 pessoas ali. Um homem fez-se explodir dentro de uma carruagem por volta das 8h50 da manhã. Nos atentados morreram 52 pessoas. A mim não aconteceu nada.

É o dia 7 de Julho de 2005.