Autor diz que é preciso combater o estigma de que mais músculo é incompatível com o quadro de honra. Até porque cada vez mais a ciência sugere o contrário.
Menos futebol, mais trabalhos de casa. Menos desporto escolar, mais disciplinas com matéria a sério. Nada mais errado se o objectivo é alunos com bons resultados académicos, defende uma equipa de investigadores da Faculdade de Motricidade Humana (FMH) da Universidade de Lisboa. Miúdos com uma boa condição física têm mais probabilidade de ter boas notas, concluíram os investigadores liderados por Luís Bettencourt Sardinha. Daqui para a frente, além de perguntar pelos TPC, vale a pena tentar saber: e quantos abdominais ou flexões consegue o seu filho fazer seguidos, mantendo um bom desempenho cardiorrespiratório?
Antes de espreitar nestas páginas o que é de esperar num jovem saudável, eis as conclusões. Os investigadores acompanharam durante três anos 1286 alunos com idades entre os 11 e os 14 anos. Concluíram que adolescentes inicialmente declarados saudáveis após realizarem o popular teste Pacer e que, ao final dos três anos da investigação, mantinham uma boa condição física, tinham sistematicamente melhores resultados escolares do que os adolescentes em pior forma. Este teste mede a aptidão aeróbia – a capacidade de fornecer oxigénio aos músculos – e muitas crianças conhecem–no pelas voltas dos bips ou o jogo vaivém nas aulas de Educação Física.
Ao longo dos três anos, os alunos com boa forma física aferida em função deste indicador tinham 3,78 vezes mais hipóteses de ter notas elevadas a Português e 2,75 vezes mais hipóteses de ter notas altas a Matemática. A Ciências e a língua estrangeira, neste caso o Inglês, os investigadores apuraram a mesma vantagem: uma probabilidade 2,7 e 2,54 vezes superior, respectivamente, de terem melhores classificações.
Luís Bettencourt Sardinha revela ao i que estes resultados, que vêm complementar um primeiro estudo publicado pela mesma equipa em 2014 na revista científica “BMC Pediatrics”, serão objecto de uma publicação científica em breve. Nesse estudo de 2014, além da capacidade aeróbia, os investigadores associaram melhores resultados académicos a um peso considerado saudável, medido pelo índice de massa corporal.
Se no primeiro estudo faziam um retrato dos alunos num único ano, o trabalho mais recente visava uma análise prospectiva. O investigador adianta que uma das conclusões mais interessantes foi perceber que jovens que no início foram declarados como tendo uma condição física não saudável mas que melhoraram ao longo dos três anos, passando a ter resultados dentro da zona saudável, obtiveram também vantagens académicas. A probabilidade de terem melhores notas não é tão elevada como a daqueles que sempre estiveram em forma mas, por exemplo, as hipóteses de terem boas notas a Português são quase o triplo em relação aos jovens que permaneceram na chamada zona não saudável. A Matemática, Inglês e Ciências, a probabilidade é também duas vezes superior.
Para o investigador, esta conclusão vem reforçar a necessidade de investir em actividade física como parte dos currículos, em primeiro lugar para combater o preconceito de que mais músculo implica menos capacidade cognitiva. E se isto pode ser um incentivo para combater o sedentarismo e os seus perigos – como a obesidade ou diabetes –, pode igualmente ajudar jovens mais talentosos no desporto a sentirem-se confiantes com os deveres académicos.
Os porquês Mais do que uma eventual explicação comportamental, como miúdos mais saudáveis faltarem menos à escola, Luís Bettencourt Sardinha acredita que este estudo vem corroborar uma linha de investigação que nos últimos anos tem ganhado peso e que sugere que o desenvolvimento físico é crucial para o cérebro.
A ciência tem demonstrado que a actividade física, nomeadamente uma boa aptidão aeróbia, está ligada a uma maior saúde cardiovascular e a um aumento de proteínas específicas como os factores neurotróficos, que estimulam o crescimento de novos neurónios e a criação de ligações entre eles. O investigador destaca um estudo publicado em Agosto na revista científica “PLOS One” em que investigadores de Illinois, Pittsburgh e Michigan mostraram que, aos nove e dez anos, crianças com melhor competência aeróbia têm uma estrutura cerebral diferente que parece estar ligada a um melhor desempenho a Matemática. Outros estudos já tinham mostrado que as crianças com melhor desempenho tinham zonas do cérebro, como o hipocampo, com um volume maior, área considerada essencial na memória e aprendizagem.
Luís Bettencourt Sardinha sublinha que, se em parte a aptidão aeróbia resulta da genética, treino físico e composição corporal adequada são fundamentais. O investigador diz que por agora não estudaram em que idade parece ser mais determinante uma boa condição física no desempenho académico, pergunta que diz ser interessante para trabalhos futuros. Para já, considera que não faltam motivos para se investir nas aulas de Educação Física, seguindo as recomendações europeias de, pelo menos, cinco horas semanais. “Actualmente, nas escolas portuguesas, temos duas horas e meia a três horas”, lamenta.
O investigador alerta ainda para a necessidade de se aproveitar os anos escolares para formar uma cultura desportiva: “Desenvolver uma cultura que leve os jovens a deixar a escola com a noção da importância de fazer desporto.”