Robert De Niro é um estagiário sénior numa start-up último grito que vende roupa através da internet. No filme chama-se Ben, tem 70 anos e veste fato e gravata num lugar onde os “rapazinhos” andam sempre de T-shirt. Mas Ben tem uma vantagem sobre todos os outros: um lenço de assoar, branco, sem floreados, arrumado no bolso, pronto a limpar as lágrimas das mulheres. E não faltam oportunidades de o usar: estende-o a Jules (Anne Hathaway) para enxugar lágrimas provocadas por traições, angústias de mãe que trabalha mais do que a tempo inteiro, e de CEO em quem não confiam porque é mulher. “Que pena que esteja em extinção o hábito de os homens andarem sempre com um lenço”, comenta Ben a dada altura.
Sentada na cadeira do cinema, estremeço e devolvo ao meu marido o lenço que lhe pedi emprestado num momento de maior comoção.
Os lenços estão a acabar? Ou, melhor dito, os homens que nos estendem silenciosamente um lenço, numa solidariedade serena, sem comentários e conselhos desnecessários, estão em vias de extinção? E anda a malta preocupada com o lince da serra da Malcata!?!
Atiro as pipocas para o caixote de lixo e corro para fora da sala. Isto deve ser coisa de americanos, da fast food e dos guardanapos de papel, tenho a certeza absoluta de que os latinos não embarcaram nisto!
Decido então tomar de assalto as lojas do shopping de Cascais, uma por uma. Primeiro avanço segundo as regras da probabilidade: C&A. Nada. E na H&M nada também. Experimento a Giovanni Galli, a conselho da menina da Calzedonia, mas a senhora abana que não com a cabeça. “Já não temos”, diz, como quem fala de candeeiros a petróleo.
Talvez na Triumph – afinal, um lenço de homem é tão sexy como a lingerie, mas olham-me com espanto. Na DIM sugerem-me antes uma camisola interior térmica, julgando que procuro oferecer um presente, e também há slips, acrescentam, solícitas, mas não, o que eu quero é um lenço, um lenço de homem, simples.
Vou à Maximo Dutti. Por amor de Deus, não me digam que aqueles homens tão bonitos e perfumados se assoam às mangas. Parece que sim. E o Cristiano Ronaldo, que surge garboso na montra da Sacoor, idem aspas. Caramba, quando a Irina chorava a primeira ruga, o que lhe estendia ele, uma T-shirt do Real Madrid? Não admira que a moça se tenha posto a andar. Os heróis da Gap, nem isso. Entro a seguir no Cortefiel, observo as fotografias a preto-e-branco da Pedro del Hierro, mais homens de risca ao meio e muito gel no cabelo, uns potenciais James Bond, mas a empregada da loja trata-me com positivo desprezo. “Lenços de assoar, claro que não! Só de seda, para pôr no bolso?”, vocifera, perguntando a si mesma de onde lhe saiu esta moçoila do campo. Ah pois, mas não quero mesmo dizer esses de seda às bolinhas.
Procuro na L’Abito, com as suas prateleiras tão arrumadinhas, e desta vez é um homem de mais idade ao balcão. Lamenta. Já teve. Vinham de uma fábrica do Norte, mas agora não. Sugere o Continente, na secção de homens.
Antes de descer ao rés-do-chão, passo pela Zara. Entre cintos e pijamas, era natural encontrar lenços, mas nada. Verdade seja que a empregada, dos seus 18 anos, pareceu genuinamente interessada em saber o que eram!
Confundo Continente com Modalfa e, desta vez, encontro um empregado estiloso que quase me faz um rap sobre o assunto. Continente não é Modalfa, pronto, entendido, sigo para lá. Com ajuda encontro um pacote de lenços de homem – é verdade, eureca, ou quase, porque não eram brancos e tinham risquinhas, e de certeza que os lenços que não são brancos e têm risquinhas não consolam a alma como os outros. “Se não encontrar brancos, volto”, agradeci.
Voltei a subir as escadas e fiquei ali a olhar em volta, sem saber o que fazer. Ao longe vi o George Clooney a servir cafés, mas tive medo da desilusão, “O que faço se nem ele tem um lenço branco, branco-lixívia?”, penso, e decido arriscar a sorte no Mr. Blue, e depois na Delmar. Nada feito.
Lembrei-me dos rapazinhos de 30 anos que, no filme, Ben acusa de não crescerem, mas mesmo assim bati à porta da Timberland, da Pull&Bear, da Mango e da Springfield, mas quase a pedir desculpa… Não tinham.
Depois vi a Wesley. “Têm por acaso lenços brancos?”, perguntei, os olhos a voarem das bengalas aos chapéus de oleado. Santo Deus, se nem aqui o passado se revelar o que era, o que será feito do mundo? “Tenho só um! É o último!”, disse-me a senhora como se tivesse na mão uma antiguidade. Oito euros, uma fortuna, eu sei, mas comprei-o.
E ofereci-o ao meu marido. Uf, por mais uns tempos posso chorar, na certeza de encontrar consolo.
Jornalista e escritora
Escreve ao sábado
1 – Número de lenços brancos que fui capaz de encontrar à venda