Entrevista. “Temos uma oferta suficiente para acomodar anos de forte crescimento”

Entrevista. “Temos uma oferta suficiente para acomodar anos de forte crescimento”


João Cotrim de Figueiredo, presidente do Turismo de Portugal, defende que mais que captar turistas o objectivo é subir receitas.


O presidente do Turismo de Portugal vê com “bons olhos” as alterações que foram feitas ao alojamento local, mas admite que há ainda muitos a funcionar fora da lei e que é preciso combater. João Cotrim de Figueiredo defende ainda que é necessário que as taxas de ocupação dos hotéis subam para que os preços praticados também aumentem, pois só assim as empresas continuam a investir no sector, que tem cada vez maior peso na economia do país e contribui para aumentar a taxa de emprego em Portugal. O responsável defende também a regulação de serviços quando começa a existir algum descontrolo, como é o caso dos tuk tuk.

Portugal aparece cada vez mais como destino preferido dos turistas. O que foi preciso fazer para chegarmos a este patamar?
Portugal é dos países com maior capitação de turistas estrangeiros em relação à sua própria população, embora de há uns tempos a esta parte que não esteja apenas no campeonato de captar mais turistas que os outros países: está sobretudo no campeonato de captar mais receitas que os outros. Não temos uma visão massificada, mas também não temos uma visão elitista. O nosso objectivo enquanto autoridade nacional do turismo é que esta actividade seja um contributo forte para o desenvolvimento económico, e isso depende das receitas que as pessoas cá deixam mais que o número de pessoas que nos visitam.
Temos vindo a captar mais turistas com a instabilidade vivida em países como o Egipto ou a Tunísia?
Tudo o que possa aumentar o número de pessoas interessadas em partir de férias para outros países a que habitualmente não vai pode beneficiar esses tais países, como acontece quando se abrem novas indústrias, como aconteceu em tempos com a Turquia. Não me lembro, por exemplo, de discutirem o ritmo de crescimento do turismo em Portugal por ser mais baixo ou mais alto por existir um grande desenvolvimento do turismo da Turquia, ou do caso da Croácia há umas décadas. Da mesma forma que pode beneficiar o turismo de determinado país nalgumas conjunturas também pode prejudicar noutras. Temos de ver isso de uma forma dinâmica, e como é evidente são factores que não controlamos. É importante estarmos preparados para todas as eventualidades, daí a importância da competitividade. Se formos competitivos, e havendo mais gente disponível para viajar para determinados países, como Portugal, captaremos uma quota maior do que normalmente captaríamos, e nesse caso estaremos a crescer mais que os outros.
Mas Portugal continua a enfrentar o problema da sazonalidade?
Sim, mas a sazonalidade é um reflexo do sucesso. Só há sazonalidades fortes nos destinos com muito sucesso nas épocas altas. Quanto mais sucesso tem na época alta, mais se nota a diferença na época baixa. No entanto, desde 2012, Portugal tem vindo a reduzir de forma lenta mas gradual o índice de sazonalidade, que é medido pela proporção de turistas que nos visitam nos três meses de Verão (Julho, Agosto e Setembro) e no total dos restantes meses do ano, que já passou de 39,7% para 39,2% o ano passado. Estou em crer que este ano vamos descer de novo. 
Sabe se os turistas regressam ao nosso país?
Das análises que fazemos, mais de metade dos turistas que visitam Portugal já cá estiveram, temos em média 2,8 visitas por turista. Isto tem vários significados importantes, e o primeiro é a satisfação, pois só repete quem gostou, e segundo é o retorno. Um turista que gostou de um país é um excelente embaixador desse país e falará da sua experiência a outros viajantes.
E em termos de alojamento, a oferta é suficiente ou já existe excesso?
As taxas de ocupação médias indicam que ainda podemos crescer, o nosso problema não é a quantidade de oferta. É importante que a procura continue a crescer 4% a 5% acima da oferta. Isso permite que as taxas de ocupação subam, que as diárias dos alojamentos subam, que as margens financeiras de quem está na hotelaria subam e que com isso haja uma saúde financeira maior dessas empresas para que no próximo ciclo de investimento não dependam exclusivamente do crédito porque terão os capitais próprios reforçados. Acho que temos ainda uma oferta suficiente para acomodar bons anos de forte crescimento. 
O alojamento local tem novas regras. Estas alterações foram positivas para o sector?
Vejo de forma muita positiva essas modificações porque basicamente têm duas características que é fundamental continuar a assegurar. Primeiro vêm na decorrência de uma escolha do turista. É o turista que quer ficar no alojamento local, não são os proprietários que querem impingir o alojamento ao turista. É a procura que determina esse movimento. A partir do momento em que há essa oferta, o pior que podíamos fazer enquanto país era ignorar ou achar que é um epifenómeno. Devemos fazer o contrário, ou seja, encarar essa realidade e trazê-la para a formalidade. Desde que foi constituído o registo do alojamento local, em Setembro passado, foram feitas mais de 20 mil inscrições. Ou seja, ao simplificar, ao dar maior coerência a todo o sistema de registo de alojamento local, fizemos com que viessem para a formalidade muitos dos alojamentos que existiam, e com isso podem ser inspeccionados do ponto de vista da higiene, da segurança e do cumprimento das obrigações fiscais. Mas acho que ainda vão ser dados passos importantes porque achamos que 20 mil, apesar de ser um número muito maior do que existia no passado, ainda é insuficiente.
