Breakthrough. Um soco científico no estômago

Breakthrough. Um soco científico no estômago


Falámos com o produtor executivo da nova série da National Geographic. O primeiro episódio passa este domingo às 20h30.


Um passeio de dez minutos no centro de Londres, entre um hotel e outro, antecede um daqueles privilégios que esta profissão por vezes concede. Uma coisa do rock mas com tubos de ensaio no lugar das guitarras. Assinar uma folha, entrar para um auditório e ver o primeiro episódio de uma série que poucas pessoas no mundo viram. Falamos de “Break-through”, a nova produção da National Geographic em parceira com a GE (General Electric) que explora os últimos grandes avanços científicos e o seu impacto na humanidade.

Fá-lo com destreza e ambição, em seis episódios realizados por seis realizadores com passagens por Hollywood, em que se abordam seis temáticas distintas: pandemias em “Fighting Pandemics” (Perter Berg); neurociências em “Decoding The Brain”(Brett Renner); tecnologia ciborgue em “More Than Human” (Paul Giamatti); longevidade em “The Age of Aging” (Ron Howard); energia em “Energy From The Edge” (Akiva Goldsman); água em “Water Apocalypse” (Angela Basset). Uma fórmula distinta na abordagem a uma série científica. 

Ao episódio seguiram-se entrevistas com cientistas e com o produtor executivo Kurt Sayenga. Um senhor com história neste ramo, com um bigode cheio de estilo e uma simpatia incrível. O mesmo que começou por explicar como foi difícil escolher estes seis temas com um universo tão alargado à disposição… e, não fossem os timings complexos destas coisas, a série tinha tido 12 episódios. “Foi uma escolha difícil. Tivemos de escolher estes seis e esperar que todos concordassem, seis temas que deixassem a National Geographic interessada e que a GE também estivesse disposta a financiar. Além disso, era importante que fosse algo que os seis realizadores gostassem de explorar. Deus queira que haja outras temporadas, que possamos entrar pela cosmologia e pelas partículas físicas, entre outras coisas. Há muito por descobrir.”

Em seguida, a jornalista romena na mesa afirma que a série tem sido considerada “revolucionária”, algo que faz saltar o sentido de humor do produtor executivo imediatamente. “Meu Deus, “revolucionária” é uma grande palavra, o jornalista dentro de mim hesitaria em utilizá-la para falar de uma série de televisão… isso é marketing. O que acho interessante é ser uma tentativa de mostrar um lado científico, de laboratório, de seguir o processo do cientista e todos os seus passos, isso parece-me algo invulgar.”

Eis que chega a nossa vez. Quisemos perceber a abordagem hollywoodesca, que, não sendo uma novidade, pode bem valer um asterisco extra de credibilidade. “Não sei se as pessoas o acham mais credível cientificamente, mas penso que essa componente de Hollywood, quer a nível de enredo, quer a nível de imagem, num formato de documentário, trazendo estes realizadores conhecidos pela sua visão distinta, ou pelo seu lado humanitário, é o que nos diferencia de outros filmes científicos. Muitas das técnicas que se vêem na série não são fáceis, aquilo requer poder de fogo, dinheiro, e essa é uma das razões pelas quais estou muito agradecido à National Geographic e à GE… não é fácil fazer coisas assim”, afirma Sayenga. 

Mas há mais. “Breakthrough” não se fica pela reprodução fílmica dos progressos tecnológicos, a série põe as inovações em prática, como fez no episódio da água o arquitecto italiano Arturo Vittori. “Foi para a Etiópia construir uma espécie de torres, as primeiras em África feitas para armazenar a condensação e transformá-la em água potável. Na Etiópia a maior parte da água está contaminado por toxinas e outras bactérias, então o Arturo decidiu construir uma estrutura feita com bambu, apenas com materiais locais… o que é importante, já que muitas estruturas feitas com demasiada tecnologia não podem ser reparadas pelos habitantes locais no caso de avaria, e tem tido bastante sucesso”, remata. Exemplos que à partida merecem aplausos.

