O apoio de portugueses aos activistas presos em Angola não foi bem visto pelo governo angolano. A relação entre os dois países poderá ser afectada, mas isso só se verá a longo prazo.
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E vários são os angolanos que acusam Portugal de tentativa de ingerência. Entre eles estão o director do “Jornal de Angola” e o sobrinho do presidente angolano, o general e dirigente do Movimento Popular de Libertação de Angola Bento dos Santos “Kangamba”.
Emanuel Lopes, representante da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), desvaloriza o editorial escrito por José Ribeiro. “Não é a primeira, nem a segunda, nem a décima vez que o ‘Jornal de Angola’ fala sobre Portugal e o governo português. É uma abordagem típica desse jornal e não vai ser, como nunca foi, comentada pelo governo português.”
Questionado pelo i sobre a força do governo angolano actualmente, Emanuel Lopes não tem dúvidas. “O governo angolano nunca esteve tão fraco como neste momento. Eles [governo] sabem que a sociedade está a rebentar pelas costuras”, diz Emanuel Lopes. Mas avança que Angola precisa dos cidadãos portugueses. “Há muito dinheiro de dívidas a empresas portuguesas. Angola pede a todos os santos que os portugueses não saiam de Angola e, portanto, não vai certamente actuar contra os cidadãos portugueses que lá residem”, afirma Emanuel Lopes.
“De Portugal nada se espera”, foi este o título usado por José Ribeiro, director do “Jornal de Angola”, no editorial da edição do passado domingo, que dedicou inteiramente a Portugal.
A imprensa oficial do governo angolano confessou que Portugal “passou para o lado errado” quando decidiu apoiar Luaty Beirão, um luso-angolano, mostrando assim estar oficialmente contra todas as decisões da justiça angolana. A reacção do governo terá começado quando o embaixador português em Angola fez questão de visitar o rapper contra a vontade de Luanda. “A situação está a passar todos os limites”, pode ler-se no jornal oficial do governo de Angola.
O embaixador João da Câmara manteve na passada quinta–feira uma reunião de cerca de 20 minutos com Luaty Beirão, exigindo a sua libertação e a dos outros 14 activistas presos.
A visita não foi bem vista pelo governo angolano, tendo sido intitulada de “precedente grave”. “A cruzada antiangolana já não pode ser ignorada. O nível de ingerência portuguesa nos assuntos estritamente angolanos só encontra paralelo em duas ocasiões: quando Angola proclamou a independência e quando se aproximava a derrota da UNITA”, escreveu José Ribeiro no editorial de domingo do “Jornal de Angola”.
E, a partir daqui, Portugal tem sido alvo de vários ataques por parte de Luanda. Entrevistado pelo mesmo jornal, Marcos Barrica, embaixador angolano em Lisboa, acusa Portugal de usar o caso dos activistas detidos e “de um indivíduo que em Portugal é mais falado que o Papa” como “pretexto” para voltar a “diabolizar Angola”. E as declarações do embaixador angolano em Lisboa não ficam por aqui. Marcos Barrica comunicou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros português o seu “desagrado” pela aprovação de um voto de solidariedade com os 15 activistas detidos em Luanda desde Junho, apontando uma ingerência nos assuntos nacionais.
As acusações angolanas em relação a Lisboa não ficam por aqui. O general e dirigente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) Bento dos Santos acusou Portugal de ingerência nos assuntos angolanos e avisou que Lisboa não tem “consciência jurídica e política”.
“Se eu fosse português, pensava 20 ou 30 vezes antes de falar sobre um estrangeiro. Primeiro tenho de arrumar a minha casa, e depois falar sobre os outros. Portugal é um grande país, tem grandes políticos, mas neste momento está em debandada, não tem consciência jurídica e política para se defender nem defender os angolanos. Há necessidade de haver calma que a justiça será feita”, disse ainda o dirigente do MPLA, referindo-se à crise económica e à indefinição governativa.
O assunto tem gerado polémica e, até ao momento, várias pessoas já reagiram ao tema, que pode trazer várias complicações nas relações entre Portugal e Angola.
Para já, o governo português ainda não fez qualquer tipo de comentário sobre as acusações de que tem sido alvo e, para Emanuel Lopes, isso não vai acontecer. “Portugal não vai reagir, até porque o governo português ainda está em gestão. Mesmo que tivéssemos um governo na totalidade das suas funções, isso não aconteceria. Portugal nunca reagiu, muito menos com este governo, que tem os seus negócios com Angola e está dependente deles”, diz o representante da UNITA ao i.
O i entrou em contacto com uma fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que não quis prestar declarações.
O segundo aspecto relevante depois deste caso é qual o seu impacto no poder em Angola.
“Aquilo que mais importava, chamar a atenção para os presos políticos, foi conseguido completamente”, disse o escritor angolano José Eduardo Agualusa, embora, segundo ele, o objectivo do rapper “não foi cumprido”, afiançou à Lusa.
“O objectivo a que se propunha não foi conseguido, que era o de esperar em liberdade pelo julgamento. Mas, na realidade, aquilo que mais importava, que era chamar a atenção para os presos políticos, foi conseguido completamente. Gerou-se um movimento de solidariedade dentro e fora do país que gerou uma dimensão de que ninguém estava à espera. Aí ele triunfou completamente”, destacou o escritor angolano.
Por avaliar estão os estragos que o caso terá provocado na imagem de Angola no exterior e nos equilíbrios de poder no país. O processo está longe de acabar, e um governo que se sente ameaçado por 15 jovens não parece estar a transmitir uma imagem de segurança. Resta saber o que decidirá o julgamento, que começa poucos dias depois da data que assinala os 40 anos da independência de Angola.