Kohei Uchimura. O ginasta que se aperfeiçoou a fazer desenhos

Kohei Uchimura. O ginasta que se aperfeiçoou a fazer desenhos


Japonês venceu concurso completo no Mundial pelo sexto ano seguido. Aversão a ser tocado gerou método único de evolução.


Nadia Comaneci é a ginasta mais famosa do mundo. A forma como ganhou nos Jogos Olímpicos de Montreal 1976 com apenas 14 anos e com a nota máxima nas barras assimétricas marcou um ponto histórico no desporto que nunca será apagado. Por isso, quando a romena elogia Kohei Uchimura, é impossível não valorizar o que diz. “É raro um atleta conseguir definir uma modalidade a este ponto, mas é esse o caso de Uchimura. A sua elegância, a beleza dos seus movimentos e a pureza da sua técnica roçam a perfeição. Quando ganhei em Montreal era demasiado nova para perceber o que tinha acabado de acontecer, mas ele continua a evoluir e a ganhar graças a esta obsessão”, afirma a antiga ginasta, citada pelo jornal francês “L’Équipe”.

Kohei Uchimura é um dos destaques da semana. O japonês de 26 anos conquistou o sexto título consecutivo do concurso completo (argolas, solo, cavalo com arções, barra fixa, paralela e saltos de cavalo) nos Mundiais de ginástica artística em Glasgow e deu mais um passo rumo à imortalidade. Se há quatro anos, em declarações à Reuters, Comaneci entendia que seria difícil considerar o atleta o melhor de sempre, a sequência de resultados começa a convencer os mais teimosos. E no fundo é uma questão de técnica: “Quando se vêem os ginastas em movimento lento, o resultado não costuma ser bom porque se percebem as pequenas falhas e erros. Mas com Uchimura isso não acontece, tudo é perfeito”, continua a romena.

Os resultados não interessam para Kohei, nunca interessaram. “Espero tocar o coração das pessoas. Prefiro ter um desempenho que as comova”, confessa o atleta, que, de acordo com a mãe, detesta ser tocado. Essa aversão que tem desde pequeno está na origem de um método de aprendizagem único. O trabalho de Uchimura sempre foi individualista. Treinava com bonecos de peluche e desenhava os movimentos num caderno para poder analisá-los em pormenor antes de os ensaiar repetidamente até alcançar a perfeição.

Do rapaz de seis anos que chorou e quase desmaiou por se ter esquecido da rotina no exercício de solo não há vestígios. Uchimura cresceu, abandonou o ginásio dos pais com 15 anos para ir treinar com um campeão olímpico em Tóquio e tornou-se um ícone ao nível do futebol e do basebol, que lhe garante até ter a sua imagem num Boeing 777 da Japan Airlines.

Uchimura não acha que tem um talento natural que o destaque dos adversários, mas não deixa de pensar que nasceu para a ginástica artística. A obsessão pelo gesto perfeito, de forma saudável, faz a diferença. “Não acredito emDeus, não tenho nenhuma superstição. Mas trabalho muito para não deixar nada ao acaso ou ao sabor da sorte. Se cheguei onde cheguei, é porque nunca senti pressão. O meu pai sempre me repetiu que o importante era ser feliz”, confessa.

O mundo da ginástica rendeu-se. Além do sexto título mundial consecutivo no concurso completo – com o ouro emLondres 2012 pelo meio –, Uchimura contribuiu para o primeiro título por equipas do Japão em 37 anos. “É um virtuoso. Não se consegue deixar de olhar para ele”, elogia Koji Gushiken, último japonês a ser campeão olímpico (1984) do concurso completo antes de Uchimura.