Quando acordam à noite não há mãe para acorrer ao seu choro. Nem pai, nem avó. Virá quem estiver de serviço, alguém de coração enorme e dedicação indiscutível, mas que amanhã pode não ser a mesma. Quando for hora de levantar, quem trabalha naquele turno fará tudo para tratar cada uma daquelas crianças como única, mas quando é preciso despachar dúzia e meia delas para a escola, não se podem pedir (mais) milagres. No dia de anos haverá presentes, claro que sim, alguém da “Casa” tratará de os pagar do seu bolso, ou de um fundo de maneio, mas o telefone não toca, e ninguém bate à porta, mesmo os pais que um dia prometeram vir. E na festa de Natal da escola alguém da “Casa” fará questão de não faltar, mas ninguém estará ali só por ele, ou só por ela…
São 8500 as crianças a viver assim em Portugal. Dia após dia, ano após ano, rodeadas de pessoas que fazem tudo para que as suas vidas sejam menos desestruturadas, menos cruéis e violentas do que até aí, mas que sabem bem que viver numa instituição não é crescer numa família. Técnicos que, quando são bons, e muitos são, se empenham em reabilitar estes pais para que possam acolher de novo os filhos, mas que desesperam com alguns juízes que continuam teimosamente apostados em fazer valer a biologia sobre as evidências, mesmo quando é sinónimo de abandono, cegos às oportunidades de felicidade que roubam —70% destes meninos permanecerem quatro anos ou mais num “orfanato”, ou seja, toda a sua infância e adolescência. E, enquanto isto, os casais candidatos à adopção esperam, e desesperam também.
Mas por muito que nos seja proibido aceitar passivamente que tudo isto continue assim, enquanto houver uma criança a precisar de acolhimento temos a obrigação de apoiar estas instituições, ajudando-as a ser o melhor que puderem ser. E os portugueses estão cada vez mais atentos a este dever, fazendo uso da possibilidade de adjudicarem 0,5 do seu IRS a uma IPSS da sua escolha. Já foram 412 mil famílias a fazê-lo na declaração referente a 2013 (entregue em 2014), num total de 13 milhões de euros.
O próprio ministro da Solidariedade Social, Pedro Mota Soares, saudou os resultados porque, ministro dixit, “as verbas são, muitas vezes, melhor geridas pelas associações do que pelo Estado”.
A prova está à vista: o Estado é tão incompetente que só entrega o dinheiro um ano depois (e dois anos após tê-lo recebido dos contribuintes). É verdade que o atraso já foi pior e que se deve à iniciativa do governo do mesmo ministro o estipular de uma data-limite de transferência (31 de Março do ano seguinte), mas o lapso de tempo continua a ser intolerável. E a deixar as instituições com a corda na garganta.
Esperava-se que, no mínimo, tivesse a seriedade de pagar às instituições credoras os mesmos 30% que exige quando qualquer um de nós se atrasa um dia que seja no pagamento dos nossos impostos. Esperava-se, portanto, a 31 de Março de 2015, os 13 milhões mais 4 milhões de penalizações, na certeza, ainda por cima, de que seriam mais eficazmente utilizados. Somos todos vítimas constantes de um Estado prepotente, é certo, mas convém não nos esquecermos de que o Estado somos nós e que estas crianças nos estão entregues.
Jornalista e escritora
Escreve ao sábado