O i deslocou-se a convite da FOX

Erica Ollman Saphire, a heroína do ébola

No episódio dedicado às pandemias, sobretudo centrado no ébola, Erica Ollmann Saphire é a cientista protagonista. Foi a mesma que criou uma base de dados global, em que todos os laboratórios partilham resultados e dados essenciais no combate ao vírus que teve origem em África. Em “Fighting Pandemics” seguem-se histórias de médicos que se tornam doentes, de gente que, devido à falta de condições sanitárias e de vida, se torna um alvo fácil das bactérias. “É mais fácil comprar um par de sapatos para nós mesmos, que nos sirvam, que comprar dez pares e enviar para um país estrangeiro para pessoas que nunca vamos ver”, diz em tom de crítica aos multimilionários deste mundo que nada fazem. A cientista garante que as vacinas para o ébola, quando as houver, vão ser dadas a estas pessoas. Mas é também a mesma que se mostra certa de que novas pandemias surgirão: “Não há dúvida que vão surgir novos vírus e vão chegar à Europa e aos EUA. Temos o luxo de ter boa nutrição, temos acesso a incríveis cuidados médicos, temos luvas… ou seja, as coisas vão ser travadas mais rapidamente nestas regiões, estamos muito mais bem preparados”, garante.

Steve Martinez e a manipulação da memória

O amor e as suas proezas. Quando Steve Martinez acabou a secundária estava perdido entre a bioquímica, Shakespeare, música, não sabia o que fazer. Decidiu ir para um laboratório cujas memórias não são as melhores. Um dia, um aparelho partiu-se e teve de ir pedir emprestado um outro onde trabalhava uma rapariga por quem tinha um fraquinho. Trocaram gostos e ela indicou-lhe alguém na área das neurociências. Foi aí “que tive um momento eureka”, diz, antes de acrescentar: “Todos os meus interesses eram produzidos pelo cérebro, porque não estudar o que gera tudo, o maior e mais multidisciplinar órgão que conhecemos?” Falamos de manipular a memória, de, eventualmente, apagar o tal cabelo ridículo que tivemos na adolescência ou o dia em que fomos despedidos. Ainda só foi testado em animais, mas se algum dia chegar ao acesso humano Steve garante que tem de haver restrições. “Os psiquiatras não dão Prozac a toda a população de Londres, receitam-no a pessoas que necessitam desse medicamento. Se algum dia a manipulação da memória se tornar uma realidade em seres humanos não vai ser entregue ao Steve que teve um desgosto amoroso na secundária, antes a alguém com uma perturbação de stresse pós-traumático.”

Com Gordon Lithgow vivemos mais

A não associação do envelhecimento a doenças como o cancro ou o Alzheimer, o facto de se desconhecer a razão pela qual as baleias podem viver mais 20 anos que o homem… tudo isso despertou a curiosidade de Gordon Lithgow. “O envelhecimento é um mistério, ninguém consegue explicar por que razão as ameijoas e outros moluscos podem viver mais de 500 anos. É inconcebível, estes organismos têm um coração que bate durante 500 anos…”, afirma. O especialista em ciência molecular e em genética depressa mata a curiosidade dos jornalistas em relação às rugas: “É uma questão interessante. O aparecimento de rugas não tem nada a ver com o envelhecimento. A exposição solar é a grande responsável pelas alterações do rosto, 90 por cento para ser mais preciso.” Por fim, explicamos a Lithgow que somos aquele tipo de gente que gosta de beber e comer bem… Também aqui a ciência pode vir a ajudar. “Vamos agora publicar um texto sobre uma tentativa de ludibriar a mente, através de componentes que restringem as calorias, basicamente estás a comer o que quiseres, na quantidade que quiseres, mas o teu corpo é levado a pensar que estás a comer menos. Isto funciona em animais, eles não acreditam que estão a comer o suficiente e isso altera a fisiologia de uma forma positiva… gera mais anos de vida.” Há luz ao fundo do túnel.