Gap Year. Uma pausa para talhar o carácter

Gap Year. Uma pausa para talhar o carácter


Telmo e Inês tiraram um período sabático após a licenciatura. Nunca mais foram os mesmos. Regressaram convencidos de que podem ajudar a mudar o mundo.


Ao terminar a licenciatura, em teoria pode surgir todo um mundo de oportunidades.

Procurar emprego ou continuar a estudar são as saídas comuns, mas Telmo Martins e Inês Ferrão fugiram às hipóteses habituais e tiraram um período sabático. Ou seja, fizeram uma pausa para “explorar, sair da zona de conforto e das situações previsíveis”, conta Telmo.

Com 22 anos concluiu o curso durante o Erasmus em Amesterdão e partiu para uma viagem de dez meses entre a Europa, a Ásia e os Estados Unidos. No total, Telmo percorreu 25 países: “Existem momentos únicos na vida, sejam aqueles que escolhemos sejam os que acontecem por acaso. Este tempo foi um pouco dos dois.” Apesar de um gap year ter inúmeras vantagens, partir não foi nada fácil: “Especialmente pela família.” Os pais receavam pela segurança do filho, tinham medo que não voltasse a estudar e, verdade seja dita, não percebiam bem o propósito da aventura.

Telmo até entendia o porquê dessas dúvidas. Afinal o gap year ainda não é uma prática com muitos adeptos em Portugal: “É uma atitude conformista natural no povo português”, justifica, avisando que os perigos existem em qualquer lugar e, desde que haja bom senso, estão criadas as condições para mergulhar numa “experiência inacreditável e de compreensão da natureza humana”.

Durante dois anos, Inês percorreu o Brasil, o Quénia, a Tanzânia e Moçambique: “Todas as experiências me fizeram crescer e tornar-me a pessoa que sou hoje.” Apesar dos aspectos menos positivos, que diz terem sido “verdadeiramente insignificantes”, foram estes os momentos que talharam a sua personalidade. Nessa aventura germinaram as sementes para vir a ganhar “cada vez mais motivação para querer ajudar a mudar o mundo”. No Rio de Janeiro fez o estágio curricular em Serviço Social. No centro comunitário onde trabalhou ainda hoje há uma sala com o nome dela: “É incrível pensar como, algures numa favela, ainda há quem se lembre de mim e do trabalho que lá desenvolvi em 2009. Tenho saudades todos os dias.”

Em África confirmou o que já suspeitava. O mundo tem mais pessoas boas que más: “Deram-me boleia, cama e comida sem pedir nada em troca.” A história que mais a marcou aconteceu em Moçambique. Estava à beira da estrada e anoiteceria em breve quando um estranho lhe deu boleia até Maputo e a deixou entrar em sua casa: “Ele acabou a dormir no chão da sala para me deixar ficar no quarto.” E partiu ao amanhecer, deixando o frigorífico cheio e as chaves com Inês.

Telmo também tem muitas histórias para contar. Como aquela vez em que às duas da madrugada estava numa estação de comboios na Índia sem dinheiro e deu de caras com um anjo-da-guarda que lhe pagou o bilhete: “Era um valor que certamente não seria baixo para ele e ainda assim confiou que quando chegássemos ao destino lhe devolveria o dinheiro.” As histórias ficaram registadas no seu blogue. Além de relatar as aventuras, usou esta espécie de diário de bordo digital como o seu espaço de reflexão para mais tarde retirar o que de bom e mau aconteceu nesses dez meses: “A viagem foi um tempo para experimentar coisas novas.”

Telmo comeu insectos, trabalhou para pagar as estadas, “surfou” mais de cem camas e sofás, fez votos de silêncio e meditou em retiros. Inês também quis guardar as lições desta experiência, mas optou por outra via: “A maior dificuldade foi encontrar uma base de dados online e actualizada com as possibilidades de voluntariado internacional gratuitas ou low-cost.” Por isso, em 2014, criou o site «Para onde?», que facilita este género de pesquisas.

Olhando agora para trás, Telmo está convencido de que regressou com “uma energia diferente, mais crescido e com uma visão totalmente diferente do mundo”. Inês acredita que este período é essencial para qualquer jovem avaliar, “decidir o que fica e o que vai”, explica, assegurando ser hoje uma pessoa mais flexível: “Ganhamos inúmeras competências quando largamos a nossa zona de conforto.” E não são os “desmiolados, os irresponsáveis e os ricos” os mais aventureiros. Pelo contrário, são “aqueles que sabem exactamente o que querem”.

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Veja mais em www.gapyear.pt, site da Associação Gap Year Portugal, que disponibiliza informações úteis para quem se quer lançar numa viagem.

 

Dúvidas frequentes apresentadas à Gap Year Portugal

Porquê fazer um gap year? Fazer um gap year leva-nos para longe da zona de conforto e põe-nos em situações nunca antes vividas. Entra-se em contacto com outras realidades que nos põem à prova e fazem crescer e desenvolver soft skills importantes para o mercado de trabalho. Regressamos mais dinâmicos, autónomos e bem preparados para os desafios que surgem ao longo da vida.

Quanto custa? Dizer que o gap year é só para os ricos é falso. Pode até ser mais barato que o primeiro ano de faculdade. Durante esse período é possível explorar alternativas de deslocação e alojamento muito baratas ou até a custo zero. Pode-se fazer couch surfing e ficar em casa de outras pessoas, andar à boleia e fazer work exchange ou voluntariado em instituições que oferecem alojamento e alimentação. Cada um decide quanto irá custar.

É seguro? Sim. Claro que há países mais seguros que outros, mas tomando as precauções necessárias não há razão para inseguranças. Em determinadas cidades não é aconselhável exibir mapas e máquinas fotográficas e é recomendável usar roupas discretas. Também se devem evitar locais escuros e pouco movimentados. O mais importante é adoptar uma postura defensiva e evitar situações que possam comprometer a segurança.

Como planear? Começar com alguma antecedência é a chave. Deve-se ter em conta o orçamento disponível para a viagem, definir os objectivos e investigar quais os países que reúnem as condições necessárias para alcançar as metas que cada um se propõe. É importante criar um cronograma da viagem, definindo as datas de estada em cada destino. Depois é decidir quais os meios de transporte a usar, onde ficar hospedado, com que empresas ou organizações trabalhar e estabelecer todos os contactos previamente. E não esquecer de pedir a emissão dos vistos antes de partir.