© Mario Cruz/Lusa
Em rota de aproximação para as travessuras e as doçuras do importado Halloween ou do nacional “pão por Deus”, multiplicam-se os exemplos de falta de bom senso na política portuguesa, cada vez mais enleada num tom de crispação e num crescente desrespeito pelas regras básicas da vivência democrática.
Num país tragicamente em suspenso e envolto em jogadas políticas, só o tempo vai aclarar quem tem razão quanto às opções do momento. Mas esse tempo é um bem demasiado escasso para quem não tem um mínimo para viver com dignidade, para quem está fora do sistema que foi sendo criado nos últimos 41 anos, para quem precisa de decisões para que a economia funcione ou para quem desespera pelo desbloqueio dos fundos comunitários do Portugal 2020. A verdade é que não dispomos nem de tempo nem de espaço para experimentalismos.
Alguns que se incomodam com as conivências entre a justiça e a comunicação social convivem bem com a sombra da conspiração nos media, com os interesses e com grupos organizados para desalojar quem foi democraticamente eleito. As revelações das últimas semanas, apesar de sem explicação como muitas outras, afastam a existências de bruxas e de acasos na vida interna do PS entre 2011 e 2014.
Alguns que se incomodam com a existência de quem pensa que é um erro político e eleitoral um governo em regime de frente de esquerda, liderado pelo PS, na modalidade de apoio do BE e do PCP no governo ou de apoio parlamentar post-it, apesar de se dizerem democratas, acham normal invectivar a diferença de opinião e avaliar o socialismo dos outros à luz de inimigos externos, em vez das convicções.
Aliás, tomados pela euforia do momento, explanam a tese de que o centro eleitoral não existe. Que os eleitores moderados que deram tantas vitórias ao PS e possibilitaram as experiências governativas destes protagonistas nunca existiram. Alguns dizem em público o contrário das preocupações que manifestam em privado. Esses eleitores moderados podem contar com a nossa oposição a um erro político que pode ser fatal para o PS: a pasokização que dizem querer evitar.
Para quem nunca fez parte do bloco central dos interesses, da confusão entre a política e os negócios, é fácil manter um compromisso com os eleitores moderados, do centro do bom senso, que prezam a confiança.
Outros, acomodados às designadas novas realidades da convergência das esquerdas, acreditam que, depois de apear a direita do poder, ao jeito da coligação negativa de 2011, é possível engendrar um acordo de governo das esquerdas para quatro anos e contar com o PSD e com o CDS nas questões da União Europeia, da união monetária e da NATO. É como se uns ficassem com o bife do lombo e outros com os ossos para roer. Isto depois de quatro anos em que o osso da austeridade custe o que custar foi imposto aos portugueses com resultados trágicos. Daí o voto pela mudança de políticas.
A contar com as novas realidades o PS apresentou os primeiros projectos de lei no parlamento sobre a reposição dos feriados de 1 de Dezembro e de 5 de Outubro, a adopção por casais do mesmo sexo, a revogação das alterações à lei da interrupção voluntária da gravidez e a alteração da procriação medicamente assistida. Correspondem a compromissos eleitorais e alguns podem ser prioritários para algumas agendas pessoais, mas não são as prioridades e as mudanças políticas que os portugueses votaram.
E depois há as novas realidades pós-eleitorais da governação PSD/CDS: a devolução da sobretaxa que era de 35% em campanha eleitoral agora seria de 9,7%; em vésperas de eleições cerca de 100 dirigentes foram nomeados; a dívida pública aumentou para 229 mil milhões de euros em Agosto; o desemprego voltou a subir em setembro e tantas outras surpresas que se somam à degradação da situação económica em muitos dos destinos das nossas exportações, às alterações na conjuntura internacional, como é o caso das mudanças políticas na Polónia e de muitos outros factores que não controlamos.
Os portugueses querem que mudem as políticas, sem pôr em causa os frágeis resultados dos sacrifícios dos últimos quatro anos; assistem à proliferação de candidatos presidenciais à esquerda quando se proclama unidade para a governação, como se fosse indiferente a Presidência da República depois dos últimos dez anos, e exasperam pela prometida previsibilidade depois tantas incertezas. Incrédulos, neste PREC de meia-idade, não acreditam em bruxas, mas que elas existem, existem.
Escreve à quinta-feira