A Partida


Nunca voltei ao sítio de que parti. Esta é a minha história de emigração, feita de embarques, chegadas e círculos imperfeitos. Estive 8 anos em Londres e estou de volta a Lisboa numa viagem que ainda não acabou. 


Já não dá mais, não há trabalho. Tenho 23 anos, não sei bem quem sou e tenho uma vaga ideia do que quero ser, mas se fico vou ser ninguém. Tenho que ir embora daqui. Tenho que iniciar a minha vida. 

Comecei a trabalhar com 19 anos, aos 23 sou despedido, juntamente com mais uns 100, Estávamos todos a recibo verde, diariamente, todos a fazer os programas de televisão mais vistos do país. Agora o país, a cidade, as empregadoras dizem não tenho lugar para ti. E eu digo, Mãe se for embora consegues pagar a renda sozinha? 

Eu já fui. É verdade que ainda estou na casa que divido com a minha mãe. Mas já fui. Já não estou no café, já não estou no centro de emprego, no almoço em casa do avô. Na cabeça apenas a ideia de partir e assim que essa ideia se formula, como o incessante latir de um cão pela noite dentro, não há como deixar de pensar nela. O cão também late os riscos, mas arriscado é ficar. 

Não vás. Dizem duas amigas, enquanto colocam o seu sentido de perda nas mãos. Tenho de ir, não tenho trabalho. É aqui que sou querido e amado mas é como se estivesse a preparar-me para uma corrida de atletismo, o juiz diz aos seus lugares, coloco-me em posição. Fico ali concentrado, com os músculos em alerta à espera do sinal de partida., à espera que outra pessoa pegue no meu currículo como quem aperta um gatilho e dispare. Que me deixe existir. BANG! Faço soar um disparo imaginário, deixo de competir neste jogo absurdamente longo de macaquinho do chinês, faço a falsa partida mais verdadeira da minha vida. 

Despeço-me da minha mãe em Santa Apolónia sem pompa nem afã. Apanho o alfa-pendular para o Porto. Com um bilhete de ida Porto-Londres no bolso, custou 50 euros, é o dia 14 de Abril de 2005. 

A Partida


Nunca voltei ao sítio de que parti. Esta é a minha história de emigração, feita de embarques, chegadas e círculos imperfeitos. Estive 8 anos em Londres e estou de volta a Lisboa numa viagem que ainda não acabou. 


Já não dá mais, não há trabalho. Tenho 23 anos, não sei bem quem sou e tenho uma vaga ideia do que quero ser, mas se fico vou ser ninguém. Tenho que ir embora daqui. Tenho que iniciar a minha vida. 

Comecei a trabalhar com 19 anos, aos 23 sou despedido, juntamente com mais uns 100, Estávamos todos a recibo verde, diariamente, todos a fazer os programas de televisão mais vistos do país. Agora o país, a cidade, as empregadoras dizem não tenho lugar para ti. E eu digo, Mãe se for embora consegues pagar a renda sozinha? 

Eu já fui. É verdade que ainda estou na casa que divido com a minha mãe. Mas já fui. Já não estou no café, já não estou no centro de emprego, no almoço em casa do avô. Na cabeça apenas a ideia de partir e assim que essa ideia se formula, como o incessante latir de um cão pela noite dentro, não há como deixar de pensar nela. O cão também late os riscos, mas arriscado é ficar. 

Não vás. Dizem duas amigas, enquanto colocam o seu sentido de perda nas mãos. Tenho de ir, não tenho trabalho. É aqui que sou querido e amado mas é como se estivesse a preparar-me para uma corrida de atletismo, o juiz diz aos seus lugares, coloco-me em posição. Fico ali concentrado, com os músculos em alerta à espera do sinal de partida., à espera que outra pessoa pegue no meu currículo como quem aperta um gatilho e dispare. Que me deixe existir. BANG! Faço soar um disparo imaginário, deixo de competir neste jogo absurdamente longo de macaquinho do chinês, faço a falsa partida mais verdadeira da minha vida. 

Despeço-me da minha mãe em Santa Apolónia sem pompa nem afã. Apanho o alfa-pendular para o Porto. Com um bilhete de ida Porto-Londres no bolso, custou 50 euros, é o dia 14 de Abril de 2005.