Realidade Alternativa


Quantos protagonistas ouvimos durante a semana falarem do dérbi? Z-e-r-o; nenhum dos 27 artistas que pisaram o relvado. 


© Miguel A Lopes/Lusa

O dia é especial e começa cedo. Logo pela manhã já centenas de carros se encontram nas imediações. Os espectadores conversam, tiram fotografias e dirigem-se, animados, para ver os ídolos. Também não faltam as barraquinhas de comes e bebes, as promotoras das marcas, a loja do merchandising ou os seguranças de empresas privadas.

Trocam-se opiniões sobre quem vai ser a figura do dia, quem estará mais inspirado e quem irá afogar as lágrimas para casa. Recatados, os atletas preparam a entrada em cena. Cumprimentam os adversários antes e depois do espectáculo. Passam na área da comunicação social e falam de livre e espontânea vontade. Elogiam os rivais quando perdem, têm palavras simpáticas para o perdedor quando ganham. São eles os protagonistas que o público veio ver. São eles os primeiros a promover o seu desporto.

Podia estar a falar de futebol, concretamente do dérbi. Mas certamente as últimas frases já afastaram essa hipótese. A semana que antecedeu o grande jogo foi passada em Peniche, onde os melhores surfistas do mundo discutem o título e a manutenção na elite. Longe dos ódios dos dirigentes, da divulgação dos contactos de Jesus e dos capitães de equipa do Sporting, das declarações de fontes e comentadores, da vandalização de estruturas dos rivais.

Aqui impera o desportivismo, apesar de o surf já se ter tornado um desporto de milhões. É claro, uma prancha a deslizar na água nunca irá movimentar as massas e acicatar paixões como o futebol; não é à toa que este se chama o desporto-rei. Mas pode golear a pequenina mentalidade do futebol português em vários aspectos. E vou falar apenas de um.

Quantos protagonistas ouvimos durante a semana falarem do dérbi? Z-e-r-o; nenhum dos 27 artistas que pisaram o relvado. Os adeptos esquecem-se do verdadeiro motivo que os leva aos estádios – os jogadores – e gastam horas a analisar fúteis discussões de dirigentes e personagens afins. Algum dia voltaremos ao futebol em que falam os futebolistas em vez dos assessores e ao tempo do “boa sorte, que ganhe o melhor”?