Ainda há muitos que não foram formalizados?
Penso que sim. 
Há outras questões polémicas directamente relacionadas com o turismo, como é o caso dos tuk tuk em Lisboa. O que pensa desta situação?
É um bom exemplo do que deve ser feito. Deixar liberdade às pessoas para empreender no turismo. Estamos a falar de animação turística mas podíamos estar a falar da restauração ou da hotelaria, em que o crescimento acelerado da actividade e a própria vivência dentro das cidades conduz a situações em que o bem comum não esteja a ser preservado. E nessa altura, e perante as evidências, esse negócio deve ser regulado. 
Foi o que aconteceu com os tuk tuk…
Exacto. Mas em geral o princípio tem de ser o inverso. O turismo tem trazido aos centros da cidade uma capacidade de reinvestimento e crescimento que há dez anos não seria imaginável. A discussão há dez anos era a desertificação dos centros da cidade, a falta de capacidade de investimento para a recuperação dos edifícios, o envelhecimento da população nesses centros, a insegurança, a falta de higiene, e hoje discute-se o excesso de certos serviços. É verdade que quando uma determinada actividade aparece e cresce, seja ela qual for, gera efeitos junto da população onde as actividades se desenrolam. Alguns são positivos, outros eventualmente negativos. 
Foi o que aconteceu…
Esses efeitos negativos são visíveis, mas ninguém imagina os efeitos negativos que decorrem de uma actividade ser regulada e não poder crescer. Nessa altura há uma quantidade de empresas que não nascem, uma quantidade de pessoas que não têm ocupação, que não têm um novo rendimento. Esses danos não são vistos, mas são decerto superiores àqueles que causam as actividades que nascem. O turismo, enquanto actividade económica importante, tem de dar liberdade às pessoas para investir, entrar e operar no que escolheram, e com isso adaptando-se ao consumidor, neste caso ao turista, para trazer maior riqueza, maior rendimento para o país. Não estou com isto a dizer que o mercado regula tudo e que tudo isto conduz a situações de equilíbrio perfeitamente harmónicas. Quando isso não acontece, a nossa responsabilidade é distinguir as situações que não são corrigidas automaticamente e em que temos de intervir. O turismo fez muito bem ao país e às cidades até agora e se há problemas temos de os eliminar rapidamente para que o turismo continue a fazer bem às cidades e ao país.
O tuk tuk não é para eliminar?
Se é um serviço que os turistas procuram e acarinham porque havemos de o eliminar? Há muitas vozes contra, mas também há muitas a favor.
O turismo também tem dado um estímulo à reabilitação urbana?
Sem dúvida, e basta caminhar pelos centros históricos das cidades e ver a quantidade de reabilitações que estão a ser feitas, não só no alojamento mas também no próprio comércio. 
Mas há quem continue a olhar com desdém para o turismo e a considerar que há um excesso…
Não temos qualquer pretensão de ser unânimes em relação a isso, mas achamos que há um sentimento largamente maioritário de que o turismo é uma coisa boa para Portugal.
E o que pode ser feito para ultrapassar um certo estigma?
É continuar a trabalhar no sentido de ser profissional, não ter atitudes drásticas de ignorar problemas. Quando eles acontecem temos de intervir, as câmaras e as autoridades de segurança também. Se isso não acontecer é porque não estamos a desempenhar a nossa função de fazer crescer o turismo para o bem da economia.
Está há dois anos à frente do Turismo de Portugal. Conseguiu fazer tudo o que queria?
Por feitio e pela natureza das coisas nunca está tudo feito. Quando iniciei funções defini algumas coisas importantes que continuaram a sê-lo, mas a essas juntaram-se muitas outras. Digo com toda a franqueza que não tinha a noção da importância de introduzir inovação no sector. Não é por estarem a correr bem as coisas que ficamos com a noção de que temos um futuro assegurado.
Chegou a dizer que as greves da TAP eram um desrespeito. Está contente com a privatização?
É positivo ter sido encontrada uma solução para a TAP que permita reequilibrar a situação financeira e voltar a investir no crescimento e na renovação da frota. Foi esta a solução adoptada e se é essa que vai permitir o que disse então é positiva. De maneira geral, a estratégia que a TAP irá seguir não pode nem vai certamente ignorar os interesses do turismo. Portugal recebe mais de 80% dos seus turistas por via aérea e desses 80% uma boa percentagem viaja pela TAP, que é a companhia que tem maior quota de voos para Portugal. O turismo representa para a TAP talvez mais de dois terços dos lugares que vende, por isso não pode nunca avançar com uma estratégia sem ter em conta a estratégia do turismo em Portugal. As relações entre o Turismo de Portugal e a TAP são suficientemente próximas e temos a convicção profunda de que ainda se vão aprofundar mais.
A medida peca por tardia?
Várias pessoas disseram que deveria ter sido antes, mas a verdade é que não foi. Foi quando foi e estamos satisfeitos por ter sido encontrada uma solução.