Mick Fanning. Três títulos mundiais e um ataque de tubarão

Mick Fanning. Três títulos mundiais e um ataque de tubarão


Está Slater a discursar perante uma sala cheia de gente importante quando é interrompido por um assalto de Mick Fanning ao palco, já virado do diabo. 


Estamos em 2003, em plena cerimónia do Surfer Poll Awards na Califórnia, uma espécie de Óscares do surf mundial. Já com seis títulos mundiais e atrapalhado com a emboscada, Kelly vira-se para ele e pergunta: “O que aconteceria se eu fizesse isto na Austrália?” “Mandavas uma queca!”, responde Mick, chamando-lhe “Jimmy Slade” (numa referência sacana ao papel que interpretou na famosa série “Baywatch”).

Agora, passados 12 anos, Mick conseguiu encontrar um equilíbrio entre o adolescente que frequentemente descambava, houvesse cerveja com fartura, e o tricampeão do mundo (2007, 2009 e 2013) conhecido pela velocidade dentro de água. 

Por vezes Eugene (o seu segundo nome e alter ego para a festa) ainda desce sobre ele e quem já o viu após algumas vitórias sabe do que falamos. Porém, ao contrário de muitas estrelas do surf mundial, Fanning é um tipo humilde, disponível e educado. Viaja sempre com pessoas próximas e que considera essenciais ao seu bem-estar durante os campeonatos, como a mãe, Elizabeth, ou o treinador de longa data, Phil McNamara. “É importante estares ao lado daqueles de quem gostas e a quem queres agradar. Acho que só o Kelly conseguiu ser campeão do mundo sozinho”, disse ao i no ano em que conquistou o seu último título. “Os fãs adoram-te mas abandonam-te.”

Na liderança do ranking, com 49 900 pontos, Mick é o único que pode sair de Portugal campeão. No entanto, para isso acontecer tem de vencer a prova e Adriano de Souza, segundo colocado na tabela, não pode passar da terceira ronda. Qualquer alternativa empurra a decisão do título para a última etapa, em Pipeline, no Havai, a partir de 8 de Dezembro. Em Julho deste ano o surfista de 34 anos foi atacado por um tubarão em plena final do evento em Jeffrey’s Bay, na África do Sul. Certamente o leitor, em algum momento – tal como aconteceu a onda gigante de Garrett McNamara na Nazaré –, terá visto as imagens do tenso episódio, que circularam até à exaustão. Centenas de especialistas em tubarões invadiram os media e, da mesma forma que apareceram, seguiram com as suas vidas, talvez convencidos de que após tal incidente Fanning faria um churrasco, beberia muitas cervejas e arrumaria com o assunto de um dia para o outro. Porém, e com base em testemunhos de gente que foi atacada ou teve encontros pouco agradáveis, quem sobrevive a um incidente destes não consegue apagá-lo da memória e passa a conviver com as consequências de um trauma grave – o encontro com a sua própria mortalidade. “As pessoas nesta situação tendem a sofrer de stresse pós-traumático, revivem o episódio vezes sem conta, têm pesadelos, etc. Muda-os a um nível fundamental e nunca mais olham para a água da mesma forma. O Mick já passou por choques maiores na vida dele (a morte do irmão mais velho), por isso talvez esteja mais bem equipado que muitas pessoas”, sublinhou o jornalista de surf Nick Carroll.

“O choque traumático é um monstro estranho, porque pode continuar a perturbá-lo para o resto da vida.” A opinião é de Derek Hynd, conterrâneo de Fanning e Carroll, e ninguém melhor para falar da situação. Ex-competidor do circuito mundial, perdeu a visão de um olho durante uma sessão de surf e, talvez por saber que há coisas que fogem por completo ao nosso controlo, foi um dos primeiros a entrar dentro de água após a cena de terror que levou ao cancelamento da prova. E não teve medo? “Senti que não era a minha vez. Tive lá um encontro muito próximo com um grande tubarão branco. Espero que tenha sido o único. Quanto a ter medo, nem um pouco. Senti-me em sintonia com o oceano – e respeitador de todas as criaturas, grandes e pequenas.”

“Fiquei em pânico”, disse a mãe de Mick após o susto à rádio ABC. “Quando aquela onda entrou e deixei de o ver no ecrã pensei que ele se tinha ido.” Quando o filho voltou a aparecer, Elizabeth explicou que o terror se transformou em alívio e afirmou ter a certeza que o seu filho Sean, que desapareceu há 17 anos, tinha protegido o irmão. “Foi a pior coisa que já vi acontecer a uma pessoa da minha família porque tudo estava a passar-se à minha frente. Quando o Sean morreu, no acidente de carro, eu não vi. Estou tão grata e orgulhosa pelo Mick, e tão grata ao universo por ele não ter ficado sem uma perna.” Elogiando a bravura do filho frente ao tubarão – Fanning deu-lhe um soco –, Elizabeth disse ainda que ficou “eternamente grata” a Julian Wilson, que remou em direcção a Fanning quando percebeu que o amigo estava em apuros.

Nascido longe da praia, em Penrith, no estado australiano de New South Wales, Mick não teve uma infância fácil. Os pais divorciaram-se quando ainda era bebé e só anos mais tarde conheceu o pai, irlandês, com quem mantém hoje uma relação próxima. Tinha cinco anos quando experimentou fazer surf pela primeira vez, mas só a partir dos 12, depois da mãe se mudar para Tweed Heads, começou a praticar regularmente, ao lado de Joel Parkinson e Dean Morrison (os três ficaram conhecidos por “Coolangatta Kids”). Quando o irmão Sean morreu, foi ele, que nos dias de luto se trancou em casa, que teve de informar a família. Em 2007, ano em que conquistou o primeiro título – tornando-se o primeiro australiano em 15 épocas a roubar o lugar a Slater –, foi nele que Fanning pensou antes de mais ninguém.

Após o título de 2007, Mick sagrou-se “bi” dois anos mais tarde em Pipeline, contra Parko, um dos seus melhores amigos. “A primeira pessoa que abracei foi o Dingo [Dean Morrison]. E em seguida o Kekoa [Bacalso] e o Gavin Gillette [que derrotou o Joel], que estavam hospedados em minha casa quando conheci a minha mulher. Depois vi o Joel e pensei que a melhor coisa a fazer era simplesmente ir lá falar-lhe, porque é isso que os amigos fazem”, contou-nos, explicando que não conversaram quase nada sobre a competição mas sobre as suas vidas. No Tour há 12 anos, o surfista, que diz ser “competitivo até nas coisas mais pequenas, como concursos de cozinha”, só ficou uma vez fora do top 10 dos melhores do mundo. Da mulher, Karissa, afirma ser uma pessoa “incrível”, que tem sempre “a palavra certa na altura certa” e ter muita sorte em tê-la ao seu lado.

 

Vencedor do Rip Curl Pro Portugal em 2009 e em 2014, Fanning diz sentir-se “muito à vontade” no nosso país e por ser “muito amigo” de Tiago Pires já visitou imensos lugares e foi a sítios muito bons para comer. E como foi no Bairro Alto e depois no Lux? Disseram-nos que andaste por lá, perguntámos-lhe há dois anos. “Sim, gostei muito, mas não me lembro bem, bebi vinho de mais [risos]. Sabes, às vezes temos de desanuviar, somos seres humanos e gostamos de nos divertir.”

Ah, Eugene, nunca mudes.