© Manuel de Almeida/Lusa
Os quinze “activistas” presos preventivamente em Luanda durante o mês de Junho trouxeram o país angolano aos holofotes internacionais pelos piores motivos. A atenção de determinados órgãos jornalísticos oriundos de vários pontos do globo intensificou-se quando há trinta e seis dias um dos detidos – Luaty Beirão – decidiu iniciar uma greve de fome por considerar a sua prisão preventiva ilegal e carecida de qualquer fundamentação sustentável. Entende também o seu advogado que a lei angolana neste tipo de “crimes” permite ao cidadão aguardar julgamento em liberdade.
Para além de um passado de discordância e oposição cívica ao regime angolano, a fundamentação principal para a prisão, tal como apresentada a alguns diplomatas da União Europeia, consta de um vídeo de curta duração onde se vislumbra os mesmos “desordeiros” em amena cavaqueira e na posse de livros supostamente revolucionários. Uma tentativa de golpe de estado nunca antes vista, conclui-se…
As manifestações pela liberdade dos detidos ganharam força com a greve de Luaty Beirão e relevância em Portugal pela sua dupla nacionalidade. Bem como todo o caso. Com o agravar da situação, o embaixador português naquele país procurou recentemente efectuar as diligências necessárias a fim de se vir a evitar o pior e solucionar o caso concreto. É a velha questão de um governo que fecha os olhos a violações de direitos humanos em nome de uma realpolitik, facilmente traduzida no volume de negócios existente entre os vários sectores dos dois países, mas que em última instância não pode pôr de lado o bom senso, acabando por actuar mas de forma inconsequente.
Infelizmente percebeu-se ontem pela mão do director do Jornal (estatal) de Angola que o bom senso não é coisa que impera nas altas instâncias angolanas. No lugar deste, prefere-se uma imagem de força para consumo interno e um ataque constante a Portugal. Nada de novo, portanto.
Uma linguagem desapropriada em consonância com um retracto descabido da realidade. Acresce-se ainda aqui um descontextualizado regresso ao passado que pouco ou nada importa para este caso concreto. São muitas coisas somadas que parece interessar ao governo português ignorar, em vez de apontar, mantendo-se uma ideia fundamental, que não deixa de merecer atenção: a forma como o regime angolano irá gerir esta situação terá repercussões, não só no futuro do próprio regime, mas também para a imagem de Angola, a curto e médio prazo.
A forte presença angolana em vários sectores da sociedade portuguesa tem permitido ao país abrir-se ao mundo. Isto ganha importância quando se constata que a grande troca comercial de Angola, quase por exclusivo, desde o final da guerra civil em 2002, é o petróleo, do qual é o segundo maior produtor africano. Uma dependência criada que sofre agora o seu primeiro revês, sem que o “boom” de largos anos se tenha traduzido numa aposta consolidada noutras áreas, e na diversificação da sua economia.
Perante esta realidade, constata-se, por outro lado, que dificilmente alguns dos empresários angolanos com posição relevante em grandes grupos económicos portugueses, teriam possibilidade de adquirir esta preponderância em qualquer outro país. Aí a língua é um factor essencial. Isso também deu lugar a que as relações entre angolanos e portugueses ao longo dos últimos anos em várias vertentes, se tenha consolidado, tanto a nível pessoal como profissional solidificação profissional. Tanto lá como cá. Torna-se por isso incompreensível que o regime angolano não entenda a gravidade deste caso concreto muito para lá do olhar de um governo português.
Nem importa relembrar que se trata de um luso-angolano. Não é aqui que se fará outro tipo de julgamento. Talvez um dia quando veja para lá de Portugal, já não existam estas reacções. Talvez aí também se tenha poupado uma vida. Uma que pode significar muitas.